Muito boa a matéria publicada por Geraldo Samor e Pedro Arbex no Brazil Journal nesta sexta-feira, 14/2. Vale a leitura, na íntegra, abaixo:
Marcos Lisboa continua pregando o evangelho das reformas no deserto da complacência brasileira.
Hoje o economista de fora do Governo com maior trânsito em Brasília, Marcos insiste há anos na necessidade de uma agenda estrutural que nos leve ao crescimento sustentável e acabe com os vôos de galinha na economia.
Foi o primeiro a apontar a ‘meia-entrada’ — a pulsão dos grupos de interesse em exigir tratamento diferenciado — como o problema político fundamental que separa o Brasil que temos daquele que juramos desejar. (A meia-entrada transfere o custo do ajuste para ‘o outro’.)
Com uma cabeça que funciona a mil e uma língua corajosa (não importa quem esteja no Poder), Marcos ganhou o apelido de ‘Diabo Loiro’. E de tanto desconstruir as sucessivas ondas de otimismo infundado desde o Governo Dilma, também ganhou fama de pessimista.
“Minha fala não é para dizer que o Brasil não vai dar certo. É o contrário! É uma fala de profundo otimismo com o Brasil. Temos como crescer e nos desenvolver. Temos como voltar a ser um País com redução na pobreza, melhoria da renda e emprego,” diz o economista que também preside o Insper em São Paulo.
Mas para ele, o setor privado e a classe política estão se iludindo com uma análise superficial dos problemas nacionais.
“Existe uma certa esquizofrenia: de um lado há euforia porque o juro caiu e por essa promessa de uma agenda liberal; de outro, muito desconhecimento dos problemas reais a ser enfrentados.”
Nesta conversa com o Brazil Journal, ele destrincha os três pilares de uma agenda mínima para o crescimento sustentável e faz um alerta: nos últimos meses, setores do Executivo e do Legislativo começaram a ter ideias que podem prejudicar o avanço fiscal que a sociedade conquistou a duras penas.
Abaixo, os principais trechos da entrevista divididos em tópicos:
A FANTASIA DOS JUROS E CÂMBIO
Tem uma visão dominante no Brasil, muito estranha e peculiar, que acha que política econômica se resume a câmbio e juros. Que acha que o País cresce ou não cresce dependendo desses dois fatores. Isso nem de longe é verdade. Juros é um instrumento relevante para você ajustar a atividade da economia, para evitar que a inflação saia de controle de um lado ou de outro. É um instrumento para você reduzir as oscilações da economia. Mas não tem impacto no crescimento de longo prazo. Criou-se a fantasia no Brasil de que basta reduzir juros que o País vai crescer mais. Não vai. Os juros ajudam uma economia que está com capacidade ociosa e inflação baixa a se recuperar. Mas é engraçado que essas fantasias simplistas são recorrentes no debate brasileiro. Doze anos atrás [Governo Lula] também se achava que a resposta eram os juros, e teve uma agenda do governo de dar crédito subsidiado do BNDES, de banco público emprestando a juros mais baratos. Teve gente pegando juros abaixo da inflação! Porque supostamente o problema do Brasil era juro, juro, juro. A crença era de que “se a gente baixar o juro e ainda estimular o investimento o País vai crescer.” Sabemos o naufrágio que foi essa agenda.
A FICHA AINDA NÃO CAIU
O curioso é que esse raciocínio continua hoje em dia mesmo com tantas mudanças de governo. Ainda acham que como o juro caiu muito o crescimento é assegurado. A ficha ainda não caiu para o empresariado e para classe política de que não se trata só de mexer nessas duas variáveis. Vejo um certo discurso esquizofrênico. Por um lado um pouco de euforia porque a Selic caiu e por que tem uma promessa de uma agenda liberal. E de outro, muito desconhecimento dos problemas reais que tem ser enfrentados. Muita superficialidade nas análises. O que é preocupante é que isso acaba gerando uma certa complacência com aspectos muito negativos da nossa economia.
É preciso começar a tratar os problemas. Não dá mais para o Brasil ter um desempenho tão medíocre. O Brasil está ficando para trás. E essa fala não é para dizer que o Brasil não vai dar certo. É o contrário. É uma fala de profundo otimismo com o Brasil. O Brasil tem a possibilidade de crescer e se desenvolver. De voltar a ser um País com redução na pobreza, melhoria da renda e do emprego. Mas para isso tem todo um dever de casa a ser feito. E nessa análise superficial de que o problema é o juro e estimular o investimento, o setor privado acaba sendo conivente com uma agenda que não anda — e depois toma susto que as coisas não funcionam.
ANOS DE LETARGIA
No começo do governo Temer vimos aquela euforia: “os juros começou a cair, agora tem uma agenda fiscal, a PEC do Teto do Gasto”. A sensação era de que agora vai, vamos crescer 3%. Aí veio a frustração e o PIB de 1%. Em 2018 a mesma coisa: os juros caíram mais ainda, e havia a discussão de uma agenda mais liberal. “Dessa vez vai ser 3%”. E de novo, a frustração. Começou 2019 com o mesmo discurso: “Vai ter a Previdência, vai entrar investimento estrangeiro...” E pela terceira vez crescemos 1%. Este ano deve ser melhor e chegar a 2%, o que não é nenhuma maravilha.
Eu vejo isso com muita preocupação e tristeza. O País tem que se desenvolver, o Brasil está cansado desses anos de letargia. São muitos anos do País andando de lado. Mesmo a década de 2000, que as pessoas gostam de celebrar, foram anos medíocres. Naquele período, o Brasil conseguiu andar apenas na média do mundo. E o Brasil é um País pobre, de renda baixa. A gente não tem que andar na média do mundo. Temos que andar acima da média, como fazem muitos emergentes. Essa é a lógica: tem países ricos que crescem moderadamente; tem países pobres que fazem o dever de casa e crescem aceleradamente; tem países que andam de lado; e outros que são um desastre como a Venezuela. O Brasil infelizmente está andando de lado há 40 anos.
FICAMOS PRA TRÁS
Nossa produtividade cresce muito menos que os demais países ricos ou emergentes. O pouco crescimento do Brasil nos últimos 40 anos veio do bônus demográfico, do crescimento da população. Era muita gente chegando no mercado de trabalho. Esse bônus está acabando. Desde o Plano Real até 2016, se você pega toda a renda do país e divide pela quantidade de trabalhadores, países emergentes fora da América Latina cresceram perto de 130%. Os Estados Unidos, perto de 50%. A OCDE, cerca de 35%. E o Brasil? Só 19%.
E como o País está envelhecendo, vamos ter cada vez menos pessoas trabalhando e mais pessoas aposentadas. A crítica, os alertas e a agenda estrutural são fundamentais para o Brasil enfrentar os seus problemas e aumentar sua produtividade.
IMPOSTOS MORTAIS
A agenda de crescimento é um tripé. E o primeiro ponto é a reforma tributária. É curioso como temos um sistema tributário completamente distorcido, nada semelhante ao que tem no resto do mundo. Ele é incrivelmente complexo e um entrave ao crescimento econômico.
No mundo, o padrão é ter uma alíquota única ou quase única sobre todas as decisões de consumo, que é o IVA. E por que essa alíquota tem que ser única? Se um bem de consumo paga mais imposto, aquela atividade que paga menos fica mais rentável que a outra. O resultado é que se vai produzir mais daquele bem e serviço do que do outro que paga mais imposto. E isso vale para toda a cadeia produtiva. Qual o problema disso? Se está optando por fazer aquilo que a sociedade faz pior.
A lógica é a seguinte: esquece que existe o imposto e olha a rentabilidade das diversas atividades. Se eu botar tanto de capital e tanto de trabalho numa atividade ‘X’ vou produzir 100, já se eu botar a mesma quantidade de capital e trabalho numa atividade ‘Y’ vou produzir 50. O que você vai fazer? Vai produzir 100. O que o imposto indireto deveria fazer é não distorcer isso. Se é melhor produzir ‘X’ do que ‘Y’ sem imposto, deveria continuar sendo melhor produzir ‘X’ do que ‘Y’ com o imposto também!
Mas no Brasil não é assim. Nosso sistema tributário distorce completamente os preços relativos. Tem coisa que paga mais imposto, coisa que paga menos e você acaba induzindo o setor produtivo a fazer algo que não é necessariamente o melhor para a sociedade. Que não é o que gera mais renda, mais emprego, mais salário e mais lucro. Mas você faz aquela atividade porque, embutido naquele preço, tem menos imposto.
A alíquota múltipla no consumo é um desastre para o País porque distorce os preços. Não é a toa que produzimos coisas no Brasil que não tem em lugar nenhum do mundo. E aí o País não consegue se integrar nas cadeias globais de produção e não se beneficia do que o mundo faz de melhor, porque o imposto cria uma lógica interna completamente estranha.
O segundo ponto é que essa multiplicidade de regrinhas e crédito produtivo que temos hoje criam um caos. O resultado é essa imensa burocracia e essas ações gigantescas da Receita contra as empresas. A vida da empresa vira um inferno e isso gera insegurança jurídica. Os balanços das empresas no Brasil tem um contencioso tributário gigantesco justamente pela incerteza das regras. Isso afasta investimento e faz com que se invista nas atividades erradas.
MATANDO A INDÚSTRIA
A segunda parte crucial das questões estruturais é a abertura comercial. Desde o governo Temer tenta-se abrir a economia para bens de capital e informática. Mas não conseguem implementar! Volta e meia alguém fala que vai fazer a abertura e depois desiste.
Da mesma maneira que temos uma estrutura tributária totalmente distorcida, complexa e que atende mil interesses, é a mesma coisa com a abertura comercial. O governo foi inacreditavelmente sensível aos interesses privados ao longo das últimas décadas. Qualquer um que batia na porta pedindo um benefício conseguia. Assim como teve crédito subsidiado do BNDES e mil benefícios tributários, houve várias medidas de fechamento da economia. O problema é que da mesma maneira que o sistema tributário se tornou caótico, o nosso comércio exterior também ficou um caos. Um Estado que acha que fazer política econômica é atender a grupos de interesse não atende ao interesse nacional.
Essas múltiplas regras impedem que se invista no lugar correto ou que se importe a máquina mais eficiente que foi descoberta em outro país. A tecnologia vai avançando no resto do mundo, os países vão investindo, novas patentes vão surgindo… Mas deixa lá, no Brasil queremos fazer tudo aqui. A burocracia pública e privada construiu um arsenal de normas e regras e penduricalhos que afasta a concorrência. O resultado? O mundo se desenvolve; o Brasil não.
Tem uma visão de mundo — que vem do Brasil velho — que acha que desenvolver é proteger grupos de interesse. Que acha que abrir a economia gera desindustrialização. Pelo contrário, nós estamos nos desindustrializando agora. O Brasil está matando sua indústria com isso. O ideal é que o País pudesse se especializar em algumas atividades e se integrar na cadeia global.
Com essas duas agendas (reforma tributária e abertura comercial) a gente superaria várias das causas do nosso atraso e empurraria o Brasil para fazer coisas bem feitas, para investir onde tem que investir. Mas vai ser um processo penoso e vamos ter que realizar perdas.
NA INFRAESTRUTURA, REGRAS VOLÁTEIS
Uma terceira fonte de preocupação é a insegurança jurídica. Para o País crescer, precisa voltar a ter investimento em infraestrutura. Precisamos garantir que haverá energia suficiente na próxima década, que a água vai ser tratada, que vamos ter capacidade de transportar mercadorias pelo País. A insegurança sobre a qualidade da infraestrutura torna difícil o investimento privado. O problema é que hoje temos uma insegurança jurídica gigantesca: é tanta mudança de regra na tributação e nos contratos que você começa uma obra e não sabe como vai terminar, se vai ter contrapartidas inesperadas, se as licenças vão sair.
Olha o desastre que foi Belo Monte. Olha como ficou cara a energia! Esse é o paradoxo do Brasil: tá tudo ficando caro. A gente sai fazendo essas leis, essas regras, essas intervenções, cria essas obrigações adicionais imensas, e o resultado dessas múltiplas intervenções e inseguranças é que as coisas no Brasil são muito caras — e isso significa um País mais pobre. Com frequência o governo quer dar um benefício para alguém mas não percebe que está onerando toda a sociedade com isso e deixando o país mais pobre. Essa disseminação de meias entradas, de distorções setoriais... E o Judiciário, o Ministério Público e os Órgãos de Controle são parte desse problema. Hoje infelizmente a sociedade brasileira naturalizou essas múltiplas intervenções descentralizadas.
