Erudição e originalidade marcam Rock Romance de Paulo Henrique Ferreira
Em tempos de coronavírus, Álbum Duplo – um Rock Romance é uma leitura reconfortante. Também seria se não houvesse uma pandemia provocando o caos na vida social em boa parte do planeta, pois o jornalista Paulo Henrique Ferreira acertou a mão em seu livro de estreia. Resenhar a obra de um cliente e amigo é um belo desafio, mas acontece que o livro é excelente e vale a dica. Em primeiro lugar, a construção da narrativa é muito original: em cada capítulo há uma trilha sonora recomendada, que vai aparecendo como referência do protagonista e narrador, basicamente clássicos do Rock and Roll, mas não apenas. As canções não são aleatórias, ao contrário, foram escolhidas com o propósito de conduzir o leitor a uma viagem que até o final do livro parece sem possibilidade de retorno. De alta qualidade, a trilha embala a trajetória de Marlo Riogrande, um jovem que após magoar – e perder – a namorada, inicia um mergulho ao fundo do poço moral e espiritual.
Além da vida loka a que passa a se dedicar com afinco, incluindo consumo de drogas e álcool, caça a mulheres, muito sexo fácil e superficial, pago ou não, o protagonista de PH Ferreira se depara com um ambiente de trabalho deprimente, no qual a mediocridade impera. Em alguns momentos, chega a ser aflitivo acompanhar a decadência de Marlo, tamanha a desesperança que o autor consegue imprimir à trajetória de seu protagonista. Narrado em primeira pessoa de uma forma bastante incomum – é quase um diálogo com quem está lendo -, o jornalista consegue trazer o leitor para o drama na base do “papo reto”, como diriam os jovens de hoje. Marlo narra sua miséria como se estivesse conversando ao pé do ouvido, contando segredos de liquidificador, na expressão cunhada por Cazuza em Codinome Beija-Flor.
A descida do protagonista ao inferno da alma não conta apenas com o suporte das cinco dezenas de canções indicadas, mas também de citações sempre pertinentes da literatura e menções a diversos filmes – alguns exemplares paradigmáticos da cultura pop ou rock and roll, como Cães de Aluguel, de Quentin Tarantino, outros nem tanto –, e por fim, o que em um primeiro momento pode causar estranheza, dos textos bíblicos. Pelas referências que apresenta pela voz de Marlo, PH é um bom leitor dos clássicos e conhecedor da história da Bíblia e outros textos sagrados. A erudição que se apresenta ao longo da leitura chama atenção, até por contraste em relação ao jeito despachado de Marlo narrar a sua história.
O desamparo e falta de vislumbre de uma saída razoável para o protagonista talvez encontre seu ápice na passagem em que Marlo toma um drinque com uma prostituta e cada qual conta um pouco de suas vidas sem sentido. Sim, a conclusão é a de que o fundo do poço sempre pode ser ainda mais fundo, e assim o autor inicia o resgate do leitor deste lugar sem luz, sem perspectiva, sem amor, sem coisa alguma.
O desfecho do romance é fundamental na obra – sem spoilers aqui. Talvez poucos percebam o ardil, ou a manobra, que o autor emprega para mostrar que, apesar do inferno de cada um, há sim a possibilidade – cristã, fundamentalmente cristã – de uma redenção, de recomeço. PH, como o autor destas linhas, é admirador do grande escritor mineiro Fernando Sabino, há muito de O Encontro Marcado em Álbum Duplo. Portanto, nada como terminar com as palavras de Sabino nesses tempos tão complicados:
De tudo ficaram três coisas:
A certeza de que estamos começando
A certeza de que é preciso continuar
A certeza de que podemos ser interrompidos
antes de terminar
Façamos da interrupção um caminho novo
Da queda, um passo de dança
Do medo, uma escada
Do sonho, uma ponte
Da procura, um encontro!
