Monica Gugliano escreve no Valor uma ótima reportagem sobre a crise política vivida nos últimos dias. Escreve a jornalista: enquanto novos conflitos e tensões surgiam em Brasília, o Alto Comando do Exército fazia sua primeira reunião do ano. Embora já estivesse no calendário de 2020, a reunião ganhou, na semana passada, sentido de urgência com a necessidade de escolher um substituto para o general Walter Braga Netto, ex-chefe do Estado Maior, o segundo na hierarquia da Força. Braga Netto tomou posse como ministro-chefe da Casa Civil no dia 18. Foi nomeado ainda na ativa, mas antecipou sua aposentadoria, prevista para o fim de março. Pediu sua passagem para a reserva e aliviou o Exército da leitura de que os comandantes tentam a todo custo amenizar, especialmente agora com o retorno da ala militar ao centro do poder: a de que a Força virou parte do governo.
“A inquietação dos generais nos dias de hoje faz todo sentido porque se trata de aposta de risco para a imagem do Exército e das Forças Armadas em geral”, diz José Murilo de Carvalho, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) e um dos mais importantes historiadores brasileiros.
Segue, na íntegra:
Nesta semana, a tensão aumentou ainda mais, com a informação de que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) teria compartilhado vídeos que convocam manifestações para o dia 15 a seu favor e contra o Congresso. Seria uma reação à fala do ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno, que chamou o Congresso de “chantagista” na semana passada.
Entre assessores do presidente, a “crise” com o Congresso seria mais uma tentativa de “forçar” a discussão de um processo de impeachment contra Bolsonaro. A oposição, segundo um desses assessores, estaria tentando criar um clima de instabilidade que impedisse a votação das reformas que o ministro da Economia, Paulo Guedes, espera implementar para retomar o crescimento. Se isso ocorrer, o projeto econômico do governo fracassará e Bolsonaro dificilmente conseguirá disputar a reeleição
Para Carvalho, o presidente, apesar de sua longa experiência como parlamentar, parece nada ter compreendido o funcionamento de um governo representativo democrático, que não se baseia na hierarquia e na disciplina, mas em negociação. “O governo precisa da aprovação pelo Congresso de medidas complexas e polêmicas. Não por acaso, o destaque político nesse campo em 2019 foi o presidente da Câmara [Rodrigo Maia] e não o presidente da República. É uma situação inédita em nosso presidencialismo. O presidente se enfraquece.”
Desde que o Exército, à época comandado pelo general Eduardo Villas Bôas, apoiou a candidatura do então deputado federal e ex-capitão, Jair Bolsonaro se tornou a única opção para os militares. “Com o passar do tempo, concluímos que ele representava a resistência à esquerda, à corrupção, portanto era nossa única alternativa. Dizer que ele representava a resistência soa até romântico, embora não o seja”, diz um general de quatro estrelas que não quis se identificar.
Ao mesmo tempo, militares do comando da instituição já concluíram que dificilmente será possível, neste governo, conciliar um país conflagrado e partido, de acordo com os sinais que têm sido dados até agora. E que o único risco de que surja um ponto de inflexão, pelo menos por enquanto, seria se o governo fechasse os olhos para o combate à corrupção. O receio é grande em especial entre os militares da reserva, como o general Luiz Eduardo Rocha Paiva, um dos mais ativos críticos do governo.
De acordo com ele, o risco está no fato de que tanto os “bolsonaristas de raiz”, como ele se refere à ala ideológica do governo, quanto os filhos do presidente carecem de uma visão de valores, como pregam os militares, e não admitem o contraditório. “Medidas como a criação do juiz de garantias, em seu entender, abrem brechas que favorecem as ilegalidades que não podem mais ser toleradas. Se for preciso para combater a corrupção, pego em armas”, afirma.
Na avaliação da cúpula do Exército, a confusão junto à opinião pública e o desconforto com a ambiguidade do papel da Força já foi maior. Neste momento, segundo um graduado oficial, recrudesceu o receio de ver o Exército, uma instituição de Estado, confundido com o grupo de generais que passou a integrar as fileiras da Presidência implementando um projeto com o qual a instituição pode, eventualmente, discordar.
Segundo a cientista política Maria Celina D’Araújo, é apenas retórica a ideia de que alguns militares digam se preocupar com essa possível conexão entre o governo Bolsonaro e as Forças Armadas. “Militares são agentes natos da política brasileira desde o fim da Guerra do Paraguai [1864-1870] e, especialmente depois da ditadura militar, chamaram para si a fama, controversa, de bons gestores”, diz.
Para ela, os militares, após o golpe de 1964, construíram a imagem de que estarão sempre dispostos e aptos a participar da administração pública e a contribuir com o governo sempre que forem chamados. “Dizem que saberiam cumprir missão, e quando se trata de ocupar cargo público o fazem com gosto renovado.”
O último general da reserva a ocupar a Casa Civil foi Golbery do Couto e Silva (1911-1987), entre o fim do governo do general Ernesto Geisel (1907-1996) e o começo do governo do general João Figueiredo (1918-1999), ainda na ditadura. “Esperávamos que o presidente escolhesse um civil ou aproveitasse os quadros da reserva para o ministério que ficou vago com a saída de Onyx Lorenzoni [que assumiu a pasta da Cidadania]. Ele preferiu um general da ativa e nós vimos isso com naturalidade”, diz um oficial.
Os militares não debatem ordens publicamente. Cumprem missão. Essa norma de conduta, ao longo dos últimos anos, dizem alguns deles, garante à instituição os bons índices de aprovação que recebe nas pesquisas de opinião. Em confronto permanente com a imprensa, o Judiciário e o Congresso - o conflito de agora -, o governo, segundo a avaliação de alguns militares, corre o risco de se perder - um eufemismo para o temor da volta do PT ao poder. Diante desse receio, a imagem da instituição está em segundo plano, pondera um oficial, e não pode ser um fim em si mesma.
O Alto Comando é formado pelo comandante da Força e outros 15 generais de Exército na ativa, os quatro estrelas, o grau mais alto da carreira. É nesse “colegiado” que o Exército, a maior e mais influente força militar brasileira, analisa cenários para o país, traça metas, faz as promoções e se detém no exame dos fatos políticos e econômicos da vida nacional e internacional.
As últimas reuniões do Alto Comando que ocorreram no ano passado, fosse qual fosse o tema principal do encontro, segundo relatos de alguns dos participantes, foram permeadas por dois temas constantes: a preservação da democracia e o funcionamento das instituições. Em ambos os assuntos, a preocupação central sempre foi a tendência de Bolsonaro de estimular os confrontos. Desagradam a cúpula militar os atritos e a tensão que predominam no discurso do presidente. “É preciso reconhecer que este é um governo de conflito. E o presidente é o veículo do conflito que se instalou na sociedade brasileira”, avalia um influente general no topo da carreira.
José Murilo de Carvalho relançou “Forças Armadas e Política no Brasil” (Todavia), publicado pela primeira vez em 2005, com textos inéditos sobre a relação entre militares e civis nos últimos anos, chegando aos primeiros meses do governo Bolsonaro. “O único papel que vejo para os militares no governo é o de suprir a insegurança do ‘presidente-capitão’. Não vejo outro”, diz.
Como outros militares da reserva, Rocha Paiva reclama de uma suposta aproximação de Bolsonaro com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, com a suposta intenção de beneficiar o senador Flávio Bolsonaro (sem partido - RJ) nas investigações da prática de “rachadinha”, nome dado à devolução de parte dos salários dos funcionários de um gabinete parlamentar, quando ele era deputado estadual no Rio de Janeiro. Critica ainda o que chama de “amizade” com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que também teria o objetivo de proteger Flávio.
“Os militares não estão e nem nunca estiveram envolvidos no governo institucionalmente. Bolsonaro era a melhor opção que tínhamos na eleição. Mas o governo não é um compromisso militar”, diz o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz. A opinião aparece também nos pronunciamentos oficiais e textos da Força, que tem dado cada vez mais espaço a mostrar a linha de subordinação e missão dos militares. Em linguagem militar, isso quer dizer que os militares devem obediência ao comandante das Forças Armadas, o presidente da República, mas que a missão delas está acima dessa subordinação.
No ano passado, o Exército relançou a segunda edição do livro “Nação e Exército”, escrito por Gilberto Freyre (1900-1987), um dos maiores intérpretes da formação histórico-social do Brasil. No texto de 1949, Freyre publica uma conferência que havia proferido no ano anterior na Escola do Estado Maior do Exército. O ensaísta destaca que o principal sintoma de um “povo socialmente enfermo” aparecia quando uma sociedade se eximia das atividades administrativas, corporativas, morais, ideológicas etc. e as delegava às Forças Armadas, como se tudo que garantisse a ordem social fosse papel exclusivo dos militares.
Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo, foi o primeiro dos generais da formação inicial do ministério a cair do posto. Ele era um dos mais próximos a Bolsonaro e tinha em seu currículo o comando de duas missões da ONU (Haiti e Congo). Deixou o cargo cinco meses depois de assumir, demitido em meio a boatos que atribui às redes sociais montadas pelo vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), com quem se desentendeu. Poucos dias depois, disse que o Planalto era “um show de besteiras” e que era preciso dissipar a fumaça para enxergar as coisas boas e não “uma fofocagem desgraçada”. E, assim como Rocha Paiva, vê os mesmos sinais de que teria arrefecido o combate à corrupção.
Após a saída de Santos Cruz, Bolsonaro demitiu os generais Franklimberg de Freitas (Funai), Juarez Cunha (Correios), João Carlos Jesus Corrêa (Incra) e Marco Aurélio Vieira (secretário especial de Esporte). Em novembro, daquela que chegou a ser chamada de “República dos Generais”, restavam o general Maynard Marques de Santa Rosa, na Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), Augusto Heleno, no (GSI), o general Floriano Peixoto (Correios) e o recém-chegado Luiz Eduardo Ramos.
Santa Rosa, o único dos militares indicado pelo advogado Gustavo Bebianno - que coordenou a campanha e, nomeado secretário-geral, foi demitido por Bolsonaro dois meses após a posse -, viu sua pasta e seus projetos serem esvaziados. Bebianno, de quem é próximo, o convidou para a função tentando ter um aliado no “bloco dos generais”. No dia 4 de novembro, ele entregou sua carta de demissão. Aos amigos, lembrou que não necessitava do emprego e tampouco tinha apego ao cargo. “O presidente não honrou o discurso que fez na campanha”, disse a esses mesmos amigos.
Procurado, o Palácio do Planalto preferiu não se manifestar nesta reportagem. No entanto, na opinião de interlocutores do presidente, os militares voltaram a ocupar o espaço que tinham no primeiro escalão porque Bolsonaro confia na capacidade e na lealdade dos quadros oriundos das Forças Armadas. E muitos deles, como Ramos e, agora, Braga Netto já foram colegas e próximos de Bolsonaro.
Na Casa Civil, ele retomará a função original do ministério, que é organizar tarefas, impor prazos e cobrar as entregas. Seu antecessor e agora ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, segundo essas fontes, não conseguia executar essa tarefa, o que deixava o presidente incomodado. Mas, fiel aos seus aliados de primeira hora, Bolsonaro não queria deixar ao relento o deputado.
Os demais generais permanecerão onde estão. Ramos, o mais próximo a Bolsonaro, participará da coordenação política, e Augusto Heleno, dizem seus colegas, até agora continua com sua ascendência junto ao chefe sem arranhões.
Nos próximos meses, segundo um aliado de Bolsonaro, será percebida a profundidade da mudança no governo. O presidente, diz esse aliado, entregou aos generais as decisões dos temas mais sensíveis e essenciais da sua administração, liquidou com a articulação política, nos moldes em que é conhecida, e aproveitou o tempo de mudanças para mandar um aviso ao ministro da Economia, Guedes, que já teve mais prestígio na Esplanada: terá de falar menos e entregar mais. As assessorias de Dias Toffoli e Alcolumbre não responderam aos pedidos para comentarem o teor da reportagem.
“A inquietação dos generais nos dias de hoje faz todo sentido porque se trata de aposta de risco para a imagem do Exército e das Forças Armadas em geral”, diz José Murilo de Carvalho, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) e um dos mais importantes historiadores brasileiros.
Segue, na íntegra:
Nesta semana, a tensão aumentou ainda mais, com a informação de que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) teria compartilhado vídeos que convocam manifestações para o dia 15 a seu favor e contra o Congresso. Seria uma reação à fala do ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno, que chamou o Congresso de “chantagista” na semana passada.
Entre assessores do presidente, a “crise” com o Congresso seria mais uma tentativa de “forçar” a discussão de um processo de impeachment contra Bolsonaro. A oposição, segundo um desses assessores, estaria tentando criar um clima de instabilidade que impedisse a votação das reformas que o ministro da Economia, Paulo Guedes, espera implementar para retomar o crescimento. Se isso ocorrer, o projeto econômico do governo fracassará e Bolsonaro dificilmente conseguirá disputar a reeleição
Para Carvalho, o presidente, apesar de sua longa experiência como parlamentar, parece nada ter compreendido o funcionamento de um governo representativo democrático, que não se baseia na hierarquia e na disciplina, mas em negociação. “O governo precisa da aprovação pelo Congresso de medidas complexas e polêmicas. Não por acaso, o destaque político nesse campo em 2019 foi o presidente da Câmara [Rodrigo Maia] e não o presidente da República. É uma situação inédita em nosso presidencialismo. O presidente se enfraquece.”
Desde que o Exército, à época comandado pelo general Eduardo Villas Bôas, apoiou a candidatura do então deputado federal e ex-capitão, Jair Bolsonaro se tornou a única opção para os militares. “Com o passar do tempo, concluímos que ele representava a resistência à esquerda, à corrupção, portanto era nossa única alternativa. Dizer que ele representava a resistência soa até romântico, embora não o seja”, diz um general de quatro estrelas que não quis se identificar.
Ao mesmo tempo, militares do comando da instituição já concluíram que dificilmente será possível, neste governo, conciliar um país conflagrado e partido, de acordo com os sinais que têm sido dados até agora. E que o único risco de que surja um ponto de inflexão, pelo menos por enquanto, seria se o governo fechasse os olhos para o combate à corrupção. O receio é grande em especial entre os militares da reserva, como o general Luiz Eduardo Rocha Paiva, um dos mais ativos críticos do governo.
De acordo com ele, o risco está no fato de que tanto os “bolsonaristas de raiz”, como ele se refere à ala ideológica do governo, quanto os filhos do presidente carecem de uma visão de valores, como pregam os militares, e não admitem o contraditório. “Medidas como a criação do juiz de garantias, em seu entender, abrem brechas que favorecem as ilegalidades que não podem mais ser toleradas. Se for preciso para combater a corrupção, pego em armas”, afirma.
Na avaliação da cúpula do Exército, a confusão junto à opinião pública e o desconforto com a ambiguidade do papel da Força já foi maior. Neste momento, segundo um graduado oficial, recrudesceu o receio de ver o Exército, uma instituição de Estado, confundido com o grupo de generais que passou a integrar as fileiras da Presidência implementando um projeto com o qual a instituição pode, eventualmente, discordar.
Segundo a cientista política Maria Celina D’Araújo, é apenas retórica a ideia de que alguns militares digam se preocupar com essa possível conexão entre o governo Bolsonaro e as Forças Armadas. “Militares são agentes natos da política brasileira desde o fim da Guerra do Paraguai [1864-1870] e, especialmente depois da ditadura militar, chamaram para si a fama, controversa, de bons gestores”, diz.
Para ela, os militares, após o golpe de 1964, construíram a imagem de que estarão sempre dispostos e aptos a participar da administração pública e a contribuir com o governo sempre que forem chamados. “Dizem que saberiam cumprir missão, e quando se trata de ocupar cargo público o fazem com gosto renovado.”
O último general da reserva a ocupar a Casa Civil foi Golbery do Couto e Silva (1911-1987), entre o fim do governo do general Ernesto Geisel (1907-1996) e o começo do governo do general João Figueiredo (1918-1999), ainda na ditadura. “Esperávamos que o presidente escolhesse um civil ou aproveitasse os quadros da reserva para o ministério que ficou vago com a saída de Onyx Lorenzoni [que assumiu a pasta da Cidadania]. Ele preferiu um general da ativa e nós vimos isso com naturalidade”, diz um oficial.
Os militares não debatem ordens publicamente. Cumprem missão. Essa norma de conduta, ao longo dos últimos anos, dizem alguns deles, garante à instituição os bons índices de aprovação que recebe nas pesquisas de opinião. Em confronto permanente com a imprensa, o Judiciário e o Congresso - o conflito de agora -, o governo, segundo a avaliação de alguns militares, corre o risco de se perder - um eufemismo para o temor da volta do PT ao poder. Diante desse receio, a imagem da instituição está em segundo plano, pondera um oficial, e não pode ser um fim em si mesma.
O Alto Comando é formado pelo comandante da Força e outros 15 generais de Exército na ativa, os quatro estrelas, o grau mais alto da carreira. É nesse “colegiado” que o Exército, a maior e mais influente força militar brasileira, analisa cenários para o país, traça metas, faz as promoções e se detém no exame dos fatos políticos e econômicos da vida nacional e internacional.
As últimas reuniões do Alto Comando que ocorreram no ano passado, fosse qual fosse o tema principal do encontro, segundo relatos de alguns dos participantes, foram permeadas por dois temas constantes: a preservação da democracia e o funcionamento das instituições. Em ambos os assuntos, a preocupação central sempre foi a tendência de Bolsonaro de estimular os confrontos. Desagradam a cúpula militar os atritos e a tensão que predominam no discurso do presidente. “É preciso reconhecer que este é um governo de conflito. E o presidente é o veículo do conflito que se instalou na sociedade brasileira”, avalia um influente general no topo da carreira.
José Murilo de Carvalho relançou “Forças Armadas e Política no Brasil” (Todavia), publicado pela primeira vez em 2005, com textos inéditos sobre a relação entre militares e civis nos últimos anos, chegando aos primeiros meses do governo Bolsonaro. “O único papel que vejo para os militares no governo é o de suprir a insegurança do ‘presidente-capitão’. Não vejo outro”, diz.
Como outros militares da reserva, Rocha Paiva reclama de uma suposta aproximação de Bolsonaro com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, com a suposta intenção de beneficiar o senador Flávio Bolsonaro (sem partido - RJ) nas investigações da prática de “rachadinha”, nome dado à devolução de parte dos salários dos funcionários de um gabinete parlamentar, quando ele era deputado estadual no Rio de Janeiro. Critica ainda o que chama de “amizade” com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que também teria o objetivo de proteger Flávio.
“Os militares não estão e nem nunca estiveram envolvidos no governo institucionalmente. Bolsonaro era a melhor opção que tínhamos na eleição. Mas o governo não é um compromisso militar”, diz o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz. A opinião aparece também nos pronunciamentos oficiais e textos da Força, que tem dado cada vez mais espaço a mostrar a linha de subordinação e missão dos militares. Em linguagem militar, isso quer dizer que os militares devem obediência ao comandante das Forças Armadas, o presidente da República, mas que a missão delas está acima dessa subordinação.
No ano passado, o Exército relançou a segunda edição do livro “Nação e Exército”, escrito por Gilberto Freyre (1900-1987), um dos maiores intérpretes da formação histórico-social do Brasil. No texto de 1949, Freyre publica uma conferência que havia proferido no ano anterior na Escola do Estado Maior do Exército. O ensaísta destaca que o principal sintoma de um “povo socialmente enfermo” aparecia quando uma sociedade se eximia das atividades administrativas, corporativas, morais, ideológicas etc. e as delegava às Forças Armadas, como se tudo que garantisse a ordem social fosse papel exclusivo dos militares.
Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo, foi o primeiro dos generais da formação inicial do ministério a cair do posto. Ele era um dos mais próximos a Bolsonaro e tinha em seu currículo o comando de duas missões da ONU (Haiti e Congo). Deixou o cargo cinco meses depois de assumir, demitido em meio a boatos que atribui às redes sociais montadas pelo vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), com quem se desentendeu. Poucos dias depois, disse que o Planalto era “um show de besteiras” e que era preciso dissipar a fumaça para enxergar as coisas boas e não “uma fofocagem desgraçada”. E, assim como Rocha Paiva, vê os mesmos sinais de que teria arrefecido o combate à corrupção.
Após a saída de Santos Cruz, Bolsonaro demitiu os generais Franklimberg de Freitas (Funai), Juarez Cunha (Correios), João Carlos Jesus Corrêa (Incra) e Marco Aurélio Vieira (secretário especial de Esporte). Em novembro, daquela que chegou a ser chamada de “República dos Generais”, restavam o general Maynard Marques de Santa Rosa, na Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), Augusto Heleno, no (GSI), o general Floriano Peixoto (Correios) e o recém-chegado Luiz Eduardo Ramos.
Santa Rosa, o único dos militares indicado pelo advogado Gustavo Bebianno - que coordenou a campanha e, nomeado secretário-geral, foi demitido por Bolsonaro dois meses após a posse -, viu sua pasta e seus projetos serem esvaziados. Bebianno, de quem é próximo, o convidou para a função tentando ter um aliado no “bloco dos generais”. No dia 4 de novembro, ele entregou sua carta de demissão. Aos amigos, lembrou que não necessitava do emprego e tampouco tinha apego ao cargo. “O presidente não honrou o discurso que fez na campanha”, disse a esses mesmos amigos.
Procurado, o Palácio do Planalto preferiu não se manifestar nesta reportagem. No entanto, na opinião de interlocutores do presidente, os militares voltaram a ocupar o espaço que tinham no primeiro escalão porque Bolsonaro confia na capacidade e na lealdade dos quadros oriundos das Forças Armadas. E muitos deles, como Ramos e, agora, Braga Netto já foram colegas e próximos de Bolsonaro.
Na Casa Civil, ele retomará a função original do ministério, que é organizar tarefas, impor prazos e cobrar as entregas. Seu antecessor e agora ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, segundo essas fontes, não conseguia executar essa tarefa, o que deixava o presidente incomodado. Mas, fiel aos seus aliados de primeira hora, Bolsonaro não queria deixar ao relento o deputado.
Os demais generais permanecerão onde estão. Ramos, o mais próximo a Bolsonaro, participará da coordenação política, e Augusto Heleno, dizem seus colegas, até agora continua com sua ascendência junto ao chefe sem arranhões.
Nos próximos meses, segundo um aliado de Bolsonaro, será percebida a profundidade da mudança no governo. O presidente, diz esse aliado, entregou aos generais as decisões dos temas mais sensíveis e essenciais da sua administração, liquidou com a articulação política, nos moldes em que é conhecida, e aproveitou o tempo de mudanças para mandar um aviso ao ministro da Economia, Guedes, que já teve mais prestígio na Esplanada: terá de falar menos e entregar mais. As assessorias de Dias Toffoli e Alcolumbre não responderam aos pedidos para comentarem o teor da reportagem.
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