Publicamos duas visões sobre a disputa democrata nos EUA: a que vai abaixo, do Financial Times, e outra, no próximo post, um visão brasileira. Boa leitura.
Por Edward Luce — Financial Times
Nos acidentes em câmera lenta, é possível vislumbrar as rotas de colisão um bom tempo antes. Infelizmente, não temos como apertar o botão do controle remoto. O debate democrata de quarta-feira à noite nos EUA foi o mais agressivo até agora - e Michael Bloomberg foi o claro perdedor. Em algum momento, porém, a corrida democrata deverá resumir-se a uma luta entre ele e Bernie Sanders.
Há poucas maneiras de uma disputa do tipo soma zero entre um velho bilionário autofinanciado e um velho socialista teimoso acabar num armistício amigável. Mas há muitas maneiras de acabar de fato em colisão. Quase nenhuma teria um fim feliz para os democratas, a não ser que aconteça o menos provável, isto é, uma vitória arrasadora de um sobre o outro.
As similaridades entre a campanha de Sanders e a de Donald Trump em 2016 existem. Cada um tem militantes mais do que dispostos a intimidar rivais nas redes sociais. Apenas cerca da metade dos eleitores de Sanders votaria em Bloomberg se ele fosse o candidato presidencial democrata, diz pesquisa recente.
Essa proporção quase certamente aumentaria diante da aproximação do espectro de um segundo mandato de Trump. Mas Trump precisaria capturar apenas uma fatia do eleitorado “Bernie Bro” [apelido pejorativo dos eleitores de Sanders] - aqueles mais politicamente incorretos na base do senador americano - para inclinar a eleição a seu favor. É o que aconteceu em 2016. Estima-se que 10% dos eleitores de Sanders tenham votado contra Hillary Clinton.
Sanders tenta fazer uma tomada de controle do Partido Democrata no estilo da que Trump fez com os republicanos. Ele tem vantagens táticas similares. Da mesma forma que Trump, Sanders beneficia-se de um campo recheado de candidatos convencionais, que gastam a maior parte de seu poder de fogo para atacar uns aos outros. O debate de quarta-feira foi o exemplo mais explosivo até agora.
Assim como acontecia com Trump em 2016 a esta altura da campanha, Sanders é menosprezado pelo establishment de seu partido. Hoje em dia, isso é visto como uma virtude. Um único deputado estadual de Iowa apoiou o senador de Vermont antes da eleição primária deste mês, em comparação aos mais de dez apoios obtidos pela maioria dos outros, como Joe Biden e Elizabeth Warren. Ainda assim, Sanders conseguiu a maioria dos votos.
Por fim, da mesma forma que o presidente Trump, Sanders acredita estar encabeçando um movimento, não uma campanha. As pessoas que lideram causas não desistem. Elas lutam até o amargo fim. Bilionários também não desistem. Qualquer um que ache que Bloomberg vai se dobrar se não tiver um bom desempenho - seu primeiro teste real é na chamada Super Terça, no início de março, quando um terço dos Estados americanos realiza primárias - não está prestando muita atenção.
O ex-prefeito de Nova York gastou US$ 400 milhões de sua fortuna até agora na disputa. Isso é 10% do retorno anual de sua fortuna pessoal, de US$ 54 bilhões. Ele poderia gastar dez vezes mais sem tocar seu capital principal. Um debate péssimo não mudará isso, mesmo se ele tiver de gastar milhões de dólares para limpar o estrago.
Esse quadro traz um dilema iminente para os democratas. Sanders quer uma revolução. Bloomberg quer uma renovação. No fim do debate de quarta-feira foi possível ver os contornos de uma colisão que parece cada vez mais provável. Todos os candidatos, menos Sanders, disseram aceitar as regras da chamada convenção aberta, isto é, quando ninguém tem a maioria na convenção do partido que escolhe o candidato presidencial.
Apenas Sanders insistiu em defender que o candidato com mais votos deveria ser indicado - mesmo que tenha menos da metade dos delegados. O risco é que aconteça exatamente isso. Sanders tem clara liderança nas pesquisas, mas é improvável que consiga a maioria dos delegados. Nenhum dos demais, a não ser Bloomberg, tem dinheiro suficiente para continuar na corrida por muito tempo.
Em outros países democráticos, Sanders estaria num partido diferente dos demais. Bloomberg também. O primeiro se intitula socialista. O segundo é essencialmente o que se costumava chamar de republicano Rockefeller. A questão é se a antipatia que ambos os candidatos sentem em relação a Donald Trump é maior do que as diferenças entre eles. Na teoria, ambos responderiam “sim”. Na prática, Sanders e os outros candidatos veem o ex-prefeito de Nova York como um plutocrata que comprou o silêncio de ex-funcionárias assediadas sexualmente, assim como seu lugar no palco democrata.
Sanders, enquanto isso, é visto com um paciente cardíaco envelhecido cujas promessas extravagantes vão dar a Trump um segundo mandato. O escritor Jorge Luis Borges certa vez comparou a guerra entre Reino Unido e Argentina pelas Ilhas Malvinas a dois homens carecas lutando por um pente. Isso também seria como uma descrição adequada para uma disputa entre Bloomberg e Sanders.
