Pular para o conteúdo principal

Mudanças na mídia: teles em ação

Conforme adiantado neste blog – ainda não era possível contar a história toda –, vale a pena comentar um pouco as mudanças em curso no sistema de comunicação do Brasil. Muita gente já percebeu, mas talvez não tenha ainda a real dimensão do que está ocorrendo. A cada dia que passa, fica mais claro o posicionamento das operadoras de telefonia - fixa e móve -, que apenas aguardam modificações na legislação para entrar de cabeça no mercado de mídia - televisão, especialmente. Na internet, veículo em que as teles já podem atuar, é possível perceber o movimento de forma bastante clara. Vamos aos fatos concretos.

Na semana passada, o Observatório da Imprensa, site do qual este blogueiro é Editor Executivo, foi comunicado pelo portal iG, hoje umbilicalmente ligado à operadora Oi, que o contrato de hospedagem e fornecimento de conteúdo não seria renovado. A partir de dezembro, o Observatório estará hospedado em outro servidor e deixará de receber a mensalidade que o iG pagava - um recurso importante para a operação do site. E não foi só o Observatório. Praticamente todos os parceiros do iG em situação semelhante à do OI já foram avisados (ou estão sendo) sobre a não-renovação dos contratos. A ideia do portal iG agora é reforçar a sua marca. Para tanto, contratou o jornalista Eduardo Oinegue, ex-Veja, que comanda a reestruturação, ou, em palavras mais chiques, o "reposiconamento da marca".

Desde que assumiu, Oinegue vem provocando um verdadeiro terremoto no mercado de trabalho jornalístico, contratando profissionais com salários bem altos. Um repórter que cobrirá o Congresso Nacional em Brasília vai receber R$ 12 mil mensais. Somando os encargos trabalhistas, é o mesmo que o iG pagava ao site parceiro Congresso em Foco, que possui uma redação bastante aguerrida e vem recebendo prêmios de jornalismo pela excelência do seu trabalho. Com dinheiro para gastar, Oinegue, porém, preferiu montar sua própria redação em Brasília, sob o comando do experiente Tales Faria. Contratou Matheus Leitão, filho de Marcelo Netto e Míriam Leitão, o repórter que deu o "furo" do caso Francenildo para a Época, e Christiane Barbieri, ex-Folha, com passagem relâmpago pelo Brasil Econômico. Em São Paulo, Eduardo Oinegue já tirou Guilherme Barros da mesma Folha e deu a ele uma coluna no portal, com dois repórteres - repórteres mesmo, não estagiários.

Mas tudo isto é na verdade apenas a ponta do iceberg, para usar um jargão proibido em qualquer redação séria. O iG está rico e forte porque por trás dele está a Oi. Isto é fato. Pouco tempo atrás, a revista Veja deu uma notinha na coluna Radar, de Lauro Jardim, informando que a Oi estaria procurando um jornal impresso para comprar. E pelo que este blog apurou, tão logo a legislação permita, a operadora entra também no mercado de televisão.

A Telefônica, aliás, já oferece TV por assinatura e também não está parada e embora seu investimento em internet seja bem mais comedido que o do iG, o modelo é o mesmo: aposta no conteúdo próprio.

É evidente que em poucos anos o panorama da mídia brasileira será outro. A Oi nasceu com faturamento de R$ 30 bilhões ao passo que a Rede Globo, líder entre as emissoras brasileiras, não consegue mais do que R$ 8 bilhões por ano. A diferença é brutal. A Telefonica de Espanha, por exemplo, tem de lucro o que a Globo fatura por ano. Não há competição possível, é óbvio que as teles vão engolir as emissoras nacionais todas e dominar este mercado. Os mais espertos - e a Globo é espertíssima - poderão se tornar fornecedores de conteúdo para as teles, que não têm, ainda, know how neste ramo.

E, afinal, como será o futuro da mídia brasileira com a preponderância das teles? Não dá, ainda, para saber. Vai circular mais dinheiro, porém haverá tembém muita sinergia entre as empresas subsidiárias, no campo de mídia, das enormes empresas de telefonia, cujo core business sempre será telefonia mesmo...

Alguns românticos terão saudade do tempo das empresas familiares, talvez esquecendo o quão ruim também foram as administrações deste tipo no jornalismo brasileiro. A questão das teles não é de todo nefasta para o mercado de trabalho dos jornalistas, por exemplo, mas o é para a construção de uma nação soberana e dona de seu próprio nariz. Nada contra a participação de estrangeiros na mídia brasileira, que de resto, pelo menos no que se refere à televisão a cabo, já existe, é uma realidade, porém uma boa regulamentação que imponha certos limites ao gigantismo das teles pode equilibrar o jogo e permitir que o Brasil possua um sistema de mídia mais parecido com o europeu do que o norte-americano.

Em tempo: o repórter Matheus Leitão não participou da cobertura do caso Francenildo. A reportagem foi assinada por Gustavo Krieger e Andrei Meireles. Este blogueiro errou - e isto acontece no jornalismo. Errar é humano, persistir no erro é burrice.

Comentários

  1. Bastante oportuna esta sua análise. Além do furo (ao menos para nós leitores do andar de baixo)traz comentários relevantes sobre a situação atual da grande mídia. Seu blog é ótimo.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.

Postagens mais visitadas deste blog

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue...

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And...

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda...