Na sexta, 13/3, o caderno Eu&Fim de Semana publica um texto bem interessante de Cyro Andrade sobre a revista The Economist, considerada a “bíblia” do liberalismo econômico. Baseado na entrevista do jornalista com Alexander Zevin, autor de “Liberalism at Large - The World According to The Economist”, a reportagem segue abaixo, na íntegra:
Em comentário sobre a saída do Reino Unido da União Europeia (UE), afinal consumada no fim de janeiro, “The Economist” fala dos desafios a que agora o país se expõe, obrigado a mover-se por águas desconhecidas. Uma dúvida a revista não tem: para fazer essa navegação, em que deverá “recalibrar a economia e redefinir suas prioridades com visão estratégica, não mais por táticas de campanha”, o primeiro-ministro Boris Johnson “precisa de uma estrela-guia”, e esse ponto luminoso de orientação deve ser o liberalismo.
Talvez se possa dizer que “The Economist” tem sido, ela mesma, uma espécie de “estrela-guia”, já que “moldou o mundo habitado por seus leitores”, como nota Alexander Zevin em “Liberalism at Large - The World According to The Economist” (Verso, importado). E o fez integrando três campos de relacionamento, interesses e influências: a defesa intransigente do liberalismo; a ascendência sobre a City, o centro financeiro londrino; e como voz respeitada em diferentes esferas do poder de Estado.
“The Economist” professa no artigo: “A crença na liberdade como base da civilização, no Estado como servo do indivíduo e não vice-versa, e no livre intercâmbio de bens, serviços e opiniões, nasceu na Grã-Bretanha. Ajusta-se naturalmente a um caráter nacional que questiona a autoridade [pela primazia das leis] e tende ao pragmatismo, e não ao idealismo. Deu sustentação ao progresso do país nos séculos XIX e XX e se difundiu, para tornar-se a filosofia política dominante do mundo”. E adverte: “Agora [esse princípio] está ameaçado”. Brexit é sinônimo de riscos latentes variados, econômicos e políticos.
Em seu livro, Zevin conta, com o espírito crítico, a história intelectual de “The Economist” por meio de suas decisões editoriais comparadas a referências do pensamento e práticas de cunho liberal que a revista contribuiu para disseminar no Reino Unido, na Europa e, em certa medida, no mundo. Para tanto, Zevin, Ph.D. pela Universidade da Califórnia e professor de história na City University de Nova York, escolheu três campos de investigação específicos que estão ausentes das indagações sugeridas nos estudos do liberalismo clássico ou neles aparecem de forma isolada: como os liberais responderam à propagação da democracia, à expansão do império (primeiro, o britânico; depois, o americano) e ao aumento do poder financeiro transnacional?
São questões que se somam a dificuldades inerentes, ainda hoje, à própria conceituação de liberalismo, por isso mesmo aberta a variações de interpretação também encontradas em análises e opiniões de “The Economist”, quando não levam a contradições (inclusive da revista) que o livro igualmente expõe.
Zevin não nega, como diz em entrevista ao Valor, que suas inclinações ideológicas “possam ser parcialmente vislumbradas” no livro. Mas faz ressalvas: há um método em seu modo de contar a história do pensamento político e econômico no contexto da intercorrência de forças materiais, sociais e institucionais - “em oposição a conceitos que as ignoram”.
Evitando enredar-se nessa “armadilha em que caíram muitas interpretações do liberalismo, acadêmicas ou não”, ele tenta iluminar a vertente dominante desse segmento da filosofia político-econômica, assim considerada aquela em que “The Economist” se inscreve, “da maneira mais completa possível”, ao longo de quase dois séculos, comparativamente, e acompanhando seus movimentos através das fronteiras nacionais. “Essa é a prática intelectual em que me formei, em parte ao ler e escrever na e para a ‘New Left Review’ [onde hoje ele integra o conselho editorial] e pelo exemplo de muitos pensadores de talento que a adotaram a partir do princípio dos anos 1960.”
Zevin eleva “The Economist” à condição de referência fundamental, verdadeira pedra de toque, como diz, para se compreender questões deixadas sem respostas no arcabouço liberal vigente no Reino Unido no século XIX e depois. Aquele corpo ideológico central do liberalismo clássico, que empolgou as elites britânicas ao emergir na época de fundação da revista (1843), constituía uma agenda coerente e integrada, mas incompleta.
Combinava liberdades econômicas (o direito incondicional à propriedade privada; impostos reduzidos; nenhuma tarifa interna; livre-comércio externo) com liberdades políticas (a primazia da lei; igualdade civil; liberdade de imprensa e de reunião; carreiras abertas ao talento; governo eticamente responsável), mas nisso ficava. Restaram, porém, perguntas que Zevin leva para o livro, agrupadas naquelas três áreas em que concentra sua análise: democracia, império e finanças.
“The Economist”, diz Zevin, oferece um registro contínuo de confrontação entre o liberalismo clássico e os desafios implícitos nessas indagações - e o faz com excepcional êxito intelectual, em ondas de influência que hoje têm alcance mundial.
A leitura da revista “é um antídoto contra o ecletismo padrão da maior parte dos relatos de ideias liberais, que, tipicamente inclinados a ‘noyer le poisson’ [dizer muito e explicar pouco], como dizem os franceses, juntam tudo e seu oposto numa misturança que recua até pelo menos [Adam] Smith, se não a Locke ou até antes”. E, assim, pouco esclarecem.
A partir do momento em que o termo se tornou parte efetiva do discurso político, “The Economist” empunhou a bandeira do liberalismo e a defendeu vigorosamente, “às vezes um pouco adiante das mudanças ideológicas e outras, pouco atrás”, observa Zevin. “O que a história da ‘Economist’ revela é a corrente dominante do liberalismo, que teve outras, suas tributárias, mas nenhuma tão central e tão forte” como essa a que a revista se alinha e representa.
Para definir a si mesma, a revista se coloca na posição de “centro extremo”, expressão cunhada pelo barão Geoffrey Crowther (1907-1972), editor de 1938 a 1956, assim se mantendo fiel ao espírito dos “radicais”. O que essa opção significa, além da crença nas virtudes do livre-comércio e dos livres mercados?
No perfil publicado em seu site, lê-se que “The Economist”, inspirada no que disse Crowther em 1955, apoiou conservadores como Ronald Reagan (1911-2004) e Margaret Thatcher (1925-2013) e endossou as ações dos americanos no Vietnã. Mas também se pôs ao lado de Harold Wilson (1916-1995) e Bill Clinton e “aderiu a várias causas liberais, opondo-se à pena de morte desde os primeiros dias, enquanto defendia a reforma penal e a descolonização, bem como - mais recentemente - o controle de armas e o casamento gay”. Também apoiou - mas não diz - a derrubada do governo de Salvador Allende no Chile, golpes engendrados pela CIA na América Central e a invasão do Iraque.
E em 1964, como Zevin registra no livro, “The Economist” entregou, por força de circunstâncias inesperadas, a cobertura das atividades do governo militar no Brasil a um correspondente entusiasta das políticas econômicas então inauguradas. Foi a resposta conciliatória com que procurou encerrar a celeuma criada por um artigo em que responsabilizava João Goulart por sua própria queda, mas também criticava o “anticomunismo” de seus oponentes, acusando-os de mascarar a falta de disposição para admitir a gravidade dos problemas vividos pelo país. Falaram mais alto as muitas cartas iradas de assinantes simpáticos aos militares.
Durante a Guerra Fria, o conceito de “centro extremo”, abrindo espaços de expressão ora para um lado, ora para outro, serviu como um meio de ofuscação ideológica da revista, que Zevin exemplifica assim: se um governo de esquerda, eleito democraticamente, ameaçasse a segurança do capital, poderia ser removido - sob o argumento de que a escolha era entre deixar os comunistas entrarem, e depois a União Soviética, ou proteger a liberdade política e de investimento.
Zevin toma essa situação hipotética, mas realista em sentido ilustrativo, para observar, nesta entrevista, que não cabe julgar as posições assumidas pela revista em termos de “certo” ou “errado” como matéria de ordem moral ou por seus resultados, mas no quadro das relações dessas atitudes com o liberalismo e seu significado segundo a visão tripartite que ele propõe no livro, nos campos integrados da democracia, das finanças e do império.
Outras vezes, o “centro extremo” pode recomendar opiniões cautelosamente ambíguas sobre assuntos sujeitos a desdobramentos ainda nebulosos. Sobre as tendências privatizantes do governo brasileiro, por exemplo, a revista disse que “Jair Bolsonaro é um populista perigoso, com algumas boas ideias”.
O jornalista americano James Fallows, citado por Zevin, tomou a frase como demonstração da arrogância típica, em mais um momento de pretensa superioridade moral manifestada pela revista. A propósito: em outra passagem do livro, um ansioso novato, tentando redigir seu primeiro texto para a revista, pergunta como se escreve ao modo das normas da casa. Responde um editor veterano: “Simples. Faça de conta que você é Deus”.
Em sua busca das maneiras possíveis de conceituar e praticar o liberalismo “lato sensu”, ou “at large”, como diz o título do livro de Zevin, “The Economist” não parece se embaraçar ao tomar posição, ainda que involuntária, em questões transcendentes aos interesses mais diretos da City, tradicionalmente identificados com o liberalismo em suas várias formatações.
Não haveria mesmo, na verdade, como ignorar problemas em que a segurança reservada ao investimento por regulamentos de mercado é incluída entre os temas de discussão crítica do alto grau de financeirização hoje característica do capitalismo - com efeitos variados sobre o bem-estar de largas faixas da população em todo o mundo, por efeito da concentração de renda que acarreta.
As mudanças climáticas, por exemplo, mereceram uma edição inteira da revista. Da mesma forma, não têm faltado matérias a respeito da ascensão do populismo de direita ou aos problemas colocados pela crescente desigualdade de renda. A atual editora, Zanny Minton Beddoes, assinou uma “survey” especial sobre o assunto em 2012 e o abordou novamente em artigo comemorativo dos 175 anos da revista. Mas é de ceticismo o olhar sobre a importância do salário mínimo e de desconfiança sobre a real gravidade das estatísticas de desigualdade reunidas por Emmanuel Saez, Gabriel Zuchman, Thomas Piketty e outras da mesma linha.
“A questão a considerar é que tipo de soluções estão dispostos a contemplar e até que ponto essas propostas se afastam do padrão de reformas liberais (ou neoliberais) do período anterior a 2008”, diz Zevin, referindo-se à evidente falta de entusiasmo da revista para apoiar propostas de mudança mais incisivas, sobretudo na área financeira. Na sua opinião, o afastamento é “muito pequeno”.
Zevin cita exemplos de ideias que têm a simpatia da revista: legislação antimonopólio mais vigorosa, para fazer valer a concorrência; eliminação de brechas tributárias na remuneração de administradores financeiros e outras formas de evasão fiscal; um imposto sobre o carbono. Alguma flexibilidade de opinião também transparece na aceitação do uso heterodoxo de políticas fiscais para estimular a atividade econômica, a que o Banco da Inglaterra e outros bancos centrais recorreram como último recurso para enfrentar a recessão. Mas seus editores não gostam de imposto sobre a riqueza ou desmembramento de bancos [para torná-los menos resilientes em situações de crise].
“The Economist” não está sozinha na oposição, para não dizer indiferença, a aragens de revisão do pensamento econômico aceito sem restrições nas últimas décadas. Afinal, como diz Zevin, a revista é a representante da vertente dominante do liberalismo e, assim, da resistência dos liberais a mudanças que a esquerda propõe, “mesmo quando reconhecem a existência de alguns desses mesmos problemas”.
Zevin é crítico, não oculta suas posições políticas, mas procura manter-se imparcial, como se nota na linguagem narrativa que emprega ao longo das 544 páginas do livro. “Conscientemente, escrevi para que pessoas de várias inclinações ideológicas - esquerda, centro, direita e até mesmo os orgulhosos leitores da ‘Economist’ - pudessem entender, debater e, espero, apreciar a história das ideias que o livro conta.”
Em comentário sobre a saída do Reino Unido da União Europeia (UE), afinal consumada no fim de janeiro, “The Economist” fala dos desafios a que agora o país se expõe, obrigado a mover-se por águas desconhecidas. Uma dúvida a revista não tem: para fazer essa navegação, em que deverá “recalibrar a economia e redefinir suas prioridades com visão estratégica, não mais por táticas de campanha”, o primeiro-ministro Boris Johnson “precisa de uma estrela-guia”, e esse ponto luminoso de orientação deve ser o liberalismo.
Talvez se possa dizer que “The Economist” tem sido, ela mesma, uma espécie de “estrela-guia”, já que “moldou o mundo habitado por seus leitores”, como nota Alexander Zevin em “Liberalism at Large - The World According to The Economist” (Verso, importado). E o fez integrando três campos de relacionamento, interesses e influências: a defesa intransigente do liberalismo; a ascendência sobre a City, o centro financeiro londrino; e como voz respeitada em diferentes esferas do poder de Estado.
“The Economist” professa no artigo: “A crença na liberdade como base da civilização, no Estado como servo do indivíduo e não vice-versa, e no livre intercâmbio de bens, serviços e opiniões, nasceu na Grã-Bretanha. Ajusta-se naturalmente a um caráter nacional que questiona a autoridade [pela primazia das leis] e tende ao pragmatismo, e não ao idealismo. Deu sustentação ao progresso do país nos séculos XIX e XX e se difundiu, para tornar-se a filosofia política dominante do mundo”. E adverte: “Agora [esse princípio] está ameaçado”. Brexit é sinônimo de riscos latentes variados, econômicos e políticos.
Em seu livro, Zevin conta, com o espírito crítico, a história intelectual de “The Economist” por meio de suas decisões editoriais comparadas a referências do pensamento e práticas de cunho liberal que a revista contribuiu para disseminar no Reino Unido, na Europa e, em certa medida, no mundo. Para tanto, Zevin, Ph.D. pela Universidade da Califórnia e professor de história na City University de Nova York, escolheu três campos de investigação específicos que estão ausentes das indagações sugeridas nos estudos do liberalismo clássico ou neles aparecem de forma isolada: como os liberais responderam à propagação da democracia, à expansão do império (primeiro, o britânico; depois, o americano) e ao aumento do poder financeiro transnacional?
São questões que se somam a dificuldades inerentes, ainda hoje, à própria conceituação de liberalismo, por isso mesmo aberta a variações de interpretação também encontradas em análises e opiniões de “The Economist”, quando não levam a contradições (inclusive da revista) que o livro igualmente expõe.
Zevin não nega, como diz em entrevista ao Valor, que suas inclinações ideológicas “possam ser parcialmente vislumbradas” no livro. Mas faz ressalvas: há um método em seu modo de contar a história do pensamento político e econômico no contexto da intercorrência de forças materiais, sociais e institucionais - “em oposição a conceitos que as ignoram”.
Evitando enredar-se nessa “armadilha em que caíram muitas interpretações do liberalismo, acadêmicas ou não”, ele tenta iluminar a vertente dominante desse segmento da filosofia político-econômica, assim considerada aquela em que “The Economist” se inscreve, “da maneira mais completa possível”, ao longo de quase dois séculos, comparativamente, e acompanhando seus movimentos através das fronteiras nacionais. “Essa é a prática intelectual em que me formei, em parte ao ler e escrever na e para a ‘New Left Review’ [onde hoje ele integra o conselho editorial] e pelo exemplo de muitos pensadores de talento que a adotaram a partir do princípio dos anos 1960.”
Zevin eleva “The Economist” à condição de referência fundamental, verdadeira pedra de toque, como diz, para se compreender questões deixadas sem respostas no arcabouço liberal vigente no Reino Unido no século XIX e depois. Aquele corpo ideológico central do liberalismo clássico, que empolgou as elites britânicas ao emergir na época de fundação da revista (1843), constituía uma agenda coerente e integrada, mas incompleta.