Por Edward Luce — Financial Times
Nos acidentes em câmera lenta, é possível vislumbrar as rotas de colisão um bom tempo antes. Infelizmente, não temos como apertar o botão do controle remoto. O debate democrata de quarta-feira à noite nos EUA foi o mais agressivo até agora - e Michael Bloomberg foi o claro perdedor. Em algum momento, porém, a corrida democrata deverá resumir-se a uma luta entre ele e Bernie Sanders.
Há poucas maneiras de uma disputa do tipo soma zero entre um velho bilionário autofinanciado e um velho socialista teimoso acabar num armistício amigável. Mas há muitas maneiras de acabar de fato em colisão. Quase nenhuma teria um fim feliz para os democratas, a não ser que aconteça o menos provável, isto é, uma vitória arrasadora de um sobre o outro.
As similaridades entre a campanha de Sanders e a de Donald Trump em 2016 existem. Cada um tem militantes mais do que dispostos a intimidar rivais nas redes sociais. Apenas cerca da metade dos eleitores de Sanders votaria em Bloomberg se ele fosse o candidato presidencial democrata, diz pesquisa recente.
Essa proporção quase certamente aumentaria diante da aproximação do espectro de um segundo mandato de Trump. Mas Trump precisaria capturar apenas uma fatia do eleitorado “Bernie Bro” [apelido pejorativo dos eleitores de Sanders] - aqueles mais politicamente incorretos na base do senador americano - para inclinar a eleição a seu favor. É o que aconteceu em 2016. Estima-se que 10% dos eleitores de Sanders tenham votado contra Hillary Clinton.
Sanders tenta fazer uma tomada de controle do Partido Democrata no estilo da que Trump fez com os republicanos. Ele tem vantagens táticas similares. Da mesma forma que Trump, Sanders beneficia-se de um campo recheado de candidatos convencionais, que gastam a maior parte de seu poder de fogo para atacar uns aos outros. O debate de quarta-feira foi o exemplo mais explosivo até agora.
Assim como acontecia com Trump em 2016 a esta altura da campanha, Sanders é menosprezado pelo establishment de seu partido. Hoje em dia, isso é visto como uma virtude. Um único deputado estadual de Iowa apoiou o senador de Vermont antes da eleição primária deste mês, em comparação aos mais de dez apoios obtidos pela maioria dos outros, como Joe Biden e Elizabeth Warren. Ainda assim, Sanders conseguiu a maioria dos votos.
Por fim, da mesma forma que o presidente Trump, Sanders acredita estar encabeçando um movimento, não uma campanha. As pessoas que lideram causas não desistem. Elas lutam até o amargo fim. Bilionários também não desistem. Qualquer um que ache que Bloomberg vai se dobrar se não tiver um bom desempenho - seu primeiro teste real é na chamada Super Terça, no início de março, quando um terço dos Estados americanos realiza primárias - não está prestando muita atenção.
O ex-prefeito de Nova York gastou US$ 400 milhões de sua fortuna até agora na disputa. Isso é 10% do retorno anual de sua fortuna pessoal, de US$ 54 bilhões. Ele poderia gastar dez vezes mais sem tocar seu capital principal. Um debate péssimo não mudará isso, mesmo se ele tiver de gastar milhões de dólares para limpar o estrago.
Esse quadro traz um dilema iminente para os democratas. Sanders quer uma revolução. Bloomberg quer uma renovação. No fim do debate de quarta-feira foi possível ver os contornos de uma colisão que parece cada vez mais provável. Todos os candidatos, menos Sanders, disseram aceitar as regras da chamada convenção aberta, isto é, quando ninguém tem a maioria na convenção do partido que escolhe o candidato presidencial.
Apenas Sanders insistiu em defender que o candidato com mais votos deveria ser indicado - mesmo que tenha menos da metade dos delegados. O risco é que aconteça exatamente isso. Sanders tem clara liderança nas pesquisas, mas é improvável que consiga a maioria dos delegados. Nenhum dos demais, a não ser Bloomberg, tem dinheiro suficiente para continuar na corrida por muito tempo.
Em outros países democráticos, Sanders estaria num partido diferente dos demais. Bloomberg também. O primeiro se intitula socialista. O segundo é essencialmente o que se costumava chamar de republicano Rockefeller. A questão é se a antipatia que ambos os candidatos sentem em relação a Donald Trump é maior do que as diferenças entre eles. Na teoria, ambos responderiam “sim”. Na prática, Sanders e os outros candidatos veem o ex-prefeito de Nova York como um plutocrata que comprou o silêncio de ex-funcionárias assediadas sexualmente, assim como seu lugar no palco democrata.
Sanders, enquanto isso, é visto com um paciente cardíaco envelhecido cujas promessas extravagantes vão dar a Trump um segundo mandato. O escritor Jorge Luis Borges certa vez comparou a guerra entre Reino Unido e Argentina pelas Ilhas Malvinas a dois homens carecas lutando por um pente. Isso também seria como uma descrição adequada para uma disputa entre Bloomberg e Sanders.
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