A convite do Valor, 20 personalidades indicam livros que consideram fundamentais para entender estes tempos conflituosos e a lista ficou muito boa! Abaixo e na íntegra a matéria publicada hoje no jornal.
Por Vitor Pamplona
Por muitos séculos, os livros foram a forma central de entretenimento e de transmitir ideias na humanidade. Na virada para a terceira década do terceiro milênio, o mundo hiperconectado e dependente da internet deixou de ser uma promessa futurista, concretizando previsões de ficção científica mais ou menos catastróficas para o leitor de livros.
Acuado por telas e distrações de todos os tamanhos, tendo como única arma pós-moderna de defesa os dispositivos eletrônicos de leitura, o livro enfrenta uma de suas crises periódicas de identidade.
Dúvidas se amontoam nas páginas dessa história. Com o faturamento dos mercados editoriais encolhendo nos últimos anos até mesmo nas principais economias do planeta, qual relevância social os livros terão no futuro? No mundo da dispersão on-line, como cultivar o hábito de ler livros constantemente? Soa quase como um dilema shakespeariano na era do meme e da rede social: ler ou não ler mais livros? E ler o quê? Eis a questão.
Para algumas das figuras mais destacadas deste admirável mundo novo, essas são perguntas retóricas. Um levantamento do site americano Business Insider comparou hábitos culturais de alguns dos principais empreendedores globais e identificou um padrão: todos são leitores vorazes. Bill Gates, por exemplo, diz ler 50 livros por ano. Mark Zuckerberg tem como meta ao menos um livro a cada duas semanas.
Elon Musk afirma que já chegou a ler dois livros por dia. E a multitarefa Oprah Winfrey, que já chamou os livros de “o caminho para minha libertação pessoal”, atribui a invenção do seu famoso clube de leitura, em seu antigo programa de TV, à sua obsessão particular por livros.
E por que livros? “Eletrônicos duram dez anos; livros, cinco séculos”, diria o escritor e ensaísta italiano Umberto Eco (1932-2016). Nenhuma ferramenta ou suporte é igualmente capaz de contar histórias, repensar o mundo, transmitir conhecimento, inspirar, influenciar e dar forma ao que pensamos com tanta profundidade.
Pensando na resiliência dos livros e na sua capacidade de traduzir contextos e conflitos históricos, o Valor ouviu 20 personalidades de diversas áreas e colorações políticas para que elas indicassem e comentassem um título que ajude a entender o mundo atual (ou o momento histórico do Brasil, como alguns preferiram).
O alerta sobre democracias em crise, a ameaça crescente de uma emergência climática, os rumos intrincados da economia global, a luta das mulheres por igualdade, os efeitos persistentes da escravidão na sociedade contemporânea, as contradições urbanas e as últimas descobertas científicas sobre a função dos micro-organismos em nossos corpos estão entre os temas escolhidos.
Boa leitura.
Narrativas influenciam a economia
“Narrative Economics: How Stories Go Viral and Drive Major Economic Events” (Princeton University Press, 2019, sem edição em português), do grande economista Robert Shiller, sugere mais humildade aos construtores de grandes modelos matematizados. Propõe-se a mostrar que números, estatística e econometria são importantes, mas as “estórias”, as narrativas cuidadosas, são ainda mais.
É uma “estória” agradável para os que acreditam no relativismo segundo o qual o conhecimento científico é uma construção social, mas chama a atenção para o fato de que modelos que não internalizam a probabilidade crescente de sua própria destruição são inúteis. Esse pensamento já estava implícito no seu livro “Exuberância Irracional”, que acabou lhe dando o Nobel.
Shiller mostra como as “narrativas” acabam influenciando as políticas econômicas e o comportamento individual, por um mecanismo de contágio infeccioso, hoje acelerado pelas novas formas de comunicação que empoderaram o cidadão pelo uso da internet nas mídias sociais.
Antonio Delfim Netto é economista e ex-ministro da Fazenda
Alerta sobre a tragédia ambiental
“A Terra Inabitável: Uma História do Futuro”, de David Wallace-Wells (Companhia das Letras, 2019), é uma obra corajosa, que nasceu da inquietude de um jornalista com mentalidade urbana e tecnológica que desperta para a tragédia ambiental planetária advinda da “mudança climática”, como é resumido pelas mídias.
É uma questão negligenciada e mesmo falseada pelos meios oficiais, que preferem manter a opinião pública fora do campo de decisão sobre questões estratégicas. No livro é possível saber, de fontes bem fundamentadas em dados, pesquisa e atualização do debate, tudo sobre o aquecimento global. Sem alarme ou ocultação, ele faz um alerta para as mudanças políticas e culturais que serão impostas ao mundo no século XXI, quando o clima global - e não mais a economia - estará determinando o rumo da civilização.
Nesta obra escrita ao longo desta década em que o negacionismo e a manipulação das informações resultaram nas “fake news”, o autor decide enfrentar os negacionistas como Donald Trump e comprovar a realidade do derretimento das calotas polares.
Ailton Krenak é escritor, ambientalista e líder indígena
As origens ideológicas do racismo
“The Color of Modernity: São Paulo and the Making of Race and Nation in Brazil”, de Barbara Weinstein (Duke University Press, 2015), trata das formas com que setores das classes médias e das elites paulistas criaram uma identidade regional em relação ao resto do Brasil, especialmente do Nordeste.
Ela examina como o movimento constitucionalista de 1932 se entendia em relação aos seus “inimigos” e mostra como paulistanos temiam as “hordas” de nordestinos que defenderam o governo federal e supostamente ameaçavam a “pureza” racial de São Paulo. Esta perspectiva se manteve ao longo dos anos, com os preconceitos contra a migração de nordestinos para a cidade.
Dado o papel proeminente dos movimentos políticos conservadores com raízes profundas em São Paulo, este livro nos ajuda a entender a situação política atual ao analisar as origens ideológicas de atitudes racistas no Brasil - simbolizadas pela oposição recente a políticas socioeconômicas e culturais que perturbaram as hierarquias raciais e sociais de longa data. (A tradução em português será lançada neste ano pela Edusp)
James Green é historiador brasilianista e professor da Brown University (EUA)
Com uma ajuda de Nietzsche
O livro que eu indico para a compreensão do mundo contemporâneo é o meu livro “Nietzsche Hoje: Sobre os Desafios da Vida Contemporânea” (Vozes, 2018). A razão é porque ele foi escrito objetivamente com essa função de ajudar a compreender o mundo atual e porque ele tem uma visão afirmativa do presente, não apenas negativa. Ele nos faz projetar algum tipo de futuro, especialmente mais amplo tendo em vista as complexidades da sociedade em rede. É um livro que nos faz ver o mundo contemporâneo como uma transição difícil, mas como abertura para novas possibilidades.
Viviane Mosé é poeta, psicanalista e doutora em filosofia
Harari oferece ferramentas para cenário mutante
Estamos num momento de transição da humanidade semelhante ao ocorrido na transição da era agrícola para a era industrial. Mudanças de enorme magnitude têm se tornado cada vez mais rápidas e constantes. Em meio a esse turbilhão que atinge todos os campos da vida humana - da política à economia, da religião ao emprego, da ciência ao meio ambiente e assim por diante -, o historiador Yuval Noah Harari oferece ferramentas de análises sistêmicas desse cenário mutante em “21 Lições para o Século 21” (Companhia das Letras, 2018). E, a partir disso, instrumenta o leitor a uma tomada de posicionamentos melhor embasados.
Viviane Senna é presidente do Instituto Ayrton Senna
Uma casa chamada Brasil
O Brasil, os brasileiros, são organismos vivos. Evoluem e modificam-se desde 1500. Os viventes do país moravam e moram na mansão de luxo, no solar, no apartamento, na vendinha, na oca, na palhoça, na caixa de papelão sob a marquise. Vivemos com pobres, ricos e remediados, na história de nossas casas.
A “casa” brasileira desenha a história dos humanos e de seu entorno. Entorno e homem modificam-se mutuamente ao longo do tempo. Antonio Risério, antropólogo, poeta, entrega ao leitor, em “A Casa no Brasil” (Topbooks, 2019), a nossa situação enquanto brasileiros e nos leva ao entendimento do organismo vivente que somos neste pedaço do planeta. O livro arranca de nós um cidadão e um Brasil.
Tom Zé é cantor e compositor
Divergência de forma respeitosa
“O Valor das Ideias: Debate em Tempos Turbulentos” (Companhia das Letras, 2019) reúne debates travados entre Marcos Lisboa, Samuel Pessôa e 11 intelectuais, políticos e economistas brasileiros. Para além de sua contribuição a pontos centrais da agenda do crescimento sustentável e justo em ambiente democrático, os diálogos mostram como a divergência pode produzir luz, desde que a interlocução transcorra de forma clara, informada e respeitosa. A derrota do campo democrático e progressista nas eleições de 2018 dá à leitura deste livro - e à prática dialógica que ele incorpora - redobrada urgência.
Eduardo Giannetti é economista e ensaísta
Consequências do intervencionismo
“Intervencionismo: Uma Análise Econômica”, de Ludwig von Mises (LVM Editora, 2018), explica o mundo atual como uma economia mista. Não há mais o socialismo que pregava socializar os meios de produção nem um capitalismo na prática, com livres intercâmbios e sistemas de preços livres. É uma mistura dos dois, que tenta conciliar propriedade privada com o planejamento e a intervenção estatal na economia.
Mises analisa vários tipos de intervencionismos, o controle de preços e de juros e os setores regulados e tabelados, nos quais há reserva de mercado. Esse é o grande tema do mundo de hoje. Os governos interferem e de certa forma manejam a estrutura da economia. Isso tem consequências nefastas em todos os lugares, no Brasil e no mundo. Esse modelo é adotado em maior ou menor grau no mundo inteiro, muito diferente do século XIX, quando uma série de países, em geral os mais desenvolvidos hoje, adotaram as políticas de “laissez-faire”, de liberalismo econômico. Hoje, até mesmo os EUA são intervencionistas.
Helio Beltrão é engenheiro com especialização em finanças e presidente do Instituto Mises Brasil
O perigo da volta do autoritarismo
Em “Sobre o Autoritarismo Brasileiro”, (Companhia das Letras, 2019), Lilia Moritz Schwarcz resgata com primor os fantasmas do nosso passado e do presente que ainda não conseguimos, enquanto sociedade, enfrentar e superar. O livro retrata as origens de nossa nação excludente, patrimonialista e desigual e demonstra o quão antigos e complexos são os desafios que temos ainda hoje que enfrentar - e com urgência.
Da escravidão ao racismo, à corrupção, à violência e à intolerância, a autora coloca o dedo nas feridas que nos impedem de atingir todo o nosso potencial humano, social, cultural e econômico. E, sobretudo, Lilia nos alerta sobre o perigo iminente do retorno ao autoritarismo, logo em sua citação de abertura, de George Santayana, em “A Vida da Razão” (1905): “Um povo que não conhece sua história está condenado a repeti-la”.
Ilona Szabó é cientista política, diretora do Instituto Igarapé e cofundadora do Movimento Agora!
É preciso saber lidar melhor com o tempo
“Essencialismo: A Disciplinada Busca por Menos”, de Greg McKeown (Sextante, 2015), trata de um fator muito comentado e escasso nos dias tão corridos como os de hoje: tempo. E aprender a lidar melhor com o tempo, elencando o que é prioridade, o que é realmente necessário para que se atinja as metas estabelecidas, é fundamental. Não só no âmbito esportivo, que é minha área, mas em todos os setores da sociedade, inclusive na vida pessoal.
Aprender sobre o essencialismo é buscar conhecimento sobre si mesmo. Por viver isso na prática, sei que, apesar de parecer ser simples dizer “não” a tarefas “menos importantes”, não é fácil não fazer concessões. Com a vida cada vez mais corrida, as pessoas tentam fazer um pouco de tudo. E não ter foco traz a frustração, pois não se consegue executar as tarefas com excelência e tem-se a impressão de estar sempre sem tempo.
Bernardinho é ex-jogador, treinador de vôlei e empresário
Alerta sobre a crise do clima
“O Ambiente na Encruzilhada: Por um Futuro Sustentável” (org. de Viriato Soromenho-Marques, Esfera do Caos, 2010) é uma coletânea de artigos lançada em 2010 que trata da crise ambiental global. Estamos vivendo um período crítico da história humana, que mostra o tamanho do perigo da ascensão do negacionismo climático e científico.
A ciência denuncia a gravidade da crise climática, mas setores expressivos das elites políticas e econômicas ainda mantêm uma postura cínica de negação. Soromenho-Marques faz um resgate histórico do papel da ciência moderna e lembra que ela “não nasceu para causar alarme social, para perturbar as almas com visões assustadoras sobre perigos futuros (), nasceu para aumentar exponencialmente os confortos materiais e a duração saudável da existência humana”.
Quando a ciência assume uma atitude crítica, ao lançar sinais de alerta, acaba por provocar os interesses políticos e econômicos estabelecidos. Uma crise dessa proporção não pode se restringir ao mero diagnóstico. O livro aborda um conjunto de entraves que precisam ser superados e aponta caminhos e alternativas.
Marina Silva é ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente
Espiritualidade para enfrentar o caos
“21 Lições para o Século 21”, de Yuval Noah Harari (Companhia das Letras, 2018), analisa alguns dos problemas e avanços mais importantes da era atual, como a dinâmica do terrorismo e a disrupção tecnológica. O autor argumenta que ninguém é capaz de processar o conjunto complexo de fenômenos que caracterizam o mundo de hoje.
A pretensão do pensamento liberal, que deposita exagerada confiança no sujeito racional, está acendendo a luz vermelha, pois cada vez mais se reconhece que somos menos sábios do que pensamos. Entre as 21 lições indicadas, está a de deixar-se tocar pelo impacto de saber que se sabe menos do que se pensa saber. Assim, precisamos nos colocar na condição de aprendizes, apesar dos muitos avanços e das conquistas tecnológicas. Para aprender as muitas lições que o terceiro milênio exige, não se pode deixar de lado a espiritualidade e o sólido humanismo, importantes para tirar a civilização contemporânea do caos.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo é arcebispo metropolitano de Belo Horizonte e presidente da CNBB
Bíblia diz o que fazer em época de doenças, fome e desastres
O “Livro do Apocalipse”, da Bíblia, diz que no fim do mundo o diabo virá e governará até acabar com tudo. Pode ser coincidência, mas em vários países estamos vendo assumirem o comando pessoas que não vieram para propagar o bem, a paz e a felicidade. Seriam esses comandantes o diabo encarnado?!?
As previsões do Apocalipse são bem precisas se você observar o que está acontecendo no mundo: os desastres ambientais, as novas doenças, a fome, a pobreza tanto monetária como de espírito, o descaso com as pessoas, o racismo, a ganância, tudo está escrito lá. Mas o que está escrito também nos ajudará a sobreviver e “ganhar o reino dos céus”, propagando o bem, a paz e a felicidade, que é o trabalho de Cristo. A Bíblia nos diz o que fazer neste período, portanto deve ser oportuna.
Sonia Guimarães é professora do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) e primeira brasileira negra doutora em física
Repulsa ao machismo
Feminicídio, a luta pela igualdade e o cenário distópico da violência no Acre, onde a força e a brutalidade se sobrepõem às instituições, às normas e ao afeto. É esse o cenário de “Mulheres Empilhadas”, de Patrícia Melo (Leya, 2019). É essa a metáfora que vivemos no mundo e, especialmente, no Brasil.
Quando se despreza a arte, a cultura, a humanidade, é a violência e o ódio que suplantam a ciência e a racionalidade. Vivemos tempos difíceis, de grande retrocesso na afirmação da igualdade de gênero.
Mulheres têm sido mortas em números epidêmicos. O antídoto vem da educação, da repulsa ao machismo que nos estrutura, da defesa intransigente dos direitos e das garantias constitucionais. Patrícia nos convida a essa reflexão. Se temos sido insensíveis à realidade, quem sabe a literatura nos mobilize?
Andréa Pachá é juíza e escritora
Resposta em forma de romance
Muitos escritores e artistas passaram o primeiro ano do governo Bolsonaro por demais indignados ou deprimidos para reagir com qualquer narrativa coerente ou eficaz. A exceção é Chico Buarque, que deu o troco através de um romance. “Essa Gente” (Companhia das Letras, 2019) é um livro atual e divertido sobre absurdos que se tornam aceitos, as mesquinharias da elite, a decadência urbana e a intolerância política. É também perfeito em cada sentença, preciso na escolha das palavras e impecável no ritmo dos parágrafos.
Martha Batalha é escritora, autora de ‘A Vida Invisível de Eurídice Gusmão’ (Cia das Letras)
Vergonha da escravidão
“Escravidão”, de Laurentino Gomes (Globo Livros, 2019), é oportuno porque trata, com riqueza de informações, do tema que há milênios é uma indelével mancha na história da humanidade e que, de alguma forma, ainda persiste com milhões de pessoas nominalmente livres, mas sujeitas a trabalho escravo.
Gomes expõe a aparente naturalidade cultural com que distintas civilizações, desde os antigos egípcios, gregos e romanos, manipulavam as vidas de seus semelhantes, havendo sempre por trás o interesse econômico. Historicamente, escravos foram entendidos como utensílios domésticos e, quase sempre, tratados de forma bastante indigna. A nós, brasileiros, coube a vergonha de ter convivido com a escravidão de índios e de africanos.
Raul Cutait é médico e professor da Faculdade de Medicina da USP
Para entender o papel da internet na crise da democracia
“Como a Democracia Chega ao Fim”, de David Runciman (Todavia, 2018), analisa o que chama de crise da meia-idade da democracia dos países ricos. Segundo ele, a democracia não vai morrer, mas nunca mais voltará a ser o que era. E o erro estaria justamente em tentar trazer de volta algo que não existe mais. Runciman analisa a crise da democracia, e o livro é especialmente interessante quando trata do papel da tecnologia e da internet.
Segundo o autor, a internet proporciona aos indivíduos o sentimento de participação e pertencimento que o próprio sistema político não tem conseguido gerar. Quanto mais as pessoas encontram espaço para expressar frustrações e desejos nas redes sociais, menos se sentem representadas pela política partidária. O problema é que essa possibilidade de participação oferecida pela internet é pseudodemocrática, já que sua atividade é controlada por grupos econômicos gigantes e refratários ao controle social.
Laura Carvalho é economista e professora da FEA-USP
Estado corroído a partir de dentro
Golpes contra regimes democráticos não se fazem apenas com tanques e soldados nas ruas. “Como as Democracias Morrem” (Zahar, 2018), escrito por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, ambos professores de Harvard, nos mostra como as democracias podem ter seus alicerces corroídos por aqueles que estão no poder. Como cupins, esses governantes progressivamente vão destruindo as estruturas do Estado de Direito, ampliando seus poderes e limitando cada vez mais o exercício da cidadania numa escalada autoritária. É um retrato do que estamos enfrentando no Brasil.
Marcelo Freixo é deputado federal do PSOL
Como fazer uma empresa crescer e ganhar escala
Li recentemente “Organizações Exponenciais”, de Salim Ismail, Michael S. Malone e Yuri Van Geest (Alta Books, 2018), e recomendo por ser útil na compreensão do mundo dos negócios.
Ele mostra como você consegue transformar sua empresa em uma organização realmente exponencial, para ganhar escala ao longo do tempo, além de oferecer o que há de melhor para o seu cliente, com os menores preços possíveis.
Uma nova visão de organização, voltada à descentralização de poder e de estruturas e, principalmente, com o cliente no centro de toda a estratégia.
Guilherme Benchimol é CEO e fundador da XP Inc.
A lógica da natureza
“10% Humano: Como os Micro-Organismos São a Chave para a Saúde do Corpo e da Mente”, de Alanna Collen (Sextante, 2016), aborda a recente descoberta da ciência sobre a importância da nossa microbiota e como a enorme diversidade de bactérias em nosso corpo é responsável por nossa saúde física, nossa psique e humor.
Estou fazendo um documentário sobre o funcionamento do solo e fiquei impressionado ao ver como nosso intestino grosso e o solo se parecem. É como se eu tivesse encontrado uma chave que liga tudo com tudo, uma espécie de lógica da natureza que vale para tudo que é vivo.
O livro deixa claro como antibióticos desorganizam nosso corpo e, por analogia, também como herbicidas destroem a vida do solo até o esgotamento. Como vivemos num país onde o agronegócio dá as cartas, o novo entendimento do nosso corpo acabou me mostrando que a opção por uma agricultura convencional, apoiada em insumos químicos e herbicidas, representa um risco não somente para a saúde, como coloca em risco, a longo prazo, uma das atividades mais importantes do Brasil.
Fernando Meirelles é cineasta
Por Vitor Pamplona
Por muitos séculos, os livros foram a forma central de entretenimento e de transmitir ideias na humanidade. Na virada para a terceira década do terceiro milênio, o mundo hiperconectado e dependente da internet deixou de ser uma promessa futurista, concretizando previsões de ficção científica mais ou menos catastróficas para o leitor de livros.
Acuado por telas e distrações de todos os tamanhos, tendo como única arma pós-moderna de defesa os dispositivos eletrônicos de leitura, o livro enfrenta uma de suas crises periódicas de identidade.
Dúvidas se amontoam nas páginas dessa história. Com o faturamento dos mercados editoriais encolhendo nos últimos anos até mesmo nas principais economias do planeta, qual relevância social os livros terão no futuro? No mundo da dispersão on-line, como cultivar o hábito de ler livros constantemente? Soa quase como um dilema shakespeariano na era do meme e da rede social: ler ou não ler mais livros? E ler o quê? Eis a questão.
Para algumas das figuras mais destacadas deste admirável mundo novo, essas são perguntas retóricas. Um levantamento do site americano Business Insider comparou hábitos culturais de alguns dos principais empreendedores globais e identificou um padrão: todos são leitores vorazes. Bill Gates, por exemplo, diz ler 50 livros por ano. Mark Zuckerberg tem como meta ao menos um livro a cada duas semanas.
Elon Musk afirma que já chegou a ler dois livros por dia. E a multitarefa Oprah Winfrey, que já chamou os livros de “o caminho para minha libertação pessoal”, atribui a invenção do seu famoso clube de leitura, em seu antigo programa de TV, à sua obsessão particular por livros.
E por que livros? “Eletrônicos duram dez anos; livros, cinco séculos”, diria o escritor e ensaísta italiano Umberto Eco (1932-2016). Nenhuma ferramenta ou suporte é igualmente capaz de contar histórias, repensar o mundo, transmitir conhecimento, inspirar, influenciar e dar forma ao que pensamos com tanta profundidade.
Pensando na resiliência dos livros e na sua capacidade de traduzir contextos e conflitos históricos, o Valor ouviu 20 personalidades de diversas áreas e colorações políticas para que elas indicassem e comentassem um título que ajude a entender o mundo atual (ou o momento histórico do Brasil, como alguns preferiram).
O alerta sobre democracias em crise, a ameaça crescente de uma emergência climática, os rumos intrincados da economia global, a luta das mulheres por igualdade, os efeitos persistentes da escravidão na sociedade contemporânea, as contradições urbanas e as últimas descobertas científicas sobre a função dos micro-organismos em nossos corpos estão entre os temas escolhidos.
Boa leitura.
Narrativas influenciam a economia
“Narrative Economics: How Stories Go Viral and Drive Major Economic Events” (Princeton University Press, 2019, sem edição em português), do grande economista Robert Shiller, sugere mais humildade aos construtores de grandes modelos matematizados. Propõe-se a mostrar que números, estatística e econometria são importantes, mas as “estórias”, as narrativas cuidadosas, são ainda mais.
É uma “estória” agradável para os que acreditam no relativismo segundo o qual o conhecimento científico é uma construção social, mas chama a atenção para o fato de que modelos que não internalizam a probabilidade crescente de sua própria destruição são inúteis. Esse pensamento já estava implícito no seu livro “Exuberância Irracional”, que acabou lhe dando o Nobel.
Shiller mostra como as “narrativas” acabam influenciando as políticas econômicas e o comportamento individual, por um mecanismo de contágio infeccioso, hoje acelerado pelas novas formas de comunicação que empoderaram o cidadão pelo uso da internet nas mídias sociais.
Antonio Delfim Netto é economista e ex-ministro da Fazenda
Alerta sobre a tragédia ambiental
“A Terra Inabitável: Uma História do Futuro”, de David Wallace-Wells (Companhia das Letras, 2019), é uma obra corajosa, que nasceu da inquietude de um jornalista com mentalidade urbana e tecnológica que desperta para a tragédia ambiental planetária advinda da “mudança climática”, como é resumido pelas mídias.
É uma questão negligenciada e mesmo falseada pelos meios oficiais, que preferem manter a opinião pública fora do campo de decisão sobre questões estratégicas. No livro é possível saber, de fontes bem fundamentadas em dados, pesquisa e atualização do debate, tudo sobre o aquecimento global. Sem alarme ou ocultação, ele faz um alerta para as mudanças políticas e culturais que serão impostas ao mundo no século XXI, quando o clima global - e não mais a economia - estará determinando o rumo da civilização.
Nesta obra escrita ao longo desta década em que o negacionismo e a manipulação das informações resultaram nas “fake news”, o autor decide enfrentar os negacionistas como Donald Trump e comprovar a realidade do derretimento das calotas polares.
Ailton Krenak é escritor, ambientalista e líder indígena
As origens ideológicas do racismo
“The Color of Modernity: São Paulo and the Making of Race and Nation in Brazil”, de Barbara Weinstein (Duke University Press, 2015), trata das formas com que setores das classes médias e das elites paulistas criaram uma identidade regional em relação ao resto do Brasil, especialmente do Nordeste.
Ela examina como o movimento constitucionalista de 1932 se entendia em relação aos seus “inimigos” e mostra como paulistanos temiam as “hordas” de nordestinos que defenderam o governo federal e supostamente ameaçavam a “pureza” racial de São Paulo. Esta perspectiva se manteve ao longo dos anos, com os preconceitos contra a migração de nordestinos para a cidade.
Dado o papel proeminente dos movimentos políticos conservadores com raízes profundas em São Paulo, este livro nos ajuda a entender a situação política atual ao analisar as origens ideológicas de atitudes racistas no Brasil - simbolizadas pela oposição recente a políticas socioeconômicas e culturais que perturbaram as hierarquias raciais e sociais de longa data. (A tradução em português será lançada neste ano pela Edusp)
James Green é historiador brasilianista e professor da Brown University (EUA)
Com uma ajuda de Nietzsche
O livro que eu indico para a compreensão do mundo contemporâneo é o meu livro “Nietzsche Hoje: Sobre os Desafios da Vida Contemporânea” (Vozes, 2018). A razão é porque ele foi escrito objetivamente com essa função de ajudar a compreender o mundo atual e porque ele tem uma visão afirmativa do presente, não apenas negativa. Ele nos faz projetar algum tipo de futuro, especialmente mais amplo tendo em vista as complexidades da sociedade em rede. É um livro que nos faz ver o mundo contemporâneo como uma transição difícil, mas como abertura para novas possibilidades.
Viviane Mosé é poeta, psicanalista e doutora em filosofia
Harari oferece ferramentas para cenário mutante
Estamos num momento de transição da humanidade semelhante ao ocorrido na transição da era agrícola para a era industrial. Mudanças de enorme magnitude têm se tornado cada vez mais rápidas e constantes. Em meio a esse turbilhão que atinge todos os campos da vida humana - da política à economia, da religião ao emprego, da ciência ao meio ambiente e assim por diante -, o historiador Yuval Noah Harari oferece ferramentas de análises sistêmicas desse cenário mutante em “21 Lições para o Século 21” (Companhia das Letras, 2018). E, a partir disso, instrumenta o leitor a uma tomada de posicionamentos melhor embasados.
Viviane Senna é presidente do Instituto Ayrton Senna
Uma casa chamada Brasil
O Brasil, os brasileiros, são organismos vivos. Evoluem e modificam-se desde 1500. Os viventes do país moravam e moram na mansão de luxo, no solar, no apartamento, na vendinha, na oca, na palhoça, na caixa de papelão sob a marquise. Vivemos com pobres, ricos e remediados, na história de nossas casas.
A “casa” brasileira desenha a história dos humanos e de seu entorno. Entorno e homem modificam-se mutuamente ao longo do tempo. Antonio Risério, antropólogo, poeta, entrega ao leitor, em “A Casa no Brasil” (Topbooks, 2019), a nossa situação enquanto brasileiros e nos leva ao entendimento do organismo vivente que somos neste pedaço do planeta. O livro arranca de nós um cidadão e um Brasil.
Tom Zé é cantor e compositor
Divergência de forma respeitosa
“O Valor das Ideias: Debate em Tempos Turbulentos” (Companhia das Letras, 2019) reúne debates travados entre Marcos Lisboa, Samuel Pessôa e 11 intelectuais, políticos e economistas brasileiros. Para além de sua contribuição a pontos centrais da agenda do crescimento sustentável e justo em ambiente democrático, os diálogos mostram como a divergência pode produzir luz, desde que a interlocução transcorra de forma clara, informada e respeitosa. A derrota do campo democrático e progressista nas eleições de 2018 dá à leitura deste livro - e à prática dialógica que ele incorpora - redobrada urgência.
Eduardo Giannetti é economista e ensaísta
Consequências do intervencionismo
“Intervencionismo: Uma Análise Econômica”, de Ludwig von Mises (LVM Editora, 2018), explica o mundo atual como uma economia mista. Não há mais o socialismo que pregava socializar os meios de produção nem um capitalismo na prática, com livres intercâmbios e sistemas de preços livres. É uma mistura dos dois, que tenta conciliar propriedade privada com o planejamento e a intervenção estatal na economia.
Mises analisa vários tipos de intervencionismos, o controle de preços e de juros e os setores regulados e tabelados, nos quais há reserva de mercado. Esse é o grande tema do mundo de hoje. Os governos interferem e de certa forma manejam a estrutura da economia. Isso tem consequências nefastas em todos os lugares, no Brasil e no mundo. Esse modelo é adotado em maior ou menor grau no mundo inteiro, muito diferente do século XIX, quando uma série de países, em geral os mais desenvolvidos hoje, adotaram as políticas de “laissez-faire”, de liberalismo econômico. Hoje, até mesmo os EUA são intervencionistas.
Helio Beltrão é engenheiro com especialização em finanças e presidente do Instituto Mises Brasil
O perigo da volta do autoritarismo
Em “Sobre o Autoritarismo Brasileiro”, (Companhia das Letras, 2019), Lilia Moritz Schwarcz resgata com primor os fantasmas do nosso passado e do presente que ainda não conseguimos, enquanto sociedade, enfrentar e superar. O livro retrata as origens de nossa nação excludente, patrimonialista e desigual e demonstra o quão antigos e complexos são os desafios que temos ainda hoje que enfrentar - e com urgência.
Da escravidão ao racismo, à corrupção, à violência e à intolerância, a autora coloca o dedo nas feridas que nos impedem de atingir todo o nosso potencial humano, social, cultural e econômico. E, sobretudo, Lilia nos alerta sobre o perigo iminente do retorno ao autoritarismo, logo em sua citação de abertura, de George Santayana, em “A Vida da Razão” (1905): “Um povo que não conhece sua história está condenado a repeti-la”.
Ilona Szabó é cientista política, diretora do Instituto Igarapé e cofundadora do Movimento Agora!
É preciso saber lidar melhor com o tempo
“Essencialismo: A Disciplinada Busca por Menos”, de Greg McKeown (Sextante, 2015), trata de um fator muito comentado e escasso nos dias tão corridos como os de hoje: tempo. E aprender a lidar melhor com o tempo, elencando o que é prioridade, o que é realmente necessário para que se atinja as metas estabelecidas, é fundamental. Não só no âmbito esportivo, que é minha área, mas em todos os setores da sociedade, inclusive na vida pessoal.
Aprender sobre o essencialismo é buscar conhecimento sobre si mesmo. Por viver isso na prática, sei que, apesar de parecer ser simples dizer “não” a tarefas “menos importantes”, não é fácil não fazer concessões. Com a vida cada vez mais corrida, as pessoas tentam fazer um pouco de tudo. E não ter foco traz a frustração, pois não se consegue executar as tarefas com excelência e tem-se a impressão de estar sempre sem tempo.
Bernardinho é ex-jogador, treinador de vôlei e empresário
Alerta sobre a crise do clima
“O Ambiente na Encruzilhada: Por um Futuro Sustentável” (org. de Viriato Soromenho-Marques, Esfera do Caos, 2010) é uma coletânea de artigos lançada em 2010 que trata da crise ambiental global. Estamos vivendo um período crítico da história humana, que mostra o tamanho do perigo da ascensão do negacionismo climático e científico.
A ciência denuncia a gravidade da crise climática, mas setores expressivos das elites políticas e econômicas ainda mantêm uma postura cínica de negação. Soromenho-Marques faz um resgate histórico do papel da ciência moderna e lembra que ela “não nasceu para causar alarme social, para perturbar as almas com visões assustadoras sobre perigos futuros (), nasceu para aumentar exponencialmente os confortos materiais e a duração saudável da existência humana”.
Quando a ciência assume uma atitude crítica, ao lançar sinais de alerta, acaba por provocar os interesses políticos e econômicos estabelecidos. Uma crise dessa proporção não pode se restringir ao mero diagnóstico. O livro aborda um conjunto de entraves que precisam ser superados e aponta caminhos e alternativas.
Marina Silva é ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente
Espiritualidade para enfrentar o caos
“21 Lições para o Século 21”, de Yuval Noah Harari (Companhia das Letras, 2018), analisa alguns dos problemas e avanços mais importantes da era atual, como a dinâmica do terrorismo e a disrupção tecnológica. O autor argumenta que ninguém é capaz de processar o conjunto complexo de fenômenos que caracterizam o mundo de hoje.
A pretensão do pensamento liberal, que deposita exagerada confiança no sujeito racional, está acendendo a luz vermelha, pois cada vez mais se reconhece que somos menos sábios do que pensamos. Entre as 21 lições indicadas, está a de deixar-se tocar pelo impacto de saber que se sabe menos do que se pensa saber. Assim, precisamos nos colocar na condição de aprendizes, apesar dos muitos avanços e das conquistas tecnológicas. Para aprender as muitas lições que o terceiro milênio exige, não se pode deixar de lado a espiritualidade e o sólido humanismo, importantes para tirar a civilização contemporânea do caos.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo é arcebispo metropolitano de Belo Horizonte e presidente da CNBB
Bíblia diz o que fazer em época de doenças, fome e desastres
O “Livro do Apocalipse”, da Bíblia, diz que no fim do mundo o diabo virá e governará até acabar com tudo. Pode ser coincidência, mas em vários países estamos vendo assumirem o comando pessoas que não vieram para propagar o bem, a paz e a felicidade. Seriam esses comandantes o diabo encarnado?!?
As previsões do Apocalipse são bem precisas se você observar o que está acontecendo no mundo: os desastres ambientais, as novas doenças, a fome, a pobreza tanto monetária como de espírito, o descaso com as pessoas, o racismo, a ganância, tudo está escrito lá. Mas o que está escrito também nos ajudará a sobreviver e “ganhar o reino dos céus”, propagando o bem, a paz e a felicidade, que é o trabalho de Cristo. A Bíblia nos diz o que fazer neste período, portanto deve ser oportuna.
Sonia Guimarães é professora do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) e primeira brasileira negra doutora em física
Repulsa ao machismo
Feminicídio, a luta pela igualdade e o cenário distópico da violência no Acre, onde a força e a brutalidade se sobrepõem às instituições, às normas e ao afeto. É esse o cenário de “Mulheres Empilhadas”, de Patrícia Melo (Leya, 2019). É essa a metáfora que vivemos no mundo e, especialmente, no Brasil.
Quando se despreza a arte, a cultura, a humanidade, é a violência e o ódio que suplantam a ciência e a racionalidade. Vivemos tempos difíceis, de grande retrocesso na afirmação da igualdade de gênero.