E #ficaadica! Por Luiz Antonio Magalhães em 13/3/20.
Em tempos de coronavírus, Álbum Duplo – um Rock Romance é uma leitura reconfortante. Também seria se não houvesse uma pandemia provocando o caos na vida social em boa parte do planeta, pois o jornalista Paulo Henrique Ferreira acertou a mão em seu livro de estreia. Resenhar a obra de um cliente e amigo é um belo desafio, mas acontece que o livro é excelente e vale a dica. Em primeiro lugar, a construção da narrativa é muito original: em cada capítulo há uma trilha sonora recomendada, que vai aparecendo como referência do protagonista e narrador, basicamente clássicos do Rock and Roll, mas não apenas. As canções não são aleatórias, ao contrário, foram escolhidas com o propósito de conduzir o leitor a uma viagem que até o final do livro parece sem possibilidade de retorno. De alta qualidade, a trilha embala a trajetória de Marlo Riogrande, um jovem que após magoar – e perder – a namorada, inicia um mergulho ao fundo do poço moral e espiritual.
Além da vida loka a que passa a se dedicar com afinco, incluindo consumo de drogas e álcool, caça a mulheres, muito sexo fácil e superficial, pago ou não, o protagonista de PH Ferreira se depara com um ambiente de trabalho deprimente, no qual a mediocridade impera. Em alguns momentos, chega a ser aflitivo acompanhar a decadência de Marlo, tamanha a desesperança que o autor consegue imprimir à trajetória de seu protagonista. Narrado em primeira pessoa de uma forma bastante incomum – é quase um diálogo com quem está lendo -, o jornalista consegue trazer o leitor para o drama na base do “papo reto”, como diriam os jovens de hoje. Marlo narra sua miséria como se estivesse conversando ao pé do ouvido, contando segredos de liquidificador, na expressão cunhada por Cazuza em Codinome Beija-Flor.
A descida do protagonista ao inferno da alma não conta apenas com o suporte das cinco dezenas de canções indicadas, mas também de citações sempre pertinentes da literatura e menções a diversos filmes – alguns exemplares paradigmáticos da cultura pop ou rock and roll, como Cães de Aluguel, de Quentin Tarantino, outros nem tanto –, e por fim, o que em um primeiro momento pode causar estranheza, dos textos bíblicos. Pelas referências que apresenta pela voz de Marlo, PH é um bom leitor dos clássicos e conhecedor da história da Bíblia e outros textos sagrados. A erudição que se apresenta ao longo da leitura chama atenção, até por contraste em relação ao jeito despachado de Marlo narrar a sua história.
O desamparo e falta de vislumbre de uma saída razoável para o protagonista talvez encontre seu ápice na passagem em que Marlo toma um drinque com uma prostituta e cada qual conta um pouco de suas vidas sem sentido. Sim, a conclusão é a de que o fundo do poço sempre pode ser ainda mais fundo, e assim o autor inicia o resgate do leitor deste lugar sem luz, sem perspectiva, sem amor, sem coisa alguma.
O desfecho do romance é fundamental na obra – sem spoilers aqui. Talvez poucos percebam o ardil, ou a manobra, que o autor emprega para mostrar que, apesar do inferno de cada um, há sim a possibilidade – cristã, fundamentalmente cristã – de uma redenção, de recomeço. PH, como o autor destas linhas, é admirador do grande escritor mineiro Fernando Sabino, há muito de O Encontro Marcado em Álbum Duplo. Portanto, nada como terminar com as palavras de Sabino nesses tempos tão complicados:
De tudo ficaram três coisas:
A certeza de que estamos começando
A certeza de que é preciso continuar
A certeza de que podemos ser interrompidos
antes de terminar
Façamos da interrupção um caminho novo
Da queda, um passo de dança
Do medo, uma escada
Do sonho, uma ponte
Da procura, um encontro!
E #ficaadica! Por Luiz Antonio Magalhães em 13/3/20.
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