Filipe Barini escreve uma boa análise na revista Época, publicada na sexta, 6/3, sobre a definição do candidato Democrata para a eleição nos Estados Unidos. Agora a disputa está entre Biden e Sanders, uma vez que Warren e Bloomberg desistiram de concorrer. Escreve Barini: Joe Biden, de 77 anos, é um político experiente e famoso tanto por ter sido ex-vice-presidente de Barack Obama nos dois mandatos como pelas gafes ao longo da carreira. No começo da primeira semana de março, ele disse estar ansioso pela “Superquinta”. Um dos pré-candidatos democratas à Presidência, Biden vinha até o momento fazendo uma campanha com resultados, em sua maioria, medíocres. No estado de Iowa, onde as prévias começaram em fevereiro, ficou em quarto lugar. Nas duas seguintes, viu seu rival Bernie Sanders disparar. Na Carolina do Sul, chegou na frente, mas as dúvidas sobre sua viabilidade política persistiam. Biden estava certo ao mostrar ansiedade. Mas o momento tão esperado não era a quinta-feira, dia 5. A expectativa estava toda no que aconteceria dois dias antes, na “Superterça”, quando o Partido Democrata organizaria votações em 14 estados. Mesmo errando a data, contados os votos, Biden sagrou-se como o grande vencedor — levou dez estados e passou na frente na contagem geral de delegados eleitos.
A vitória inesperada até mesmo para sua equipe o recolocou na corrida para ser o cabeça de chapa e reacendeu o debate sobre qual será o melhor candidato democrata para bater o republicano Donald Trump, que buscará a reeleição em novembro. Salvo alguma reviravolta até o final das prévias em junho, a disputa dos democratas está mesmo entre Biden, um representante de centro no espectro político americano, e Sanders, um político autoproclamado socialista, que encabeça a ala bem à esquerda.
Biden se beneficiou com apoios antes e depois da “Superterça”. Na véspera, Pete Buttigieg e Amy Klobuchar, outros dois pré-candidatos, haviam abandonado suas campanhas e ficado ao lado de Biden, o mesmo roteiro seguido pelo bilionário Michael Bloomberg após a divulgação dos resultados.
No campo da esquerda também houve deserções. Um dia depois da saída de Bloomberg da corrida, a pré-candidata Elizabeth Warren desistiu da disputa, em que apresentava fraco desempenho — ela havia perdido até mesmo no estado de Massachusetts, sua base eleitoral. Até o fechamento desta edição, Warren ainda não havia se pronunciado sobre o apoio a algum dos candidatos do partido.
Para os mandachuvas do Partido Democrata não há dúvida de que Biden é a melhor opção para fazer frente às ideias de Trump. Como um bom moderado, ele teria, segundo essas pessoas, duas vantagens. Atrairia os eleitores independentes que querem apear os republicanos do poder e, ao mesmo tempo, não assustaria os republicanos a ponto de motivá-los a ir votar no dia da eleição. Já quem defende a candidatura de Sanders costuma dizer que apenas ele desperta a paixão dos jovens e ativistas democratas — sem contar que tem energia e repertório para fazer frente à verborragia de Trump.
Veterano senador de 78 anos, Sanders tenta pela segunda vez consecutiva concorrer à Presidência. Em 2016, surpreendeu Hillary Clinton ao levar a briga até as últimas primárias, um cenário que deverá se repetir neste ano. Na Superterça, seu prêmio de consolação foi ter vencido na Califórnia, maior colégio eleitoral do país. Sanders tem uma plataforma focada na ideia de um sistema universal de saúde e o perdão da dívida contraída para pagar universidades. Até aqui, tem se saído bem entre os latinos.
Em artigo para a revista The Atlantic, o estrategista político Kristian Ramos lembra que, em 2016, os democratas receberam 65% dos votos dos latinos e estima ser necessário obter até 70% nessa parcela para ter alguma chance de vitória. Mas argumenta que os latinos não são um grupo homogêneo. Os moradores de áreas de fronteira, como o Texas, se preocupam com questões como a imigração, ponto tido por eles como negativo do atual governo. Na Flórida, a comunidade de ascendência cubana tende a ser mais conservadora, e comentários vistos como favoráveis a Havana, como os feitos recentemente por Sanders envolvendo Fidel Castro, são tóxicos.
Biden tem no eleitorado negro um de seus pilares. Ele foi crucial na retomada de sua campanha, especialmente nos estados de Carolina do Sul, Tennessee e Alabama. O ex-vice aposta em sua relação com Obama, mesmo sem seu endosso formal, como prova de que vai investir em políticas para uma parcela da população que se considera negligenciada. Na eleição de 2016, Hillary conquistou 88% dos votos dos negros, mas perdeu em alguns estados justamente pelo baixo comparecimento deles às urnas. Em artigo para o The New York Times, Karthik Balasubramanian, especialista em sistemas de informação que trabalhou nas campanhas de Obama em 2008 e 2012, citou alguns números que poderiam ter virado o jogo. Ele apontou que na Flórida 1,08 milhão de eleitores negros não foram votar — Hillary perdeu por 108 mil votos. No Michigan e na Pensilvânia, onde quase 400 mil se ausentaram, Trump venceu por margens mínimas, de menos de 50 mil votos. Para Balasubramanian, os democratas não estão fazendo o suficiente para incentivar o voto. Algo que Trump, em sua visão, está.
