O Estado de S. Paulo traduziu texto editorial publicado na The Economist sobre o Brexit. Até pela postura da revista, guia dos liberais, vale a leitura!
Pouco mudará nos próximos dias. Algumas moedas de 50 centavos que proclamam “paz, prosperidade e amizade com todas as nações” entrarão em circulação para marcar a saída do Reino Unido da União Europeia, mas pessoas, bens e serviços continuarão a se mover livremente, pois o difícil negócio de fazer um acordo sobre comércio e imigração foi deixado para o período de transição, que dura até o fim do ano.
Mas deixar a UE é um momento histórico. O Reino Unido abandona a estrutura institucional que governa o mercado único da Europa, o que implicará necessariamente em mais atrito nas suas relações comerciais com um clube que recebe quase metade de suas exportações. Os britânicos perderão o direito automático que agora têm para precisar viver e trabalhar em toda a UE. O Brexit também sacramentou um choque. A nação discutiu longa e amargamente sobre o assunto, e sua elite dominante sofreu um golpe. Muito agora depende de como o governo de Boris Johnson responderá.
A Economist não defendeu esse resultado. A maioria das mudanças que o governo de Johnson defende poderiam ter sido realizadas sem sair da UE. Choques em todo o sistema são geralmente uma maneira dispendiosa de provocar mudanças. Mas, agora que o Brexit está acontecendo, o país deve aproveitar ao máximo a chance de recalibrar a economia e redefinir suas prioridades.
Nas duas últimas vezes em que o Reino Unido pressionou o botão de reset, em 1945 e 1979, os programas criados para o Estado de bem-estar social, que substituíram o socialismo pelo thatcherismo, estavam planejados havia muito tempo. Desta vez, é diferente. Johnson estava totalmente focado em deixar a UE e agora está sendo atormentado pelas tempestades que se agitam rapidamente sobre os assuntos do Estado: ele precisou decidir esta semana se aceitaria as exigências americanas de que o Reino Unido mantenha a Huawei, uma empresa chinesa, fora de sua rede de telefonia móvel (ele não o fez), e deve tomar em breve uma decisão sobre se um projeto ferroviário de alta velocidade para ligar o norte ao sul da Inglaterra deve seguir em frente.
Oportunista. Johnson capta a empolgação do momento, mas até agora não se mostrou mais que um brilhante oportunista. Se no seu cargo como premiê quiser deixar sua marca, precisa ter como base uma visão estratégica, não campanhas táticas. Esta visão deve ter como base o liberalismo. A crença na liberdade como base da civilização, no Estado como servo do indivíduo, e não vice-versa, e na troca aberta de bens, serviços e opiniões, surgiu no Reino Unido. Ajusta-se naturalmente a um caráter nacional que suspeita de autoridade e tende ao pragmatismo, não ao idealismo. Essa visão sustentou o progresso nos séculos 19 e 20 e se espalhou para se tornar a filosofia política dominante do mundo. Mas agora está ameaçada, principalmente no Reino Unido.
O Brexit nasceu em parte dos instintos de lançar barreiras contra o mundo. Mas dentro havia uma vertente ultraliberal, que considerava a UE como muito estatista e provinciana. Johnson precisa unir os liberais e persuadir os céticos de que um sistema com base no livre mercado e livre-comércio também pode funcionar para eles.
No exterior, liberalismo significa usar a potência ainda considerável do Reino Unido a serviço do livre-comércio e dos direitos individuais, seja apoiando a OMC ou fazendo que a China responda por abusos em Xinjiang. A decisão de Johnson de que o país deveria usar os equipamentos da Huawei estava, portanto, certa: liberalismo significa não concordar com as tentativas do presidente Donald Trump de tirar a China das cadeias globais de fornecimento de tecnologia.
O liberalismo também pode ocasionalmente significar uma divergência sobre como a UE regula os negócios. Em muitas áreas, como produção ou segurança alimentar, seguir os padrões estabelecidos em Bruxelas pode ser sensato, mesmo após o Brexit, principalmente porque o mercado da UE é muito valioso. Noutros, pode ser uma má ideia aceitar as regras da UE. Nos serviços financeiros, os centros concorrentes da UE podem procurar usar a regulamentação para prejudicar Londres. Em ciência e tecnologia, a abordagem instintiva da regulamentação do Reino Unido, que tende a ter princípios, não precaução, como base, pode ser mais adequada para promover a inovação do que a da UE.
Abertura. Internamente, liberalismo significa tornar o sistema aberto a todos os que chegam. Sob o voto do Brexit havia um descontentamento que surgiu do sentido de que um sistema econômico que finge ser aberto tem realmente base em nepotismo, dirigido por uma brilhante elite com sede em Londres, paga em excesso, e impenetrável para aqueles que são pobres, provinciais e sem um pé na escada da propriedade.
O mantra de Johnson é “subir de nível” ao impulsionar o crescimento nas regiões. Ele deveria estar falando sobre “abertura” para dar a todos a oportunidade de compartilhar da prosperidade. Isso significa incentivar a mobilidade social, gastando mais dinheiro com os primeiros anos das crianças, permitindo a construção de mais casas para que as pessoas mais jovens possam ter casas decentes, executando uma política energética competitiva para manter os ocupantes alertas e construindo estradas e ferrovias em áreas que têm menos do que o esperado. A ferrovia de alta velocidade (HS2) deve fazer parte disso: embora seus custos estimados continuem disparando, os ganhos com o aumento da capacidade e velocidade ferroviárias em toda o Reino Unido os superarão.
A agenda também não deve ser puramente econômica. A autodeterminação é fundamental para o liberalismo, mas nos últimos 150 anos, o poder lentamente se afastou das regiões inglesas para Westminster. A Escócia e o País de Gales receberam considerável autonomia em 1999, mas a Inglaterra é altamente centralizada. O Brexit foi a vingança da Inglaterra sobre Westminster por dar privilégios especiais à Escócia e ao País de Gales, ignorando as regiões; e a consequência ainda pode ser a dissolução da união. Mas seja qual for o destino da União, um governo liberal precisa descentralizar o poder, não só porque as decisões são tomadas quanto mais próximo se estiver da ação, mas também porque as pessoas precisam sentir que têm poder sobre seu próprio destino.
O futuro do Reino Unido está cheio de incertezas. Como já não faz parte de um dos grandes blocos globais, ele precisa encontrar um novo papel no mundo. Separadas pelas tensões dentro da União, suas nações precisam encontrar uma nova acomodação. Abalado pelos argumentos amargos sobre o Brexit, ele precisa reparar seu contrato social desgastado. As dificuldades não devem ser subestimadas. Mas quando o Reino Unido anteriormente redefiniu seu curso, em 1945 e 1979, as escolhas feitas ajudaram a remodelar o mundo. O objetivo deveria ser fazer isso novamente.
Pouco mudará nos próximos dias. Algumas moedas de 50 centavos que proclamam “paz, prosperidade e amizade com todas as nações” entrarão em circulação para marcar a saída do Reino Unido da União Europeia, mas pessoas, bens e serviços continuarão a se mover livremente, pois o difícil negócio de fazer um acordo sobre comércio e imigração foi deixado para o período de transição, que dura até o fim do ano.
Mas deixar a UE é um momento histórico. O Reino Unido abandona a estrutura institucional que governa o mercado único da Europa, o que implicará necessariamente em mais atrito nas suas relações comerciais com um clube que recebe quase metade de suas exportações. Os britânicos perderão o direito automático que agora têm para precisar viver e trabalhar em toda a UE. O Brexit também sacramentou um choque. A nação discutiu longa e amargamente sobre o assunto, e sua elite dominante sofreu um golpe. Muito agora depende de como o governo de Boris Johnson responderá.
A Economist não defendeu esse resultado. A maioria das mudanças que o governo de Johnson defende poderiam ter sido realizadas sem sair da UE. Choques em todo o sistema são geralmente uma maneira dispendiosa de provocar mudanças. Mas, agora que o Brexit está acontecendo, o país deve aproveitar ao máximo a chance de recalibrar a economia e redefinir suas prioridades.
Nas duas últimas vezes em que o Reino Unido pressionou o botão de reset, em 1945 e 1979, os programas criados para o Estado de bem-estar social, que substituíram o socialismo pelo thatcherismo, estavam planejados havia muito tempo. Desta vez, é diferente. Johnson estava totalmente focado em deixar a UE e agora está sendo atormentado pelas tempestades que se agitam rapidamente sobre os assuntos do Estado: ele precisou decidir esta semana se aceitaria as exigências americanas de que o Reino Unido mantenha a Huawei, uma empresa chinesa, fora de sua rede de telefonia móvel (ele não o fez), e deve tomar em breve uma decisão sobre se um projeto ferroviário de alta velocidade para ligar o norte ao sul da Inglaterra deve seguir em frente.
Oportunista. Johnson capta a empolgação do momento, mas até agora não se mostrou mais que um brilhante oportunista. Se no seu cargo como premiê quiser deixar sua marca, precisa ter como base uma visão estratégica, não campanhas táticas. Esta visão deve ter como base o liberalismo. A crença na liberdade como base da civilização, no Estado como servo do indivíduo, e não vice-versa, e na troca aberta de bens, serviços e opiniões, surgiu no Reino Unido. Ajusta-se naturalmente a um caráter nacional que suspeita de autoridade e tende ao pragmatismo, não ao idealismo. Essa visão sustentou o progresso nos séculos 19 e 20 e se espalhou para se tornar a filosofia política dominante do mundo. Mas agora está ameaçada, principalmente no Reino Unido.
O Brexit nasceu em parte dos instintos de lançar barreiras contra o mundo. Mas dentro havia uma vertente ultraliberal, que considerava a UE como muito estatista e provinciana. Johnson precisa unir os liberais e persuadir os céticos de que um sistema com base no livre mercado e livre-comércio também pode funcionar para eles.
No exterior, liberalismo significa usar a potência ainda considerável do Reino Unido a serviço do livre-comércio e dos direitos individuais, seja apoiando a OMC ou fazendo que a China responda por abusos em Xinjiang. A decisão de Johnson de que o país deveria usar os equipamentos da Huawei estava, portanto, certa: liberalismo significa não concordar com as tentativas do presidente Donald Trump de tirar a China das cadeias globais de fornecimento de tecnologia.
O liberalismo também pode ocasionalmente significar uma divergência sobre como a UE regula os negócios. Em muitas áreas, como produção ou segurança alimentar, seguir os padrões estabelecidos em Bruxelas pode ser sensato, mesmo após o Brexit, principalmente porque o mercado da UE é muito valioso. Noutros, pode ser uma má ideia aceitar as regras da UE. Nos serviços financeiros, os centros concorrentes da UE podem procurar usar a regulamentação para prejudicar Londres. Em ciência e tecnologia, a abordagem instintiva da regulamentação do Reino Unido, que tende a ter princípios, não precaução, como base, pode ser mais adequada para promover a inovação do que a da UE.
Abertura. Internamente, liberalismo significa tornar o sistema aberto a todos os que chegam. Sob o voto do Brexit havia um descontentamento que surgiu do sentido de que um sistema econômico que finge ser aberto tem realmente base em nepotismo, dirigido por uma brilhante elite com sede em Londres, paga em excesso, e impenetrável para aqueles que são pobres, provinciais e sem um pé na escada da propriedade.
O mantra de Johnson é “subir de nível” ao impulsionar o crescimento nas regiões. Ele deveria estar falando sobre “abertura” para dar a todos a oportunidade de compartilhar da prosperidade. Isso significa incentivar a mobilidade social, gastando mais dinheiro com os primeiros anos das crianças, permitindo a construção de mais casas para que as pessoas mais jovens possam ter casas decentes, executando uma política energética competitiva para manter os ocupantes alertas e construindo estradas e ferrovias em áreas que têm menos do que o esperado. A ferrovia de alta velocidade (HS2) deve fazer parte disso: embora seus custos estimados continuem disparando, os ganhos com o aumento da capacidade e velocidade ferroviárias em toda o Reino Unido os superarão.
A agenda também não deve ser puramente econômica. A autodeterminação é fundamental para o liberalismo, mas nos últimos 150 anos, o poder lentamente se afastou das regiões inglesas para Westminster. A Escócia e o País de Gales receberam considerável autonomia em 1999, mas a Inglaterra é altamente centralizada. O Brexit foi a vingança da Inglaterra sobre Westminster por dar privilégios especiais à Escócia e ao País de Gales, ignorando as regiões; e a consequência ainda pode ser a dissolução da união. Mas seja qual for o destino da União, um governo liberal precisa descentralizar o poder, não só porque as decisões são tomadas quanto mais próximo se estiver da ação, mas também porque as pessoas precisam sentir que têm poder sobre seu próprio destino.
O futuro do Reino Unido está cheio de incertezas. Como já não faz parte de um dos grandes blocos globais, ele precisa encontrar um novo papel no mundo. Separadas pelas tensões dentro da União, suas nações precisam encontrar uma nova acomodação. Abalado pelos argumentos amargos sobre o Brexit, ele precisa reparar seu contrato social desgastado. As dificuldades não devem ser subestimadas. Mas quando o Reino Unido anteriormente redefiniu seu curso, em 1945 e 1979, as escolhas feitas ajudaram a remodelar o mundo. O objetivo deveria ser fazer isso novamente.
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