Pular para o conteúdo principal

Anitta: o que tem de errado com o funk? nada!

Em artigo para a edição desta semana da revista Época, artista defende o gênero musical de críticas e identifica 'mistura de preconceito com ignorância'. Escreve Anitta: Não é novidade para ninguém que o funk é um gênero musical que, infelizmente, ainda sofre críticas no Brasil, vindas, é claro, de pseudoentendedores do assunto. Não é novidade também que o funk já conquistou o que os moradores da favela chamam de “asfalto” há algumas décadas. As rádios tocam funk, o gênero também ocupa o topo das paradas nas plataformas digitais e é um sucesso nas redes sociais. O funk toca desde os bailes de favela às festas dos milionários. Aliás, é bem nessa hora que a pista ferve, convenhamos. Então, o que tem de errado com o funk? Eu te respondo: nada.

Continua abaixo. 

Lamentavelmente, existe uma mistura de preconceito com ignorância sobre o assunto. Ainda há pessoas que preferem acreditar que, por ter sido feito por gente da favela ou sem formação em música, o funk não mereça destaque ou valor. Mas o valor é muito alto. Não só como entretenimento, mas também econômico.

Os “batidões” movimentam a carreira de muitos cantores, compositores, produtores, músicos, escritórios, staff, agências, publicidade e, claro, o mercado fonográfico.

Os críticos se apoiam, em sua maioria, no que eles chamam de “falta de profundidade” das letras, desmerecendo o trabalho de quem as compõe e também todo um movimento cultural que gira em torno do funk.

Fala-se tanto de valorização da cultura no Brasil, mas o funk ainda precisa enfrentar esse tipo de barreira com base em quê? No preconceito? Por quê? Talvez por sermos preconceituosos, racistas, elitistas?

Vale a reflexão sobre o tema. Somos frutos do nosso meio. Se na favela tem arma, crime, se falta um português correto ou versos poéticos, o que esperar de uma música que nasce lá?

Se para o funkeiro a diversão é rebolar, se é pelo prazer da conquista entre duas pessoas, se o sexo não é um tabu e é visto como algo natural e prazeroso, qual o problema? Nenhum.

O que não é natural é usar valores pessoais e socioculturais para desvalorizar o diferente. Em qualquer parte do mundo, o gueto usa a música para se expressar e como entretenimento. É assim que surgem o rap, funk, reggaeton, hip-hop e por aí vai.

Eu costumo dizer que você não vai ouvir um funkeiro cantar “o barquinho vai, a tardinha cai” porque essa não é a realidade dele. E tudo bem. Cada um ouve o que quer e consome o que bem entende.

Eu lamento que ainda estejamos debatendo esse tema. Prefiro me concentrar no meu trabalho e acreditar que outros artistas de funk e ritmos marginalizados estejam cada vez mais ganhando seus espaços de forma justa, honesta, criativa, cultural e representando o Brasil aqui e fora dele.

E posso dizer com todas as palavras que o funk é, sim, um modelo de música tipo exportação.

Todo o preconceito que já vivi por ser funkeira, que está marcado na minha trajetória, me deu ainda mais força para buscar parcerias internacionais.

Eu explico. Ainda temos uma espécie de memória dos nossos antepassados de que tudo que vinha ou vem de fora é bom. Eu só fiz e faço usar essa base lógica para a minha estratégia de ampliar minha carreira.

Minha carreira aqui no Brasil ganhou outros olhares quando o mercado internacional começou a me dar espaço. Depois que gigantes internacionais como J Balvin, Maluma, Cardi B, Madonna, Snoop Dogg, Maejor, Pharrell Williams, Major Lazer, Black Eyed Peas, Ozuna, Rita Ora, Fred de Palma, Myke Towers, Becky G, Prince Royce, Caetano Veloso, Alesso aceitaram ou quiseram trabalhar comigo.

Muita gente que torcia o nariz para mim aqui no Brasil começou a mudar de comportamento. Eu ouvi muita coisa antes de me destacar no mercado e ser respeitada pela música que eu faço. “Aqui esse som de preto e favelado não entra.” “Mulher funkeira é tudo vagabunda.” “Nosso público é outro”....

Lá fora sempre ouvi e li exatamente o contrário. Dizem que meu funk é muito mais suave ou com uma levada puxada para o pop quando o assunto é exterior.

Já querem problematizar em cima disso. Calma, gente. Ainda é só o começo. Os gringos estão se familiarizando aos poucos. Ver a Cardi B performando a versão de “Wap” feita pelo DJ e produtor Pedro Sampaio foi incrível e uma vitória e tanto para o funk.

Era a música gringa misturada com a nossa batida e elementos criados por um brasileiro para meio planeta Terra assistir. Quem sabe já, já a gente não tem ainda mais do funk brasileiro por aí. Um batidão daqueles que a gente ama e os pseudocríticos odeiam!

Meu sonho é ver o Grammy e os principais prêmios internacionais reconhecendo o que vem do Brasil. Seja da parte rica ou da parte pobre. É tudo nosso.

Anitta é cantora e compositora e tem uma longa lista de premiações no Brasil e no exterior



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Um pai

Bruno Covas, prefeito de São Paulo, morreu vivendo. Morreu criando novas lembranças. Morreu não deixando o câncer levar a sua vontade de resistir.  Mesmo em estado grave, mesmo em tratamento oncológico, juntou todas as suas forças para assistir ao jogo do seu time Santos, na final da Libertadores, no Maracanã, ao lado do filho.  Foi aquela loucura por carinho a alguém, superando o desgaste da viagem e o suor frio dos remédios.  Na época, ele acabou criticado nas redes sociais por ter se exposto. Afinal, o que é o futebol perto da morte?  Nada, mas não era somente futebol, mas o amor ao seu adolescente Tomás, de 15 anos, cultivado pela torcida em comum. Não vibravam unicamente pelos jogadores, e sim pela amizade invencível entre eles, escreve Fabrício Carpinejar em texto publicado nas redes sociais. Linda homenagem, vale muito a leitura, continua a seguir.  Nos noventa minutos, Bruno Covas defendia o seu legado, a sua memória antes do adeus definitivo, para que s...

Dica da Semana: Tarso de Castro, 75k de músculos e fúria, livro

Tom Cardoso faz justiça a um grande jornalista  Se vivo estivesse, o gaúcho Tarso de Castro certamente estaria indignado com o que se passa no Brasil e no mundo. Irreverente, gênio, mulherengo, brizolista entusiasmado e sobretudo um libertário, Tarso não suportaria esses tempos de ascensão de valores conservadores. O colunista que assina esta dica decidiu ser jornalista muito cedo, aos 12 anos de idade, justamente pela admiração que nutria por Tarso, então colunista da Folha de S. Paulo. Lia diariamente tudo que ele escrevia, nem sempre entendia algumas tiradas e ironias, mas acompanhou a trajetória até sua morte precoce, em 1991, aos 49 anos, de cirrose hepática, decorrente, claro, do alcoolismo que nunca admitiu tratar. O livro de Tom Cardoso recupera este personagem fundamental na história do jornalismo brasileiro, senão pela obra completa, mas pelo fato de ter fundado, em 1969, o jornal Pasquim, que veio a se transformar no baluarte da resistência à ditadura militar no perío...

Dica da semana: Nine Perfect Strangers, série

Joia no Prime traz drama perturbador que consagra Nicole Kidman  Dizer que o tempo não passou para Nicole Kidman seria tão leviano quanto irresponsável. E isso é bom. No charme (ainda fatal) de seus 54 anos, a australiana mostra que tem muita lenha para queimar e escancara o quanto as décadas de experiência lhe fizeram bem, principalmente para composição de personagens mais complexas e maduras. Nada de gatinhas vulneráveis. Ancorando a nova série Nine Perfect Strangers, disponível na Amazon Prime Video, a eterna suicide blonde de Hollywood – ok, vamos dividir o posto com Sharon Stone – empresta toda sua aura de diva para dar vida à mística Masha, uma espécie de guru dos novos tempos que desenvolveu uma técnica terapêutica polêmica, pouco acessível e para lá de exclusiva. Em um lúdico e misterioso retiro, a “Tranquillum House”, a exotérica propõe uma nova abordagem de tratamento para condições mentais e psicossociais manifestadas de diferentes formas em cada um dos nove estranhos, “...