Em janeiro, a campanha do republicano anunciou a abertura de 15 escritórios em distritos predominantemente negros na Flórida e na Pensilvânia, dois dos chamados “swing states”, locais que não seguem uma tendência partidária histórica e decidem eleições mais apertadas. Trump não tem a expectativa de vencer nessa parcela do eleitorado, onde teve apenas 8% dos votos em 2016, mas sim de melhorar seus números. Em entrevista ao New York Times, a diretora de um grupo progressista, o BlackPAC, disse que o presidente “está desesperado pelo apoio dos negros”, reconhecendo que muitos o veem simplesmente como “um racista”, mas que outros podem votar nele. Mais otimista, Brad Parscale, chefe da campanha à reeleição, vê espaço para dobrar os votos de 2016.
Pelo histórico das eleições americanas, a responsabilidade de ganhar é de Trump. Desde George Washington, o primeiro presidente americano, apenas em nove eleições em que o presidente tentou um segundo mandato isso não aconteceu. O último foi George W. Bush, em 1992, derrotado pelo democrata Bill Clinton, que, por sua vez, ficaria oito anos no cargo. Mas as condições eram bem diferentes. A economia, sempre um tema central, enfrentava uma recessão, e o Partido Republicano estava longe de estar unido. Ainda havia um terceiro candidato competitivo, o bilionário independente Ross Perot, que terminou com quase 20% do voto popular e cujo impacto na corrida é alvo de debates acalorados até hoje.
O comportamento de Trump leva a crer que o candidato mais temido por ele é Biden. O processo de impeachment contra Trump, que acabou em nada devido aos votos de senadores republicanos, foi centrado na pressão sobre o governo da Ucrânia por uma investigação sobre a participação do filho de Biden, Hunter, na empresa Burisma, que atua no setor de energia. Em depoimentos, algumas testemunhas confirmaram que o objetivo era levantar supostas “sujeiras” contra o democrata que pudessem ser usadas em um eventual embate. Para Trump, bastaria os ucranianos anunciarem o início das investigações, o que acabou não acontecendo.
Pelas redes sociais, o presidente americano mostra que segue de perto o que acontece na oposição. Depois de anunciar sua saída, Bloomberg, o “mini Mike”, nas palavras de Trump, foi alvo de ironias por ter gastado centenas de milhões de dólares na pré-campanha. Antes o presidente já havia inventado apelidos para Sanders (“Crazy Bernie”, ou “Bernie Louco”) e Biden (“Sleepy Joe”, ou “Joe Sonolento”). Divulgados os resultados da Superterça, parece que Biden, finalmente, acordou.
A vitória inesperada até mesmo para sua equipe o recolocou na corrida para ser o cabeça de chapa e reacendeu o debate sobre qual será o melhor candidato democrata para bater o republicano Donald Trump, que buscará a reeleição em novembro. Salvo alguma reviravolta até o final das prévias em junho, a disputa dos democratas está mesmo entre Biden, um representante de centro no espectro político americano, e Sanders, um político autoproclamado socialista, que encabeça a ala bem à esquerda.
Biden se beneficiou com apoios antes e depois da “Superterça”. Na véspera, Pete Buttigieg e Amy Klobuchar, outros dois pré-candidatos, haviam abandonado suas campanhas e ficado ao lado de Biden, o mesmo roteiro seguido pelo bilionário Michael Bloomberg após a divulgação dos resultados.
No campo da esquerda também houve deserções. Um dia depois da saída de Bloomberg da corrida, a pré-candidata Elizabeth Warren desistiu da disputa, em que apresentava fraco desempenho — ela havia perdido até mesmo no estado de Massachusetts, sua base eleitoral. Até o fechamento desta edição, Warren ainda não havia se pronunciado sobre o apoio a algum dos candidatos do partido.
Para os mandachuvas do Partido Democrata não há dúvida de que Biden é a melhor opção para fazer frente às ideias de Trump. Como um bom moderado, ele teria, segundo essas pessoas, duas vantagens. Atrairia os eleitores independentes que querem apear os republicanos do poder e, ao mesmo tempo, não assustaria os republicanos a ponto de motivá-los a ir votar no dia da eleição. Já quem defende a candidatura de Sanders costuma dizer que apenas ele desperta a paixão dos jovens e ativistas democratas — sem contar que tem energia e repertório para fazer frente à verborragia de Trump.
Veterano senador de 78 anos, Sanders tenta pela segunda vez consecutiva concorrer à Presidência. Em 2016, surpreendeu Hillary Clinton ao levar a briga até as últimas primárias, um cenário que deverá se repetir neste ano. Na Superterça, seu prêmio de consolação foi ter vencido na Califórnia, maior colégio eleitoral do país. Sanders tem uma plataforma focada na ideia de um sistema universal de saúde e o perdão da dívida contraída para pagar universidades. Até aqui, tem se saído bem entre os latinos.
Em artigo para a revista The Atlantic, o estrategista político Kristian Ramos lembra que, em 2016, os democratas receberam 65% dos votos dos latinos e estima ser necessário obter até 70% nessa parcela para ter alguma chance de vitória. Mas argumenta que os latinos não são um grupo homogêneo. Os moradores de áreas de fronteira, como o Texas, se preocupam com questões como a imigração, ponto tido por eles como negativo do atual governo. Na Flórida, a comunidade de ascendência cubana tende a ser mais conservadora, e comentários vistos como favoráveis a Havana, como os feitos recentemente por Sanders envolvendo Fidel Castro, são tóxicos.
Biden tem no eleitorado negro um de seus pilares. Ele foi crucial na retomada de sua campanha, especialmente nos estados de Carolina do Sul, Tennessee e Alabama. O ex-vice aposta em sua relação com Obama, mesmo sem seu endosso formal, como prova de que vai investir em políticas para uma parcela da população que se considera negligenciada. Na eleição de 2016, Hillary conquistou 88% dos votos dos negros, mas perdeu em alguns estados justamente pelo baixo comparecimento deles às urnas. Em artigo para o The New York Times, Karthik Balasubramanian, especialista em sistemas de informação que trabalhou nas campanhas de Obama em 2008 e 2012, citou alguns números que poderiam ter virado o jogo. Ele apontou que na Flórida 1,08 milhão de eleitores negros não foram votar — Hillary perdeu por 108 mil votos. No Michigan e na Pensilvânia, onde quase 400 mil se ausentaram, Trump venceu por margens mínimas, de menos de 50 mil votos. Para Balasubramanian, os democratas não estão fazendo o suficiente para incentivar o voto. Algo que Trump, em sua visão, está.
Em janeiro, a campanha do republicano anunciou a abertura de 15 escritórios em distritos predominantemente negros na Flórida e na Pensilvânia, dois dos chamados “swing states”, locais que não seguem uma tendência partidária histórica e decidem eleições mais apertadas. Trump não tem a expectativa de vencer nessa parcela do eleitorado, onde teve apenas 8% dos votos em 2016, mas sim de melhorar seus números. Em entrevista ao New York Times, a diretora de um grupo progressista, o BlackPAC, disse que o presidente “está desesperado pelo apoio dos negros”, reconhecendo que muitos o veem simplesmente como “um racista”, mas que outros podem votar nele. Mais otimista, Brad Parscale, chefe da campanha à reeleição, vê espaço para dobrar os votos de 2016.
Pelo histórico das eleições americanas, a responsabilidade de ganhar é de Trump. Desde George Washington, o primeiro presidente americano, apenas em nove eleições em que o presidente tentou um segundo mandato isso não aconteceu. O último foi George W. Bush, em 1992, derrotado pelo democrata Bill Clinton, que, por sua vez, ficaria oito anos no cargo. Mas as condições eram bem diferentes. A economia, sempre um tema central, enfrentava uma recessão, e o Partido Republicano estava longe de estar unido. Ainda havia um terceiro candidato competitivo, o bilionário independente Ross Perot, que terminou com quase 20% do voto popular e cujo impacto na corrida é alvo de debates acalorados até hoje.
O comportamento de Trump leva a crer que o candidato mais temido por ele é Biden. O processo de impeachment contra Trump, que acabou em nada devido aos votos de senadores republicanos, foi centrado na pressão sobre o governo da Ucrânia por uma investigação sobre a participação do filho de Biden, Hunter, na empresa Burisma, que atua no setor de energia. Em depoimentos, algumas testemunhas confirmaram que o objetivo era levantar supostas “sujeiras” contra o democrata que pudessem ser usadas em um eventual embate. Para Trump, bastaria os ucranianos anunciarem o início das investigações, o que acabou não acontecendo.
Pelas redes sociais, o presidente americano mostra que segue de perto o que acontece na oposição. Depois de anunciar sua saída, Bloomberg, o “mini Mike”, nas palavras de Trump, foi alvo de ironias por ter gastado centenas de milhões de dólares na pré-campanha. Antes o presidente já havia inventado apelidos para Sanders (“Crazy Bernie”, ou “Bernie Louco”) e Biden (“Sleepy Joe”, ou “Joe Sonolento”). Divulgados os resultados da Superterça, parece que Biden, finalmente, acordou.
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