Amigo leitor, março se iniciou com péssimas notícias e não há nenhuma hipótese de reversão das expectativas aziagas para o restante do mês e para abril. O número de pacientes contaminados, internados e que morreram de covid cresce a cada dia. A média móvel dos últimos 7 ou 14 dias desses números é crescente. Crescentes também são o número de pacientes que procuram os hospitais, o número de internações e a ocupação de leitos de UTI. Muitas das capitais e cidades de grande e médio porte estão com 100% de ocupação de leitos de terapia intensiva. As cidades de pequeno porte já estão sem condições de atender novos casos há mais tempo. A se manterem os números observados até agora, é muito provável que em meados de abril, ou mesmo antes, mais 50 mil brasileiros morram de covid, ou seja, 20% do total observado desde o início da pandemia no nosso país em apenas 30 ou 40 dias. É uma tristeza, escreve Iran Gonçalves Jr. no Valor, em artigo publicado dia 5/3. Continua a seguir.
A dinâmica já conhecida do vírus é que um aumento do número de casos se traduz em aumento das internações em cerca de duas semanas e que os óbitos começam a ocorrer duas semanas após o aumento das internações. Essa evolução está ocorrendo neste momento no país. Se já ultrapassamos os efeitos das festas de Natal e ano novo, ainda não superamos os do Carnaval. Por isso, médicos e pesquisadores acreditam que março e abril serão meses catastróficos.
Não é possível reverter as infecções que já ocorreram. O que se procura agora é diminuir o número de novas infecções para desacelerar o processo. É crucial que todos compreendamos que o que fazemos hoje é o que vai ditar como estaremos nos próximos 15 e 30 dias.
Neste momento, estamos em péssima situação, e o que resta fazer é aumentar o número de leitos de hospital, de UTI, garantir os insumos necessários para tratamento e torcer para que as equipes que trabalham nos hospitais não sucumbam com a demanda excessiva.
Além desse ponto, fica muito difícil qualquer previsão. O que é possível afirmar é que novas variantes surgirão, a tal imunidade de rebanho pode ser vencida por essas novas variantes, como aparentemente aconteceu no Amazonas, e que, sem vacinas, somos todos vítimas em potencial.
A vacinação em massa produz resultados visíveis. A circulação do vírus é reduzida, diminuem as internações, a pressão sobre o sistema de saúde e as mortes. Estudos de Israel, publicados em fevereiro, demonstram que naquele país já se observam esses fatos.
Ficamos para trás na fila das vacinas. As vacinas anunciadas como já contratadas ainda não estão sendo fabricadas e muito menos entregues ao país. Enquanto aguardamos que, um dia, as vacinas cheguem em número suficiente, a lição de casa continua a mesma - uso de máscaras e distanciamento.
Não fazer a lição de casa exige sacrifícios maiores, como toda família sabe. Máscaras não fazem mal, fazem bem. Em fevereiro o CDC, Centro de Controle e Prevenção de Doenças, órgão do governo americano responsável pelas diretrizes de saúde adotadas pelo país, recomendou o uso de máscaras de camada dupla ou o uso de duas máscaras concomitantes. Por exemplo, o uso de uma máscara descartável e de uma máscara de tecido por cima da primeira.
Com uma maior barreira, o CDC estima que possa ser elevado para mais de 95% a possibilidade de uma pessoa não se contaminar quando em contato com alguém contaminado que esteja utilizando a mesma estratégia de máscara dupla. Outros acessórios que permitam um maior ajuste ao rosto, como máscaras com apoio de metal na altura do nariz, suportes para ajustar a máscara ao rosto e elásticos extras de ajuste, aumentam a eficiência das máscaras.
Máscaras mal ajustadas, frouxas, sem cobrir o nariz, que permitem a livre passagem do ar, não protegem quem usa nem quem está ao lado.
Distanciamento é a lição de casa que evita o sacrifício maior de lockdowns, fechamento de escolas e do comércio. Os motivos são óbvios. O vírus não tem asas e depende da proximidade entre as pessoas para passar de um indivíduo a outro.
A tempestade perfeita é quando o ajuntamento de pessoas se soma ao não uso de máscaras. O que vivemos hoje é consequência desse comportamento que não aceita a hipótese de nenhum sacrifício pessoal, por menor que seja.
O resultado está aqui: mais mortes e sofrimento, maior tempo para recuperarmos a economia, maior custo, maior gasto. Não é fechando os olhos que isso vai melhorar, vai é piorar. Novamente não há milagres, há a colheita do que se planta.
Meu amigo leitor deve estar cansado e entediado. Falamos quase a mesma coisa a cada coluna. Me perdoem. A motivação para escrever vem do sofrimento que vejo no dia a dia. A dor é pessoal, já perdi familiares próximos para a doença. Não tem volta. Não é jogo. Não é uma situação de nós ou eles. Não há dividendos políticos. Há apenas dor e sofrimento.
Já passou da hora de uma campanha de conteúdo claro e abrangência nacional que oriente esses pilares da prevenção. Tal campanha é por dever de ofício do Ministério da Saúde. Menos promessas e estratégias mirabolantes e mais orientação segura para todos os cidadãos. O problema é o mesmo de Norte a Sul deste imenso país.
Não é o poder de polícia que vai minorar o sofrimento, é o poder da informação, da mensagem sólida e não diversionista, do objetivo comum de sobreviver a esta catástrofe com o menor número de vítimas possível. Não é a economia da nação que está em jogo, e sim o próprio conceito de nação, a união de todos para o bem comum.
Iran Gonçalves Jr, médico intensivista, cardiologista do corpo clínico do Hospital Israelita Albert Einstein e responsável pelo PS de Cardiologia do Hospital São Paulo, da Escola Paulista de Medicina, escreve neste espaço mensalmente
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