UMA LUZ AMARELA NO FISCAL
Para piorar, nos últimos meses está acendendo uma luz amarela na parte que achávamos que estava se encaminhando bem, que é a fiscal. Os avanços que o Brasil teve a partir do governo Temer — essa queda de juros e a saída da recessão — vieram com o começo dessa agenda fiscal, em particular com a PEC do Teto dos Gastos. Conseguimos botar o barco no mar, mas tem um monte de gente furando buracos no casco. É igual o que aconteceu com a lei de responsabilidade fiscal. Ela funcionou bem — até começarem a criar mecanismos criativos para evitar a lei.
Com o Teto dos Gastos está acontecendo a mesma coisa e liderado pelo próprio governo — o que é ainda mais preocupante. O primeiro movimento recente foi a capitalização de empresas estatais. A Emgepron, que é uma estatal que foi criada no governo Temer para construir navios, foi capitalizada agora. Podiam ter cancelado, mas não sei porque não cancelaram. Capitalização de empresas ficou fora do Teto dos Gastos. E por uma razão simples: naquela época tinha uma série de empresas estatais grandes em situação complicada e eventualmente teria que fazer uma capitalização muito grande (o Brasil já fez isso no passado). Só que isso abriu a porteira e surgiu a ideia de capitalizar estatal para depois ela vender serviços para o governo... É capitalizar para fazer coisas — e isso são gastos e deveria estar na PEC, mas está fora. Resumo, já se achou uma oportunidade de fugir do Teto dos Gastos... Vai capitalizando a estatal, ela vai fazendo coisas para o governo, e esse dinheiro que você gastou na capitalização pode virar investimento, produção... fora do Teto.
Mas já estão construindo outra porteira: fundos que escapem da regra do Teto. Multas de meio ambiente por exemplo, iriam para um fundo que não está no orçamento do Tesouro. Você cria um fundo apartado, o dinheiro não vem para o Tesouro e você paga alguma instituição para administrar. O Ministério do Meio Ambiente está propondo isso. Já começaram a ter esse tipo de ideia. E ideia ruim se multiplica como praga.
Marcos Lisboa continua pregando o evangelho das reformas no deserto da complacência brasileira.
Hoje o economista de fora do Governo com maior trânsito em Brasília, Marcos insiste há anos na necessidade de uma agenda estrutural que nos leve ao crescimento sustentável e acabe com os vôos de galinha na economia.
Foi o primeiro a apontar a ‘meia-entrada’ — a pulsão dos grupos de interesse em exigir tratamento diferenciado — como o problema político fundamental que separa o Brasil que temos daquele que juramos desejar. (A meia-entrada transfere o custo do ajuste para ‘o outro’.)
Com uma cabeça que funciona a mil e uma língua corajosa (não importa quem esteja no Poder), Marcos ganhou o apelido de ‘Diabo Loiro’. E de tanto desconstruir as sucessivas ondas de otimismo infundado desde o Governo Dilma, também ganhou fama de pessimista.
“Minha fala não é para dizer que o Brasil não vai dar certo. É o contrário! É uma fala de profundo otimismo com o Brasil. Temos como crescer e nos desenvolver. Temos como voltar a ser um País com redução na pobreza, melhoria da renda e emprego,” diz o economista que também preside o Insper em São Paulo.
Mas para ele, o setor privado e a classe política estão se iludindo com uma análise superficial dos problemas nacionais.
“Existe uma certa esquizofrenia: de um lado há euforia porque o juro caiu e por essa promessa de uma agenda liberal; de outro, muito desconhecimento dos problemas reais a ser enfrentados.”
Nesta conversa com o Brazil Journal, ele destrincha os três pilares de uma agenda mínima para o crescimento sustentável e faz um alerta: nos últimos meses, setores do Executivo e do Legislativo começaram a ter ideias que podem prejudicar o avanço fiscal que a sociedade conquistou a duras penas.
Abaixo, os principais trechos da entrevista divididos em tópicos:
A FANTASIA DOS JUROS E CÂMBIO
Tem uma visão dominante no Brasil, muito estranha e peculiar, que acha que política econômica se resume a câmbio e juros. Que acha que o País cresce ou não cresce dependendo desses dois fatores. Isso nem de longe é verdade. Juros é um instrumento relevante para você ajustar a atividade da economia, para evitar que a inflação saia de controle de um lado ou de outro. É um instrumento para você reduzir as oscilações da economia. Mas não tem impacto no crescimento de longo prazo. Criou-se a fantasia no Brasil de que basta reduzir juros que o País vai crescer mais. Não vai. Os juros ajudam uma economia que está com capacidade ociosa e inflação baixa a se recuperar. Mas é engraçado que essas fantasias simplistas são recorrentes no debate brasileiro. Doze anos atrás [Governo Lula] também se achava que a resposta eram os juros, e teve uma agenda do governo de dar crédito subsidiado do BNDES, de banco público emprestando a juros mais baratos. Teve gente pegando juros abaixo da inflação! Porque supostamente o problema do Brasil era juro, juro, juro. A crença era de que “se a gente baixar o juro e ainda estimular o investimento o País vai crescer.” Sabemos o naufrágio que foi essa agenda.
A FICHA AINDA NÃO CAIU
O curioso é que esse raciocínio continua hoje em dia mesmo com tantas mudanças de governo. Ainda acham que como o juro caiu muito o crescimento é assegurado. A ficha ainda não caiu para o empresariado e para classe política de que não se trata só de mexer nessas duas variáveis. Vejo um certo discurso esquizofrênico. Por um lado um pouco de euforia porque a Selic caiu e por que tem uma promessa de uma agenda liberal. E de outro, muito desconhecimento dos problemas reais que tem ser enfrentados. Muita superficialidade nas análises. O que é preocupante é que isso acaba gerando uma certa complacência com aspectos muito negativos da nossa economia.
É preciso começar a tratar os problemas. Não dá mais para o Brasil ter um desempenho tão medíocre. O Brasil está ficando para trás. E essa fala não é para dizer que o Brasil não vai dar certo. É o contrário. É uma fala de profundo otimismo com o Brasil. O Brasil tem a possibilidade de crescer e se desenvolver. De voltar a ser um País com redução na pobreza, melhoria da renda e do emprego. Mas para isso tem todo um dever de casa a ser feito. E nessa análise superficial de que o problema é o juro e estimular o investimento, o setor privado acaba sendo conivente com uma agenda que não anda — e depois toma susto que as coisas não funcionam.
ANOS DE LETARGIA
No começo do governo Temer vimos aquela euforia: “os juros começou a cair, agora tem uma agenda fiscal, a PEC do Teto do Gasto”. A sensação era de que agora vai, vamos crescer 3%. Aí veio a frustração e o PIB de 1%. Em 2018 a mesma coisa: os juros caíram mais ainda, e havia a discussão de uma agenda mais liberal. “Dessa vez vai ser 3%”. E de novo, a frustração. Começou 2019 com o mesmo discurso: “Vai ter a Previdência, vai entrar investimento estrangeiro...” E pela terceira vez crescemos 1%. Este ano deve ser melhor e chegar a 2%, o que não é nenhuma maravilha.
Eu vejo isso com muita preocupação e tristeza. O País tem que se desenvolver, o Brasil está cansado desses anos de letargia. São muitos anos do País andando de lado. Mesmo a década de 2000, que as pessoas gostam de celebrar, foram anos medíocres. Naquele período, o Brasil conseguiu andar apenas na média do mundo. E o Brasil é um País pobre, de renda baixa. A gente não tem que andar na média do mundo. Temos que andar acima da média, como fazem muitos emergentes. Essa é a lógica: tem países ricos que crescem moderadamente; tem países pobres que fazem o dever de casa e crescem aceleradamente; tem países que andam de lado; e outros que são um desastre como a Venezuela. O Brasil infelizmente está andando de lado há 40 anos.
FICAMOS PRA TRÁS
Nossa produtividade cresce muito menos que os demais países ricos ou emergentes. O pouco crescimento do Brasil nos últimos 40 anos veio do bônus demográfico, do crescimento da população. Era muita gente chegando no mercado de trabalho. Esse bônus está acabando. Desde o Plano Real até 2016, se você pega toda a renda do país e divide pela quantidade de trabalhadores, países emergentes fora da América Latina cresceram perto de 130%. Os Estados Unidos, perto de 50%. A OCDE, cerca de 35%. E o Brasil? Só 19%.
