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Jairo Saddi, da FGV, destrincha fenômeno das fintechs

Talita Moreira resenha o livro de Jairo Saddi sobre as Fintechs, íntegra a seguir. 


As fintechs são frequentemente apontadas como a gênese de uma revolução no mercado financeiro e, para muitos, representam os mocinhos que vão libertar os consumidores das garra de banqueiros malvadões. Analisar tal fenômeno, ainda recente, de forma desapaixonada e com alguma profundidade teórica é, portanto, um desafio. Mas é justamente isso que Jairo Saddi procura fazer em “Fintechs: Cinco Ensaios”, lançado pela Editora Iasp.

Advogado e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), Jairo Saddi já foi presidente do conselho de administração do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) e é um dos maiores especialistas brasileiros em direito bancário e sistema financeiro. É, também, colunista do Valor.

Com essa bagagem, o autor traça um cenário crítico e pouco romanceado sobre as fintechs e o que elas representam para o mercado. Ao longo de (como diz o título) cinco ensaios, Saddi discorre sobre o conceito definidor dessas empresas que aplicam tecnologia de ponta aos serviços financeiros e também sobre a inovação e o potencial de concorrência que elas representam.

Para o advogado, apesar de todo o frenesi que há em torno das fintechs, elas não configuram uma revolução tecnológica. São inegavelmente inovadoras, mas, no fim do dia, representam um jeito novo de oferecer essencialmente os mesmos serviços. “Pagamentos instantâneos, open banking, bitcoins etc. certamente são novas tecnologias que têm a função de servir à mesma atividade bancária de intermediação, coleta e aplicação de recursos, por um lado, e prestação de serviços de custódia e transmutação, por outro”, argumenta.

Saddi lembra que razões históricas (período de hiperinflação), legais/regulatórias (como a exigência, prevista na CLT, de pagamento de salário numa conta em nome do trabalhador) e de capital moldaram o sistema financeiro nacional em torno de grandes bancos. Ele destaca também o enorme peso estatal no mercado de crédito, sobretudo na agricultura e na habitação. No entanto, inovações tecnológicas no processamento e na capacidade de análise de dados derrubaram quase todas barreiras de entrada no setor, e permitiram que as fintechs chegassem com uma abordagem nova - baseada na resolução de problemas dos clientes, e não em produtos - e com amplo acesso a capital.

Apesar disso, o autor ressalta que grande parte das fintechs ainda está por provar sua capacidade de gerar lucro e, portanto, de se perpetuar. Esse questionamento começou a aparecer antes da pandemia, mas foi intensificado por ela, com os investidores mais avessos ao risco diante de um cenário incerto. Para Saddi, a métrica que se convencionou usar para avaliar os novos entrantes nos mercados financeiro e de pagamentos, baseada meramente no crescimento da base de clientes, já não será mais tolerada se não houver perspectiva palpável de rentabilidade.

 Essas questões são pontuadas ao longo do livro - muitas delas, ainda sem respostas concretas para o autor - e culminam no quinto ensaio, que discute dois cenários possíveis para o futuro do setor financeiro. Um deles é o que Saddi chama de “open banking”, emprestando o conceito do compartilhamento de informações consentido pelos clientes de instituições financeiras.

Se o open banking florescer, haverá um aprofundamento do cenário atual, com tradicionais e novos prestadores de serviços - alguns deles não sujeitos à regulação financeira - competindo.

O outro cenário, mais extremo, é o chamado “free banking”, no qual o mercado caminha de tal maneira que as instituições financeiras desaparecem, engolidas não por fintechs, mas por “giantechs” e por moedas eletrônicas globais.

“Fintechs: Cinco Ensaios”

Jairo Saddi Editora Iasp, 288 págs. R$ 99 (papel)/R$ 1,99 (e-book)





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