Pular para o conteúdo principal

"A Budweiser é nossa".
Nossa quem, cara-pálida?

O que vai abaixo é o artigo do autor destas Entrelinhas para o Observatório da Imprensa. A revista Veja merece a deferência...


A revista Veja está mesmo perdendo o senso do ridículo. Na edição desta semana (nº 2070, de 23/7/2008), deu capa para a compra da companhia Anheuser-Busch pela Inbev. Na matéria principal, a revista sapecou o título acima, entre aspas. Sim, foi isto mesmo que o leitor leu: "A Budweiser é nossa". E só faltou o inefável locutor Galvão Bueno para completar: "É do Brasiu, iu iu iu...".

Seria bonito, se fosse verdade. Só que não é. A leitura das publicações especializadas em economia e negócios ajuda um pouco. Abaixo, no original, trecho de matéria publicada pelo Wall Street Journal (15/7/2008) sobre a polêmica aberta pelo pré-candidato democrata Barack Obama, que antes do negócio se concretizar afirmou que seria uma vergonha (shame, no original) para os Estados Unidos que a Anheuser-Busch pudesse se tornar uma empresa controlada por estrangeiros. Pelo que se pode discernir da leitura do Wall Street Journal, os estrangeiros em questão são os belgas e não "nós", como orgulhosamente apregoa a Veja:

"‘... Beer Is Belgian’

Unlike such countries as the U.S., Russia and France, Inbev´s home nation isn´t protective about its biggest corporations. With a population of 10 million, Belgians have always had to share their toys – they shrug when the French say that they, not Belgians, invented the fry. Most of Inbev´s board members are Brazilian, even if the controlling shareholders are aristocratic Belgian families.

Nonetheless, politicians in this beer-loving land raise their glasses every time InBev, with the families blessing, launches international expansions. In less than 20 years, the many acquisitions have turned Interbrew from a midsize Belgian brewer into the King of Beer Companies. "There is pride today, because beer is Belgian," said Vincent Van Quickenborne, the country´s economy minister.

Mr. Van Quickenborne, however, declared himself "shocked" at Sen. Barack Obama´s comment that it would be a shame if Anheuser-Busch became foreign-owned. "In the end, the Belgians were stronger than Obama, and we´re not going to call the beer ´Belweiser,´ " he joked. "Seriously, we´re not trying to ´buy American,´ " he added. "This is about business, restructuring, cost-cutting and positioning ourselves in a global market."

Not all Belgians were cracking open cases of Stella to celebrate the news.

The unions that represent InBev employees in Belgium are worried that they could bear the brunt of InBev´s attempts to cut costs. InBev is eager to avoid cutting jobs in the U.S. to avoid negative publicity, so it could fall back on Europe, the unions say. "All mergers lead to restructuring, and that´s never good," union spokesman Luc Gysemberg told Belgian wire service Belga.

"Belgium will remain central to the company," responds InBev spokeswoman Marianne Amssoms, dismissing the unions` claims.

As for beer drinkers, they already regard InBev with the kind of suspicion techies levy at Microsoft. To gain market share, InBev has standardized brews to always taste the same, says Christian Lejeune, director of the Museum of Belgian Beers in Lustin, in the south of Belgium. He bemoans the days before high-tech brewing, when bottles of the same brand might taste different.

InBev, said Mr. Lejeune, "won´t lose anything now because they don´t make real Belgian beer in the first place."

Ok, é verdade que alguns brasileirinhos da gema, como Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira têm participação acionária na Inbev (cerca de 25% do total, segundo reportagem da IstoÉ Dinheiro). Também é verdade que o principal executivo da Inbev é outro brazuca, Carlos Brito. O problema todo, porém, é que nenhuma publicação séria fora do Brasil escreve a barbaridade que Veja perpetrou ao qualificar a Inbev de "cervejaria belgo-brasileira", logo no lide da reportagem desta semana. Ao contrário. O New York Times, por exemplo, noticiou a compra assim:

Anheuser-Busch Agrees to Be Sold to InBev

By MICHAEL J. DE LA MERCED, Published: July 15, 2008

"Anheuser-Busch agreed on Sunday night to sell itself to the Belgian brewer InBev for about $52 billion, putting control of the nation’s largest beer maker and a fixture of American culture into a European rival’s hands. InBev confirmed details of the sale Monday in Brussels."

Belgian Brewer significa cervejaria belga. Brussels, Bruxelas, fica bem longe do Rio de Janeiro ou São Paulo. É lá que são tomadas as decisões relevantes da Inbev. O resto é conversa para animar a patriotada dos néscios que acreditam em tudo que a revista Veja publica.

No fundo, talvez o semanário da Abril esteja preparando terreno para anunciar que a editora responsável pela publicação de Veja "comprou" a News Corp. do magnata Rupert Murdoch. E poderá então dar com destaque, quem sabe em página dupla, a grande manchete: "O Wall Street Journal é nosso!" Do Brasiu iu iu iu...

Comentários

  1. OI, meu nome e' teno e estou morando na inglaterra faz 4 anos. Concordo com o exagero da Veja (a revista virou um lixo, pois ja fui assinante ate 2001).
    Mas o The Guardian ja chamou a Imbev de Belgo-brasileira quando noticiava a vontade da inbev de comprar a Bud.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.

Postagens mais visitadas deste blog

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe