Pular para o conteúdo principal

Recordar é viver

Este blog já condenou duas vezes, e com veemência, a propaganda homofóbica da campanha de Marta Suplicy contra o prefeito Gilberto Kassab (DEM). Parte da imprensa, porém, começou a tratar o assunto de maneira exagerada, vendo na atitude petista uma grande baixaria e comparando a propaganda ao que de pior já aconteceu no marketing político nacional - a célebre aparição de Míriam Cordeiro, ex-mulher do presidente Lula, no programa de Collor em 1989. Desnecessário detalhar o que houve, todo mundo conhece o caso.

Bem, a verdade é que o programa petista contra Kassab foi uma grande burrice, mas nem de longe poderia ser comparado ao de Collor, a começar pelo fato de que a campanha de Marta não pagou ninguém para aparecer na telinha dizendo que o prefeito é gay. Na verdade, foi uma insinuação tola e desnecessária. Bem mais branda, por exemplo, do que a propaganda do PSDB sobre Marta em 2004, conforme se pode ler abaixo, em matéria da Folha de S. Paulo publicada no dia 31 de julho de 2004.

ELEIÇÕES 2004/CAMPANHA

Na internet, partido diz que prefeita tem “dois maridos’; PT reage e distribui cópias do documento a jornalistas em evento oficial

PSDB volta a atacar vida pessoal de Marta

CHICO DE GOIS e ANDRÉ NICOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

O PSDB voltou a atacar a vida pessoal da prefeita de São Paulo, Marta Suplicy (PT), vinte dias depois que deputados do partido fizeram insinuações contra ela e seu marido, Luis Favre.

Anteontem, o site do Diretório Nacional do PSDB divulgou uma nota intitulada “Dona Marta e seus “dois maridos’”, na qual fazia referência à participação do senador e ex-marido de Marta, Eduardo Suplicy, na campanha da prefeita à reeleição.

Ontem, os tucanos tiraram o texto do ar. O PT informou que irá entrar na Justiça com uma ação contra o PSDB. A prefeita afirmou que ainda não sabia se ela, pessoalmente, faria o mesmo. E o senador Eduardo Suplicy classificou de “bobagem” as afirmações feitas pelo PSDB. “Sou senador por São Paulo e a prefeita me convidou para visitar uma obra.”

Ontem à noite, o senador acompanhou a prefeita no lançamento de um comitê de campanha de Marta na Penha, zona leste.

Como divulgado anteontem pela Folha na coluna “Toda Mídia”, do jornalista Nelson de Sá, a nota dizia que “a participação do senador na campanha da ex-mulher é uma das estratégias da direção petista para enfrentar o desgaste sofrido por ela por conta da separação dos dois”.

O texto concluía que “dona Marta tem “dois maridos”. Cá entre nós: que papelzinho ridículo o senador Suplicy se prestou ao sair em “campanha” para mitigar a imagem que a sra. Marta construiu para si mesma”.

Cópias da página do PSDB foram distribuídas para os jornalistas na manhã de ontem por assessores da campanha de Marta durante evento para sancionar lei de criação dos conselhos de representantes de subprefeituras.

A assessoria de imprensa do Diretório Nacional do PSDB informou que “a orientação do partido é para não entrar nesse tipo de debate”. A assessoria admitiu que “foi um erro” a edição da nota e informou que, ao perceber o erro, retirou o texto do ar.

Ontem o candidato a prefeito do PSDB, José Serra, afirmou desconhecer a nota, mas disse não apoiar esse tipo de ataque.

De acordo com o coordenador-geral da campanha petista, deputado estadual Ítalo Cardoso, o departamento jurídico do PT entraria com uma ação na Justiça, mas ainda não estava definido se seria apenas civil ou também criminal.
O candidato a vice de Marta, Rui Falcão, disse, no lançamento de um comitê em Aricanduva, zona leste, que “pela segunda vez, adversários que se dizem detentores da ética e do trabalho agridem o PT e a prefeita”. Falcão disse que “não vamos aceitar provocações, mas também não vamos aceitar nenhum tipo de intimidação”.

Ele se referia às afirmações do deputado federal Alberto Goldman e do deputado estadual Celino Cardoso em um comício no dia 11 de julho. Na ocasião, Goldman disse: “Quero saber cadê o dinheiro. De um deles, a gente sabe onde está: na Suíça. E o da Marta? Vamos perguntar para ela ou para o marido dela onde está o dinheiro de São Paulo”.

Comentários

  1. Kassab é gay?

    A indignação midiática sobre a pretensa homofobia da propaganda de Marta Suplicy tem a esperteza da marquetagem eleitoral. A provocação em torno da biografia de Gilberto Kassab foi reduzida à pergunta sobre seu estado civil e, por extensão, transformada em patrulha sexual. Os adversários de Kassab ganharam a pecha de homofóbicos e ele escapou de maiores esclarecimentos.
    Mas, vítima das contradições da hipocrisia, a militância kassabista comete um deslize: foge da idéia de homossexualidade como se ela fosse motivo de vergonha para qualquer pessoa. Uma “insinuação maldosa”, segundo o próprio candidato.
    Kassab é gay? Então, pelo bem da causa GLTB e da educação do eleitorado, ele deveria assumir-se publicamente. Kassab não é gay? Pois, caso tampouco seja homofóbico, tem a chance de proferir um belo discurso a favor da tolerância e passar por cima dessas trivialidades. Só não vale agir como se o tivessem chamado de ladrão.
    Convém sempre desconfiar das intenções de quem tenta determinar o que é relevante numa disputa eleitoral. Esconde-se nessa atitude o germe do despotismo esclarecido, cuja versão modernizada gerou a paranóia politicamente correta. Quem decide a pauta da campanha é o eleitorado. Seu interesse em bobagens de alcova pode ser lamentado, mas nunca reprimido ou estigmatizado.
    A falsa questão da homossexualidade ganhou importância por causa da reação esperta (e homofóbica) dos kassabistas. Se eles achassem o assunto realmente subalterno, não o utilizariam como peça de propaganda para vitimizar seu candidato. E se estivessem imbuídos de verdadeiro espírito democrático, não propagariam esse falacioso purismo do administrador técnico alheio a subjetividades e paixões. É óbvio que a “vida pessoal” do político interfere na sua rotina profissional. A preservação da intimidade não é prerrogativa daqueles que almejam a vida pública.
    Quanto mais incômoda parece a transparência, mais necessária ela fica.

    ResponderExcluir
  2. Falando da familia do solteiro alegre, eu gostaria de saber mais sobre aqueles irmãos dele, indicados para trabalhar no SPTrans e o Metrô. Nepotismo não seria o tipo de promiscuidade amoral que ir interessar numa campanha dessas?

    ResponderExcluir

Postar um comentário

O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.

Postagens mais visitadas deste blog

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe