Pular para o conteúdo principal

Ensaio Sobre a Cegueira vira best-seller durante a pandemia

Tamara Nassif  informa na Veja que o romance de José Saramago sobre doença fictícia que leva à perda da visão entra na lista de mais vendidos no embalo da crise do coronavírus.

Uma cegueira branca, viral, se alastra pela cidade fictícia de José Saramago e instaura o caos. É instituída uma quarentena com poucos recursos governamentais para cuidar dos infectados, mas a força da epidemia implode as medidas de contenção. O mundo se torna cego, à exceção de uma mulher inominada que testemunha os horrores de uma humanidade posta à prova: egoísmo, ganância, autoritarismo e violência sexual campeiam em meio ao caos.
Não é difícil adivinhar as razões da súbita ressurreição de Ensaio Sobre A Cegueira na lista dos Livros Mais Vendidos de VEJA. Publicado em 1995 e transformado num filme de sucesso de 2008 dirigido por Fernando Meirelles, o romance aparece na nona posição da categoria ficção desta semana. A disparada nas vendas não se deve, obviamente, só à qualidade literária que consagrou o escritor português com o Nobel de Literatura. Em tempos de coronavírus, quarentenas e isolamento social, a obra de Saramago ganhou uma curiosa ressonância na vida real.
A explosão repentina é indício de uma busca por respostas diante das incertezas e ansiedades dos últimos dias. No livro, como no mundo e no Brasil de hoje, egoísmo, negacionismo (inclusive de autoridades), recursos governamentais limitados e estocagem de alimentos e remédios dão o tom. A pandemia de cá aos poucos vai ganhando dramáticas semelhanças com o cenário apocalíptico de lá.
Em tempos de crise, não é incomum a explosão de vendas de clássicos literários capazes de trazer alguma luz aos leitores. Desde o ano passado, distopias como O Conto de Aia, de Margaret Atwood, 1984 e Revolução dos Bichos, de George Orwell, e Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, estabeleceram um duradouro reinado na lista de mais vendidos. A popularidade desses títulos é uma forma de buscar, na sabedoria dos grandes autores, lições para resistir ao avanço da extrema-direita na política mundial. Não à toa, os quatro títulos estão constantemente entre os dez livros de Ficção mais vendidos do Brasil – inclusive esta semana.
Agora, é bem provável que se esteja diante de uma nova onda. O sucesso de livros que espelham as angústias com o coronavírus pode estar só começando – e, pelo jeito, eles vão ficar em alta por um bom tempo.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And...

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda...

Dúvida atroz

A difícil situação em que se encontra hoje o presidente da República, com 51% de avaliação negativa do governo, 54% favoráveis ao impeachment e rejeição eleitoral batendo na casa dos 60%, anima e ao mesmo tempo impõe um dilema aos que articulam candidaturas ditas de centro: bater em quem desde já, Lula ou Bolsonaro?  Há quem já tenha a resposta, como Ciro Gomes (PDT). Há também os que concordam com ele e vejam o ex-presidente como alvo preferencial. Mas há quem prefira investir prioritariamente no derretimento do atual, a ponto de tornar a hipótese de uma desistência — hoje impensável, mas compatível com o apreço presidencial pelo teatro da conturbação — em algo factível. Ao que tudo indica, só o tempo será capaz de construir um consenso. Se for possível chegar a ele, claro. Por ora, cada qual vai seguindo a sua trilha. Os dois personagens posicionados na linha de tiro devido à condição de preferidos nas pesquisas não escondem o desejo de se enfrentar sem os empecilhos de terceira,...