Pular para o conteúdo principal

Vinicius T. Freire: Memória da ruína tucana

Vale a pena ler o artigo reproduzido abaixo, de autoria do jornalista Vinícius Torres Freire, publicado neste domingo na Folha de S. Paulo. Trata-se de uma análise lúcida e muito bem elaborada. O leitor deste blog vai reconhecer algumas idéias que vem sendo defendidas aqui, sobretudo a de que a oposição não tem proposta alternativa ao governo do PT e exatamente por isto está em crise, sem discurso. A seguir, a íntegra da análise de Vinícius.

De tão parecido com a modernidade avacalhada que implantou no país, PSDB nada tem a dizer ao público.

Os Tucanos seriam o partido da modernização, dizem eles mesmos. Se tal discussão não provoca o tédio imediato, pode-se achar até graça nisso. Mas, no fim das contas, não era verdade? A modernização tucana foi tão bem sucedida e o PSDB a encarnou tão bem que a forma do partido mal se destaca do fundo que produziu. O sucesso faz com que as idéias tucanas percam seus contornos quando confrontadas com o país modernizado: o PSDB hoje não fede nem cheira.

A "utopia do possível" do PSDB era um país mais capitalista, mas com "10% de desconto", como dizia Mangabeira Unger. Uma economia mais aberta, mas que protege a grande empresa. Um país com seu mercado de capitais e uns trocados para a escola dos pobres, para formar "capital humano". Com mais mercado e uma "rede de proteção social" que enreda os deserdados, o embrião do Bolsa Família. Com privatização e politização dos negócios privados.

O filme do PSDB era um roteiro adaptado da arenga do Banco Mundial. Era um grupo de políticos menos selvagens e de tecnocratas mais capazes, encapsulados num saquinho de chá metido no balde d"água ainda mais sujo da política partidária brasileira. Mudou muito pouco do mar de desigualdades de poder, renda e educação. Mas o saquinho de chá tucano se dissolveu no balde. A tecnocracia tucana ouviu a própria pregação do empreendedorismo e retirou-se, em especial na finança. Restaram os caciques e a "aliança com o atraso, instrumento do avanço", tal como era racionalizado o pacto com PFL e PMDB, o de sempre, de Sarney a Lula.

Hoje, o PSDB tem um governador denunciado à Justiça (Teotonio Vilela, Alagoas) e amigão de Renan Calheiros. No Rio Grande do Sul, os pedaços da coalizão tucana se acusam de bandidagem e mau-caratismo, todos aparentemente com razão. O governador tucano de Minas ameaça namorar o lulismo, chantagem que tem como objetivo confrontar o governador de São Paulo, que corre o risco de deixar como grande legado político a implantação do PFL (Democratas) no Estado, antes praga inaudita. Com os anos, aparecem os esqueletos corruptos do partido, vide o caso Alstom.

O neotucanato é a direita que não ousa dizer seu nome, o alckmismo, que deixou a gestão do Estado em estado de choque, vide o desastre na educação paulista, a falácia da responsabilidade fiscal e a inanidade do desenvolvimento estadual durante o governo Alckmin. No campo das "idéias", a liderança tucana no Congresso faz chacrinha sobre responsabilidade fiscal, mas vota anônima e unânime a favor de projetos que estouram o orçamento público. Se passa a picuinhas e vergonheiras como fingir-se de morta quando nota que as CPIs que defende se voltam também contra o próprio partido.

O último candidato tucano a presidente renegou o seu arremedo de programa e até mesmo a receita de bolo fernandina. Como o petismo-lulismo é a reprodução ampliada e pirateada do velho programa tucano e como o "choque de capitalismo" do PSDB realizou-se, a seu modo avacalhado, o tucanato nada tem a dizer que contraste com a realidade da política e da vida brasileiras. O PSDB é só uma briga de foice por um lugar no horário eleitoral gratuito.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe