O aumento recente do consumo das famílias, impulsionado pelo auxílio emergencial, e a alta nas compras feitas via e-commerce em meio à pandemia do coronavírus tiveram como efeito colateral o aumento na busca por aplicativos e ferramentas de cashback. O termo em inglês significa “dinheiro de volta” e é usado para designar plataformas que devolvem ao consumidor parte do valor gasto em uma compra. A estratégia é usada há anos por varejistas e instituições financeiras mundo afora, especialmente nos Estados Unidos e na Europa, como forma de fidelizar o consumidor e incentivar compras mais frequentes. No Brasil, a moda chegou há alguns anos, e teve entre os precursores aplicativos como o Méliuz e o Ame, este último desenvolvido pela varejista B2W, dona de marcas como Submarino e Americanas.com, escrevem Carolina Nalin e Ivan Martínez-Vargas na edição da revista Época desta semana. Continua a seguir.
O interesse dos consumidores pelo assunto, no entanto, é recente. No Google, a procura pelo termo tem tendência de subida desde o início da pandemia, em março deste ano, mas explodiu de fato nas semanas que antecederam a Black Friday. Para Alexandre Marquesi, coordenador do MBA em Comércio Eletrônico da ESPM, a estratégia do cashback passou a ser incorporada não apenas para reter clientes, mas com o intuito também de conquistar novos consumidores. “O cashback funciona como uma oferta, como se a empresa oferecesse um prêmio em dinheiro na hora para aquele consumidor. Em produtos de maior valor agregado isso funciona muito bem, porque o valor do cashback é maior para o cliente”, explicou.
Para quem se pergunta de onde vem o tal “dinheiro de volta”, não é necessariamente da perda de margem das empresas varejistas. Trata-se, na prática, de um modelo de financiamento. “Quando alguém compra uma geladeira de R$ 4 mil e ganha um cashback de R$ 200, fica um valor com o cliente. O lucro está em emprestar dinheiro (para uma próxima compra) e não em vender produto. Para isso o cashback é bom, para capturar uma pessoa que não sabe que está financiando um próximo produto e acha que o cashback o ajudou”, explicou Marquesi. O que torna a alternativa tão sedutora para o consumidor é o fato de não se tratar de um produto oferecido por um banco. “Os bancos têm a vantagem de ter dinheiro para emprestar barato, mas a estratégia de comunicação não é mais eficaz que a de um varejista”, afirmou.
Embora, no Brasil, o uso de plataformas de cashback tenha se disseminado primeiro por meio de startups e ferramentas de varejistas, é cada vez maior o número de instituições financeiras, em especial fintechs, que usam a estratégia como uma espécie de programa de fidelização de clientes. É o caso do C6 Bank, por exemplo, que, além do tradicional programa de pontos por compras no cartão de crédito oferecido pelos bancos, tem seu próprio sistema de cashback. “Há dez anos, a única opção no mercado eram os pontos que o cliente poderia converter em passagens aéreas ou produtos em lojas conveniadas. Isso ainda funciona bem no segmento de alta renda, mas como na maioria dos casos os pontos expiram, não é negócio para a pessoa de baixa renda ou que gasta pouco”, afirmou Maxnaun Gutierrez, diretor de produtos do C6.
O modelo de cashback tem tido apelo no Brasil, segundo ele, porque o consumidor consegue ter o benefício da plataforma logo no ato de uma compra. “Uma parte dos clientes desconfia do modelo de pontos que expiram. O cashback está em voga porque o mercado é mais competitivo (com as opções de plataformas das varejistas) e porque o cliente recebe o crédito de volta na hora”, afirmou. No C6, os pontos não têm validade, mas o consumidor escolhe se quer usar o cashback na conta bancária ou resgatar os pontos na loja virtual do banco, que tem 60 mil produtos de 30 redes e marcas parceiras. “É um ecossistema, o cliente que quer pontos para transferir para aérea tem essa opção também. Todo cliente do banco tem ao menos um cartão, de débito ou crédito, e ganha pontos por compra. O programa de fidelidade é gratuito, mas o consumidor pode pagar para multiplicar esses pontos”, disse Gutierrez. Segundo ele, são 3 milhões de clientes usando o programa.
No Digio, o sistema de cashback existe desde 2017, mas foi totalmente reformulado e relançado em novembro, antes da Black Friday. A superintendente de produtos da instituição, Ana Paula Bellino, explicou a dinâmica do fluxo do dinheiro. “O banco reconhece que o consumidor comprou no Ponto Frio, por exemplo, verifica qual produto foi adquirido no cartão e devolve parte do valor da compra ao cliente. A varejista nos paga esse dinheiro, que é repassado ao consumidor”, contou a executiva. O cashback no banco também pode ser cumulativo com outros aplicativos de varejistas, como o Ame, segundo ela. “O cliente pode usar o Digio dentro da carteira digital de outro app de cashback de varejista e ganhar tanto por usar o Digio quanto a outra plataforma”, afirmou.
O cashback cumulativo também é uma realidade no Inter, e está entre as estratégias para reter e captar clientes. Neste ano, já foram pelo menos R$ 40 milhões dados como cashback pela plataforma Inter Shop, que é o marketplace do banco. “Estamos colocando um produto novo no ar, no primeiro trimestre, onde o cliente pode escolher o que fazer com o cashback. A cada compra realizada, ele poderá escolher se quer cashback ou mais limite de crédito para aquela compra. Há aquele cliente mais sensível à parte de crédito e menos ligado à parte de recompensa”, explicou Rodrigo Gouveia, diretor executivo do Inter Shop.
O boom de aplicativos e sistemas que retornam parte do valor das compras como crédito ao consumidor motivou até iniciativas do chamado cashback social, por meio do qual o usuário pode destinar esse “dinheiro de volta” de suas compras à filantropia. É o caso da plataforma Igual, criada pela startup homônima. “A partir da compra de produtos ou serviços de marcas conectadas, o usuário recebe uma moeda social que depende do valor gasto. Ele pode usar essa moeda para financiar projetos de impacto social. Quando a quantidade necessária para realização do projeto for atingida, fazemos”, explicou um dos fundadores, Gabriel Pinheiro. A plataforma está em funcionamento desde setembro. “Saímos de 4 projetos realizados, com uma média de R$ 6 mil cada, para 16 projetos com uma média de R$10 mil”, disse Pinheiro.
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