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Abaixo o texto de 2003, incrivelmente atual.
O cinismo do ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso está de volta. Após um longo período de férias em Paris e Washington, ele tem se dedicado a duas tarefas: assediar empresários para conseguir mais recursos para o seu "instituto" e criticar o presidente Lula.
Na semana passada, os internautas que acessaram o provedor de internet Terra tiveram a oportunidade de assistir a um espetáculo deprimente: Cardoso foi o entrevistado do serviço de tevê do site e teve a seu dispor exatos 62 minutos para discorrer sobre os mais diversos temas. Muito à vontade na frente das câmeras, ele se esqueceu do velho ditado popular: quem fala muito dá bom dia a cavalo. "Sinto falta da piscina do Palácio do Alvorada, que era muito boa, e do uso do helicóptero", afirmou Fernando Henrique ao responder sobre como se sentia após ter deixado a presidência da República. Se tivesse parado nesta bobagem, nada demais. Afinal, não deixa de ser interessante que a população saiba com mais detalhes do que realmente gostava de fazer o ex-chefe da nação.
As bobagens, porém, continuaram. Fernando Henrique criticou as reformas propostas pelo governo Lula. "Eu não mexeria com direitos adquiridos", afirmou, referindo-se à proposta de reforma da Previdência Social da gestão Lula. Essa afirmação do ex-presidente, mais do que uma bobagem, é uma grande mentira, pois em diversas ocasiões o governo FHC tentou, sim, modificar direitos adquiridos, como bem lembrou um editorial da revista eletrônica Primeira Leitura, dirigida por um antigo aliado de Cardoso, o ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros.
Bobagens à parte, o fato é que a atabalhoada volta de Fernando Henrique ao cenário político tem uma explicação lógica. Está faltando oposição ao governo Lula. Na prática, até agora apenas os radicais do PT e meia dúzia de gatos pingados do PSTU ocuparam o espaço destinado à oposição. Obviamente, a crítica que vem sendo feita por esses setores está, digamos assim, à esquerda do governo Lula. Embora muitas vezes a crítica dos radicais seja justa, a verdade é que não está conseguindo comover a população, que mantém alta a popularidade do presidente e até aceita esperar mais tempo pelas mudanças prometidas, conforme comprovou a recente pesquisa realizada pelo instituto Sensus, realizada para a Confederação Nacional dos Transportes.
À direita do presidente Lula, a bem da verdade, as críticas que apareciam ao seu governo se resumiam aos ataques um tanto histéricos de fazendeiros assustados com o que julgam "falta de ação" do governo contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Do ponto de vista da política econômica ou mesmo das reformas, o silêncio dos conservadores era sepulcral, mesmo porque tudo que Lula fez até aqui não foi outra coisa senão continuar o modelo anterior e carregar a tal "herança maldita", reclamando um pouco, mas aceitando o fardo até com mais resignação do que deveria.
O PSDB, até pela derrota na eleição passada, deveria naturalmente liderar a oposição a Lula, mas mostrou-se neste primeiro semestre completamente incompetente para criar fatos políticos ou combater o governo. Toda a oposição dos tucanos limitou-se às bravatas de Arthur Virgílio e José Aníbal, uma dupla que não é levada a sério nem mesmo dentro do PSDB. Serra sumiu, Alckmin e Aécio resolveram ficar de bem com o presidente (e a opinião pública) e o partido perdeu o rumo. Foi necessário que o ex-presidente Cardoso se apresentasse para o partido voltar a ter algum norte. A história da oposição a Lula está começando. Ao que parece, terá o cinismo como estratégia e um velho nadador como comandante.
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