As notícias mais importantes em dia de PIB foram a certidão de óbito do auxílio emergencial, que passará desta para a pior em janeiro de 2021, diz o governo, e o enorme aumento da taxa de poupança. Sem auxílios ou “Renda Brasil”, Jair Bolsonaro fará um arrocho de gastos por inércia, sem recorrer a mudanças constitucionais, por ora (corte de salários de servidores, em saúde e educação, INSS, abono salarial etc.). Assim, mais gente ficará mais pobre ou mais miserável no início do ano que vem. Mas não haveria tumulto financeiro por causa de gambiarras “fura teto”, sururu que prejudicaria a despiora da economia em 2021, embora essa dita tranquilidade também não garanta que a recuperação do crescimento continue, escreve Vinicius Torres Freire na Folha de S. Paulo, em artigo publicado na sexta, 4/12. Continua a seguir.
Os economistas da Secretaria de Política Econômica de Paulo Guedes escreveram o seguinte, em nota sobre o PIB: “A forte recuperação da atividade, do emprego formal e do crédito, aliadas ao aumento da taxa de poupança, pavimentam o caminho para que a economia brasileira continue avançando no primeiro semestre de 2021 sem a necessidade de auxílios governamentais”.
Rodrigo Maia, presidente da Câmara, disse que não votaria extensão do período de calamidade e de auxílio emergencial. Bolsonaro diz de novo que a conversa de “Renda Brasil” está morta. No mais, o Congresso está paralisado, em especial por causa da eleição do comando da Câmara.
Muito economista diz que a poupança acumulada na pandemia pode sustentar o consumo no início de 2021. Não quer dizer que todo mundo tenha algum dinheiro guardado, claro, mas que, no conjunto do país se ganhou mais do que se consumiu desde meados do ano, grosso modo. Essa poupança poderia compensar o fim dos auxílios e a insuficiência da renda do trabalho. Essa é a tese.
Se vai acontecer, são outros novecentos. Pessoas e empresas podem não gastar ainda por cautela (epidemia persistente, medo de desemprego etc.). Não sabemos.
Quanto ao emprego, nem por milagre serão recuperados os 9 milhões de postos de trabalho perdidos na epidemia _quer dizer, não até o final do primeiro trimestre de 2021. As pessoas com menos chance de conseguir trabalho são as que tendem a depender de emprego informal, as que mais sofreram nesta crise (sem carteira assinada, “por conta própria” sem CNPJ, o popular bico).
O arrocho por inércia, sem “reformas”, impediria a deterioração das condições financeiras (juros, dólar etc.). Além disso, a melhora nas condições financeiras no mundo já causou algum alívio por aqui. Vacinas e a solução da crise eleitoral americana ajudaram.
Mais dinheiro vai para os fundos que aplicam em países emergentes. Por tabela, parte dessa dinheirama pinga no Brasil. O dólar ficou mais barato, as taxas de juros no atacadão de dinheiro caíram, a Bolsa está animada.
Logo, não é desarrazoado especular que a economia pode evitar uma recaída no início de 2021, “tudo mais constante”, mesmo que mais gente seja largada na pobreza e na miséria. Sim, é horrível. É o que se pretende demonstrar.
Mesmo na hipótese de despiora branda, o cenário mais comum para 2021, o prestígio do governo pode azedar mais, porém. O desemprego vai crescer até pelo menos o fim do primeiro trimestre. A inflação continuará a subir até meados do ano, chegando a uns 5,5% anuais. Milhões de pessoas que perderão o auxílio estarão entre desamparadas e iradas, mesmo aquelas que ficarão com os R$ 200 mensais médios do Bolsa Família.A economia pode ir “bem”, não ter recaída, mas o povo mais miúdo vai levar um tombo.
Vinicius Torres Freire é jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).
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