Mulheres têm sido mortas em números epidêmicos. O antídoto vem da educação, da repulsa ao machismo que nos estrutura, da defesa intransigente dos direitos e das garantias constitucionais. Patrícia nos convida a essa reflexão. Se temos sido insensíveis à realidade, quem sabe a literatura nos mobilize?
Andréa Pachá é juíza e escritora
Resposta em forma de romance
Muitos escritores e artistas passaram o primeiro ano do governo Bolsonaro por demais indignados ou deprimidos para reagir com qualquer narrativa coerente ou eficaz. A exceção é Chico Buarque, que deu o troco através de um romance. “Essa Gente” (Companhia das Letras, 2019) é um livro atual e divertido sobre absurdos que se tornam aceitos, as mesquinharias da elite, a decadência urbana e a intolerância política. É também perfeito em cada sentença, preciso na escolha das palavras e impecável no ritmo dos parágrafos.
Martha Batalha é escritora, autora de ‘A Vida Invisível de Eurídice Gusmão’ (Cia das Letras)
Vergonha da escravidão
“Escravidão”, de Laurentino Gomes (Globo Livros, 2019), é oportuno porque trata, com riqueza de informações, do tema que há milênios é uma indelével mancha na história da humanidade e que, de alguma forma, ainda persiste com milhões de pessoas nominalmente livres, mas sujeitas a trabalho escravo.
Gomes expõe a aparente naturalidade cultural com que distintas civilizações, desde os antigos egípcios, gregos e romanos, manipulavam as vidas de seus semelhantes, havendo sempre por trás o interesse econômico. Historicamente, escravos foram entendidos como utensílios domésticos e, quase sempre, tratados de forma bastante indigna. A nós, brasileiros, coube a vergonha de ter convivido com a escravidão de índios e de africanos.
Raul Cutait é médico e professor da Faculdade de Medicina da USP
Para entender o papel da internet na crise da democracia
“Como a Democracia Chega ao Fim”, de David Runciman (Todavia, 2018), analisa o que chama de crise da meia-idade da democracia dos países ricos. Segundo ele, a democracia não vai morrer, mas nunca mais voltará a ser o que era. E o erro estaria justamente em tentar trazer de volta algo que não existe mais. Runciman analisa a crise da democracia, e o livro é especialmente interessante quando trata do papel da tecnologia e da internet.
Segundo o autor, a internet proporciona aos indivíduos o sentimento de participação e pertencimento que o próprio sistema político não tem conseguido gerar. Quanto mais as pessoas encontram espaço para expressar frustrações e desejos nas redes sociais, menos se sentem representadas pela política partidária. O problema é que essa possibilidade de participação oferecida pela internet é pseudodemocrática, já que sua atividade é controlada por grupos econômicos gigantes e refratários ao controle social.
Laura Carvalho é economista e professora da FEA-USP
Estado corroído a partir de dentro
Golpes contra regimes democráticos não se fazem apenas com tanques e soldados nas ruas. “Como as Democracias Morrem” (Zahar, 2018), escrito por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, ambos professores de Harvard, nos mostra como as democracias podem ter seus alicerces corroídos por aqueles que estão no poder. Como cupins, esses governantes progressivamente vão destruindo as estruturas do Estado de Direito, ampliando seus poderes e limitando cada vez mais o exercício da cidadania numa escalada autoritária. É um retrato do que estamos enfrentando no Brasil.
Marcelo Freixo é deputado federal do PSOL
Como fazer uma empresa crescer e ganhar escala
Li recentemente “Organizações Exponenciais”, de Salim Ismail, Michael S. Malone e Yuri Van Geest (Alta Books, 2018), e recomendo por ser útil na compreensão do mundo dos negócios.
Ele mostra como você consegue transformar sua empresa em uma organização realmente exponencial, para ganhar escala ao longo do tempo, além de oferecer o que há de melhor para o seu cliente, com os menores preços possíveis.
Uma nova visão de organização, voltada à descentralização de poder e de estruturas e, principalmente, com o cliente no centro de toda a estratégia.
Guilherme Benchimol é CEO e fundador da XP Inc.
A lógica da natureza
“10% Humano: Como os Micro-Organismos São a Chave para a Saúde do Corpo e da Mente”, de Alanna Collen (Sextante, 2016), aborda a recente descoberta da ciência sobre a importância da nossa microbiota e como a enorme diversidade de bactérias em nosso corpo é responsável por nossa saúde física, nossa psique e humor.
Estou fazendo um documentário sobre o funcionamento do solo e fiquei impressionado ao ver como nosso intestino grosso e o solo se parecem. É como se eu tivesse encontrado uma chave que liga tudo com tudo, uma espécie de lógica da natureza que vale para tudo que é vivo.
O livro deixa claro como antibióticos desorganizam nosso corpo e, por analogia, também como herbicidas destroem a vida do solo até o esgotamento. Como vivemos num país onde o agronegócio dá as cartas, o novo entendimento do nosso corpo acabou me mostrando que a opção por uma agricultura convencional, apoiada em insumos químicos e herbicidas, representa um risco não somente para a saúde, como coloca em risco, a longo prazo, uma das atividades mais importantes do Brasil.
Fernando Meirelles é cineasta
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