Combinava liberdades econômicas (o direito incondicional à propriedade privada; impostos reduzidos; nenhuma tarifa interna; livre-comércio externo) com liberdades políticas (a primazia da lei; igualdade civil; liberdade de imprensa e de reunião; carreiras abertas ao talento; governo eticamente responsável), mas nisso ficava. Restaram, porém, perguntas que Zevin leva para o livro, agrupadas naquelas três áreas em que concentra sua análise: democracia, império e finanças.
“The Economist”, diz Zevin, oferece um registro contínuo de confrontação entre o liberalismo clássico e os desafios implícitos nessas indagações - e o faz com excepcional êxito intelectual, em ondas de influência que hoje têm alcance mundial.
A leitura da revista “é um antídoto contra o ecletismo padrão da maior parte dos relatos de ideias liberais, que, tipicamente inclinados a ‘noyer le poisson’ [dizer muito e explicar pouco], como dizem os franceses, juntam tudo e seu oposto numa misturança que recua até pelo menos [Adam] Smith, se não a Locke ou até antes”. E, assim, pouco esclarecem.
A partir do momento em que o termo se tornou parte efetiva do discurso político, “The Economist” empunhou a bandeira do liberalismo e a defendeu vigorosamente, “às vezes um pouco adiante das mudanças ideológicas e outras, pouco atrás”, observa Zevin. “O que a história da ‘Economist’ revela é a corrente dominante do liberalismo, que teve outras, suas tributárias, mas nenhuma tão central e tão forte” como essa a que a revista se alinha e representa.
Para definir a si mesma, a revista se coloca na posição de “centro extremo”, expressão cunhada pelo barão Geoffrey Crowther (1907-1972), editor de 1938 a 1956, assim se mantendo fiel ao espírito dos “radicais”. O que essa opção significa, além da crença nas virtudes do livre-comércio e dos livres mercados?
No perfil publicado em seu site, lê-se que “The Economist”, inspirada no que disse Crowther em 1955, apoiou conservadores como Ronald Reagan (1911-2004) e Margaret Thatcher (1925-2013) e endossou as ações dos americanos no Vietnã. Mas também se pôs ao lado de Harold Wilson (1916-1995) e Bill Clinton e “aderiu a várias causas liberais, opondo-se à pena de morte desde os primeiros dias, enquanto defendia a reforma penal e a descolonização, bem como - mais recentemente - o controle de armas e o casamento gay”. Também apoiou - mas não diz - a derrubada do governo de Salvador Allende no Chile, golpes engendrados pela CIA na América Central e a invasão do Iraque.
E em 1964, como Zevin registra no livro, “The Economist” entregou, por força de circunstâncias inesperadas, a cobertura das atividades do governo militar no Brasil a um correspondente entusiasta das políticas econômicas então inauguradas. Foi a resposta conciliatória com que procurou encerrar a celeuma criada por um artigo em que responsabilizava João Goulart por sua própria queda, mas também criticava o “anticomunismo” de seus oponentes, acusando-os de mascarar a falta de disposição para admitir a gravidade dos problemas vividos pelo país. Falaram mais alto as muitas cartas iradas de assinantes simpáticos aos militares.
Durante a Guerra Fria, o conceito de “centro extremo”, abrindo espaços de expressão ora para um lado, ora para outro, serviu como um meio de ofuscação ideológica da revista, que Zevin exemplifica assim: se um governo de esquerda, eleito democraticamente, ameaçasse a segurança do capital, poderia ser removido - sob o argumento de que a escolha era entre deixar os comunistas entrarem, e depois a União Soviética, ou proteger a liberdade política e de investimento.
Zevin toma essa situação hipotética, mas realista em sentido ilustrativo, para observar, nesta entrevista, que não cabe julgar as posições assumidas pela revista em termos de “certo” ou “errado” como matéria de ordem moral ou por seus resultados, mas no quadro das relações dessas atitudes com o liberalismo e seu significado segundo a visão tripartite que ele propõe no livro, nos campos integrados da democracia, das finanças e do império.
Outras vezes, o “centro extremo” pode recomendar opiniões cautelosamente ambíguas sobre assuntos sujeitos a desdobramentos ainda nebulosos. Sobre as tendências privatizantes do governo brasileiro, por exemplo, a revista disse que “Jair Bolsonaro é um populista perigoso, com algumas boas ideias”.
O jornalista americano James Fallows, citado por Zevin, tomou a frase como demonstração da arrogância típica, em mais um momento de pretensa superioridade moral manifestada pela revista. A propósito: em outra passagem do livro, um ansioso novato, tentando redigir seu primeiro texto para a revista, pergunta como se escreve ao modo das normas da casa. Responde um editor veterano: “Simples. Faça de conta que você é Deus”.
Em sua busca das maneiras possíveis de conceituar e praticar o liberalismo “lato sensu”, ou “at large”, como diz o título do livro de Zevin, “The Economist” não parece se embaraçar ao tomar posição, ainda que involuntária, em questões transcendentes aos interesses mais diretos da City, tradicionalmente identificados com o liberalismo em suas várias formatações.
Não haveria mesmo, na verdade, como ignorar problemas em que a segurança reservada ao investimento por regulamentos de mercado é incluída entre os temas de discussão crítica do alto grau de financeirização hoje característica do capitalismo - com efeitos variados sobre o bem-estar de largas faixas da população em todo o mundo, por efeito da concentração de renda que acarreta.
As mudanças climáticas, por exemplo, mereceram uma edição inteira da revista. Da mesma forma, não têm faltado matérias a respeito da ascensão do populismo de direita ou aos problemas colocados pela crescente desigualdade de renda. A atual editora, Zanny Minton Beddoes, assinou uma “survey” especial sobre o assunto em 2012 e o abordou novamente em artigo comemorativo dos 175 anos da revista. Mas é de ceticismo o olhar sobre a importância do salário mínimo e de desconfiança sobre a real gravidade das estatísticas de desigualdade reunidas por Emmanuel Saez, Gabriel Zuchman, Thomas Piketty e outras da mesma linha.
“A questão a considerar é que tipo de soluções estão dispostos a contemplar e até que ponto essas propostas se afastam do padrão de reformas liberais (ou neoliberais) do período anterior a 2008”, diz Zevin, referindo-se à evidente falta de entusiasmo da revista para apoiar propostas de mudança mais incisivas, sobretudo na área financeira. Na sua opinião, o afastamento é “muito pequeno”.
Zevin cita exemplos de ideias que têm a simpatia da revista: legislação antimonopólio mais vigorosa, para fazer valer a concorrência; eliminação de brechas tributárias na remuneração de administradores financeiros e outras formas de evasão fiscal; um imposto sobre o carbono. Alguma flexibilidade de opinião também transparece na aceitação do uso heterodoxo de políticas fiscais para estimular a atividade econômica, a que o Banco da Inglaterra e outros bancos centrais recorreram como último recurso para enfrentar a recessão. Mas seus editores não gostam de imposto sobre a riqueza ou desmembramento de bancos [para torná-los menos resilientes em situações de crise].
“The Economist” não está sozinha na oposição, para não dizer indiferença, a aragens de revisão do pensamento econômico aceito sem restrições nas últimas décadas. Afinal, como diz Zevin, a revista é a representante da vertente dominante do liberalismo e, assim, da resistência dos liberais a mudanças que a esquerda propõe, “mesmo quando reconhecem a existência de alguns desses mesmos problemas”.
Zevin é crítico, não oculta suas posições políticas, mas procura manter-se imparcial, como se nota na linguagem narrativa que emprega ao longo das 544 páginas do livro. “Conscientemente, escrevi para que pessoas de várias inclinações ideológicas - esquerda, centro, direita e até mesmo os orgulhosos leitores da ‘Economist’ - pudessem entender, debater e, espero, apreciar a história das ideias que o livro conta.”
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