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Quem ama não mata
A pacata Praia dos Ossos, que dá o nome a esse podcast, localizada em Búzios (RJ), foi palco de um dos mais famosos casos de feminicídio do Brasil. Em 1976, a socialite Ângela Diniz foi assassinada por seu namorado, Doca Street, com cinco tiros no rosto. O curioso neste caso foi o que aconteceu após o crime, nos três anos que se sucederam até o julgamento: de alguma forma, perante o povo e ao júri, Doca tornou-se a vítima. O podcast narrado pela jornalista Branca Vianna e produzido pela Rádio Novelo conta a história do assassinato, do julgamento e do relacionamento do casal. A pesquisa feita pela equipe é precisa, trazendo toda a história de vida de Ângela até chegar em seu relacionamento com Doca. Em um formato que mistura reportagem jornalística com radionovela, Praia dos Ossos consegue capturar o ouvinte em cada um de seus oito episódios.
O podcast começa com a descrição do crime e do primeiro julgamento - no qual, após três anos do assassinato, Doca Street é condenado à ridícula pena de um ano e seis meses de prisão. A sua defesa alegou, na época, que Doca teria matado a sua namorada com cinco tiros no rosto para resguardar sua honra. Isso porque Ângela, também conhecida como a “Pantera de Minas” era a clássica femme fatale, ou seja, uma mulher que fazia o que queria - e com isso acabou perdendo tudo - inclusive a vida.
O interessante do recorte que Praia dos Ossos faz é que, a partir do esmiuçamento do caso Ângela Diniz (que por muitos anos ficou conhecido como caso Doca Street), é escancarada a questão do feminicídio e como o movimento feminista foi importante para proteger as mulheres de seus próprios companheiros.
Pensando nos tempos atuais, creio que qualquer um que ouça o programa considerará incabível a justificativa de “legítima defesa da honra” dada pelo advogado de Doca. Ângela teria dito que queria se separar e, como isso feriu a honra de seu namorado, que legitimamente a defendeu, disparando cinco tiros no rosto de sua amada. Realmente, já para os anos 1970-80, esse pensamento parece ser extremamente ultrapassado. Só que não.
Temos um exemplo fresco, deste ano: o caso Mari Ferrer, que estourou nas redes ano passado e, há alguns meses, após o julgamento, voltou a fazer barulho. Mariana Ferrer foi estuprada em uma boate em Florianópolis por André de Camargo Aranha (para fazer o recorte de classe, aviso já que ambos são ricos, como no caso Ângela Diniz). Mari possuía todas as provas: sêmen identificado de Aranha em sua calcinha, exame de corpo delito e até vídeos dos dois juntos, naquela mesma noite. Mesmo assim, André Aranha foi absolvido e o que se alegou foi, como viralizou, “estupro culposo”. Não são bem esses termos que estão no processo, mas enfim, esta é a ideia. Estupro sem intenção de estuprar.
Por isso, e por tantos outros casos atuais, o podcast é extremamente importante. Mostra que, desde os anos 1980, o movimento feminista luta pela segurança das mulheres - dentro de suas próprias casas ou fora delas. Luta para que o amor da vida não as mate, não as estupre. E, apesar dos tantos ganhos (spoiler: em um segundo julgamento anos depois, com muita pressão da mulherada, Doca é condenado a 15 anos de encarceramento), ainda temos muito para caminhar. Saímos desses oito episódios de Praia dos Ossos, porém, com uma certeza, uma frase que há 40 anos reverbera nas mulheres brasileiras: quem ama não mata. (Por Teresa de Carvalho Magalhães em 05/12/2020)
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