E como o País está envelhecendo, vamos ter cada vez menos pessoas trabalhando e mais pessoas aposentadas. A crítica, os alertas e a agenda estrutural são fundamentais para o Brasil enfrentar os seus problemas e aumentar sua produtividade.
IMPOSTOS MORTAIS
A agenda de crescimento é um tripé. E o primeiro ponto é a reforma tributária. É curioso como temos um sistema tributário completamente distorcido, nada semelhante ao que tem no resto do mundo. Ele é incrivelmente complexo e um entrave ao crescimento econômico.
No mundo, o padrão é ter uma alíquota única ou quase única sobre todas as decisões de consumo, que é o IVA. E por que essa alíquota tem que ser única? Se um bem de consumo paga mais imposto, aquela atividade que paga menos fica mais rentável que a outra. O resultado é que se vai produzir mais daquele bem e serviço do que do outro que paga mais imposto. E isso vale para toda a cadeia produtiva. Qual o problema disso? Se está optando por fazer aquilo que a sociedade faz pior.
A lógica é a seguinte: esquece que existe o imposto e olha a rentabilidade das diversas atividades. Se eu botar tanto de capital e tanto de trabalho numa atividade ‘X’ vou produzir 100, já se eu botar a mesma quantidade de capital e trabalho numa atividade ‘Y’ vou produzir 50. O que você vai fazer? Vai produzir 100. O que o imposto indireto deveria fazer é não distorcer isso. Se é melhor produzir ‘X’ do que ‘Y’ sem imposto, deveria continuar sendo melhor produzir ‘X’ do que ‘Y’ com o imposto também!
Mas no Brasil não é assim. Nosso sistema tributário distorce completamente os preços relativos. Tem coisa que paga mais imposto, coisa que paga menos e você acaba induzindo o setor produtivo a fazer algo que não é necessariamente o melhor para a sociedade. Que não é o que gera mais renda, mais emprego, mais salário e mais lucro. Mas você faz aquela atividade porque, embutido naquele preço, tem menos imposto.
A alíquota múltipla no consumo é um desastre para o País porque distorce os preços. Não é a toa que produzimos coisas no Brasil que não tem em lugar nenhum do mundo. E aí o País não consegue se integrar nas cadeias globais de produção e não se beneficia do que o mundo faz de melhor, porque o imposto cria uma lógica interna completamente estranha.
O segundo ponto é que essa multiplicidade de regrinhas e crédito produtivo que temos hoje criam um caos. O resultado é essa imensa burocracia e essas ações gigantescas da Receita contra as empresas. A vida da empresa vira um inferno e isso gera insegurança jurídica. Os balanços das empresas no Brasil tem um contencioso tributário gigantesco justamente pela incerteza das regras. Isso afasta investimento e faz com que se invista nas atividades erradas.
MATANDO A INDÚSTRIA
A segunda parte crucial das questões estruturais é a abertura comercial. Desde o governo Temer tenta-se abrir a economia para bens de capital e informática. Mas não conseguem implementar! Volta e meia alguém fala que vai fazer a abertura e depois desiste.
Da mesma maneira que temos uma estrutura tributária totalmente distorcida, complexa e que atende mil interesses, é a mesma coisa com a abertura comercial. O governo foi inacreditavelmente sensível aos interesses privados ao longo das últimas décadas. Qualquer um que batia na porta pedindo um benefício conseguia. Assim como teve crédito subsidiado do BNDES e mil benefícios tributários, houve várias medidas de fechamento da economia. O problema é que da mesma maneira que o sistema tributário se tornou caótico, o nosso comércio exterior também ficou um caos. Um Estado que acha que fazer política econômica é atender a grupos de interesse não atende ao interesse nacional.
Essas múltiplas regras impedem que se invista no lugar correto ou que se importe a máquina mais eficiente que foi descoberta em outro país. A tecnologia vai avançando no resto do mundo, os países vão investindo, novas patentes vão surgindo… Mas deixa lá, no Brasil queremos fazer tudo aqui. A burocracia pública e privada construiu um arsenal de normas e regras e penduricalhos que afasta a concorrência. O resultado? O mundo se desenvolve; o Brasil não.
Tem uma visão de mundo — que vem do Brasil velho — que acha que desenvolver é proteger grupos de interesse. Que acha que abrir a economia gera desindustrialização. Pelo contrário, nós estamos nos desindustrializando agora. O Brasil está matando sua indústria com isso. O ideal é que o País pudesse se especializar em algumas atividades e se integrar na cadeia global.
Com essas duas agendas (reforma tributária e abertura comercial) a gente superaria várias das causas do nosso atraso e empurraria o Brasil para fazer coisas bem feitas, para investir onde tem que investir. Mas vai ser um processo penoso e vamos ter que realizar perdas.
NA INFRAESTRUTURA, REGRAS VOLÁTEIS
Uma terceira fonte de preocupação é a insegurança jurídica. Para o País crescer, precisa voltar a ter investimento em infraestrutura. Precisamos garantir que haverá energia suficiente na próxima década, que a água vai ser tratada, que vamos ter capacidade de transportar mercadorias pelo País. A insegurança sobre a qualidade da infraestrutura torna difícil o investimento privado. O problema é que hoje temos uma insegurança jurídica gigantesca: é tanta mudança de regra na tributação e nos contratos que você começa uma obra e não sabe como vai terminar, se vai ter contrapartidas inesperadas, se as licenças vão sair.
Olha o desastre que foi Belo Monte. Olha como ficou cara a energia! Esse é o paradoxo do Brasil: tá tudo ficando caro. A gente sai fazendo essas leis, essas regras, essas intervenções, cria essas obrigações adicionais imensas, e o resultado dessas múltiplas intervenções e inseguranças é que as coisas no Brasil são muito caras — e isso significa um País mais pobre. Com frequência o governo quer dar um benefício para alguém mas não percebe que está onerando toda a sociedade com isso e deixando o país mais pobre. Essa disseminação de meias entradas, de distorções setoriais... E o Judiciário, o Ministério Público e os Órgãos de Controle são parte desse problema. Hoje infelizmente a sociedade brasileira naturalizou essas múltiplas intervenções descentralizadas.
UMA LUZ AMARELA NO FISCAL
Para piorar, nos últimos meses está acendendo uma luz amarela na parte que achávamos que estava se encaminhando bem, que é a fiscal. Os avanços que o Brasil teve a partir do governo Temer — essa queda de juros e a saída da recessão — vieram com o começo dessa agenda fiscal, em particular com a PEC do Teto dos Gastos. Conseguimos botar o barco no mar, mas tem um monte de gente furando buracos no casco. É igual o que aconteceu com a lei de responsabilidade fiscal. Ela funcionou bem — até começarem a criar mecanismos criativos para evitar a lei.
Com o Teto dos Gastos está acontecendo a mesma coisa e liderado pelo próprio governo — o que é ainda mais preocupante. O primeiro movimento recente foi a capitalização de empresas estatais. A Emgepron, que é uma estatal que foi criada no governo Temer para construir navios, foi capitalizada agora. Podiam ter cancelado, mas não sei porque não cancelaram. Capitalização de empresas ficou fora do Teto dos Gastos. E por uma razão simples: naquela época tinha uma série de empresas estatais grandes em situação complicada e eventualmente teria que fazer uma capitalização muito grande (o Brasil já fez isso no passado). Só que isso abriu a porteira e surgiu a ideia de capitalizar estatal para depois ela vender serviços para o governo... É capitalizar para fazer coisas — e isso são gastos e deveria estar na PEC, mas está fora. Resumo, já se achou uma oportunidade de fugir do Teto dos Gastos... Vai capitalizando a estatal, ela vai fazendo coisas para o governo, e esse dinheiro que você gastou na capitalização pode virar investimento, produção... fora do Teto.
Mas já estão construindo outra porteira: fundos que escapem da regra do Teto. Multas de meio ambiente por exemplo, iriam para um fundo que não está no orçamento do Tesouro. Você cria um fundo apartado, o dinheiro não vem para o Tesouro e você paga alguma instituição para administrar. O Ministério do Meio Ambiente está propondo isso. Já começaram a ter esse tipo de ideia. E ideia ruim se multiplica como praga.
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