Pedro Butcher resenhou para o Valor o novo filme do polêmico – e gênio – diretor Roman Polanski. Publicada na sexta, 13/3, a matéria segue abaixo.
O anúncio de que Roman Polanski concretizaria o antigo projeto de filmar o caso Dreyfus foi acompanhado de uma inevitável polêmica e de uma suspeita.
O cineasta provavelmente utilizaria sua arte e seu prestígio para se apropriar de um episódio histórico e realizar uma autodefesa velada. Afinal, o “affair” Dreyfus, que abalou a França em 1894, persiste como um dos mais notórios exemplos de injustiça, enquanto Polanski se diz, ele mesmo, vítima de perseguição por conta da condenação por estupro, em 1977.
Diferentemente, por exemplo, de “A Pele de Vênus” (2013), que Polanski salpicou com lamentáveis comentários irônicos relacionados à sua própria situação, “O Oficial e o Espião” não traz evidências explícitas de uma vitimização complacente, ainda que o fato de estar falando de injustiça possa, por si só, ser considerado uma alusão à versão do diretor para sua “infâmia” pessoal.
“O Oficial e o Espião” recria, ficcionalmente, o escândalo da condenação do capitão do Exército francês Alfred Dreyfus (1859-1935), acusado de espionagem em 1894. O processo revelou-se uma farsa movida por um profundo antissemitismo, só esclarecida em 1906.
No filme, curiosamente, Dreyfus (interpretado por um irreconhecível Louis Garrel) é coadjuvante de sua própria história. A narrativa é toda conduzida por Georges Picquart (Jean Dujardin), o coronel que teve a audácia de investigar e tornar público as falhas do processo. Mesmo com o apoio da imprensa e de parte da elite intelectual - o escritor Émile Zola publicou o famoso artigo “J’Accuse!”, em defesa de Dreyfus -, Picquart chegou a ser difamado e preso, e Dreyfus custou a ser solto e inocentado.
Esse deslocamento de protagonismo talvez seja parte do esforço de Polanski de distanciar possíveis identificações, ao mesmo tempo em que encontra para o filme um herói afeito aos arcos narrativos convencionais (afinal, Dreyfus passou a maior parte do tempo preso e isolado). Além disso, o diretor imprime ao filme um tom caricatural que não raro faz “O Oficial e o Espião” parecer uma versão animada das ilustrações dos jornais da época.
Esse caminho transforma “O Oficial e o Espião” em uma espécie de oposto de “O Pianista”. Nesse filme de 2002, também inspirado em uma história real, Polanski acompanha um pianista judeu que conseguiu escapar da morte durante a Segunda Guerra Mundial vivendo, por anos, em fuga ou escondido.
Ao se agarrar ao seu protagonista, “O Pianista” se tornou um filme único, em que a guerra é vista através de brechas ou percebida fora de campo. “O Oficial e o Espião”, nesse aspecto, não traz novidades. Seu impacto se limita àquilo que é mais fácil: a evidência de uma injustiça profunda.
O anúncio de que Roman Polanski concretizaria o antigo projeto de filmar o caso Dreyfus foi acompanhado de uma inevitável polêmica e de uma suspeita.
O cineasta provavelmente utilizaria sua arte e seu prestígio para se apropriar de um episódio histórico e realizar uma autodefesa velada. Afinal, o “affair” Dreyfus, que abalou a França em 1894, persiste como um dos mais notórios exemplos de injustiça, enquanto Polanski se diz, ele mesmo, vítima de perseguição por conta da condenação por estupro, em 1977.
Diferentemente, por exemplo, de “A Pele de Vênus” (2013), que Polanski salpicou com lamentáveis comentários irônicos relacionados à sua própria situação, “O Oficial e o Espião” não traz evidências explícitas de uma vitimização complacente, ainda que o fato de estar falando de injustiça possa, por si só, ser considerado uma alusão à versão do diretor para sua “infâmia” pessoal.
“O Oficial e o Espião” recria, ficcionalmente, o escândalo da condenação do capitão do Exército francês Alfred Dreyfus (1859-1935), acusado de espionagem em 1894. O processo revelou-se uma farsa movida por um profundo antissemitismo, só esclarecida em 1906.
No filme, curiosamente, Dreyfus (interpretado por um irreconhecível Louis Garrel) é coadjuvante de sua própria história. A narrativa é toda conduzida por Georges Picquart (Jean Dujardin), o coronel que teve a audácia de investigar e tornar público as falhas do processo. Mesmo com o apoio da imprensa e de parte da elite intelectual - o escritor Émile Zola publicou o famoso artigo “J’Accuse!”, em defesa de Dreyfus -, Picquart chegou a ser difamado e preso, e Dreyfus custou a ser solto e inocentado.
Esse deslocamento de protagonismo talvez seja parte do esforço de Polanski de distanciar possíveis identificações, ao mesmo tempo em que encontra para o filme um herói afeito aos arcos narrativos convencionais (afinal, Dreyfus passou a maior parte do tempo preso e isolado). Além disso, o diretor imprime ao filme um tom caricatural que não raro faz “O Oficial e o Espião” parecer uma versão animada das ilustrações dos jornais da época.
Esse caminho transforma “O Oficial e o Espião” em uma espécie de oposto de “O Pianista”. Nesse filme de 2002, também inspirado em uma história real, Polanski acompanha um pianista judeu que conseguiu escapar da morte durante a Segunda Guerra Mundial vivendo, por anos, em fuga ou escondido.
Ao se agarrar ao seu protagonista, “O Pianista” se tornou um filme único, em que a guerra é vista através de brechas ou percebida fora de campo. “O Oficial e o Espião”, nesse aspecto, não traz novidades. Seu impacto se limita àquilo que é mais fácil: a evidência de uma injustiça profunda.
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