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Eleições americanas: Biden triunfa nas primárias de Michigan e impõe um duro golpe a Sanders

Reportagem de Pablo Guimón no El País, publicada em 11/3, traz uma boa análise da disputa democrata e do renascimento de Joe Biden na corrida rumo à Casa Branca. Abaixo a íntegra da matéria:

O ex-vice-presidente Joe Biden derrotou nesta terça-feira o senador Bernie Sanders em Michigan, em uma noite que se tornou outra poderosa vitória para uma campanha que há apenas duas semanas era vista quase como encerrada. O candidato centrista, já transformado em franco favorito a assumir a candidatura, desfere assim um golpe crítico para as aspirações de seu rival esquerdista. Biden também ganhou no Missouri, Mississippi e Idaho, outros três dos seis Estados que votaram nesta terça-feira. Tratava-se da jornada mais importante desde a Superterça, uma semana antes, quando se confirmou a reviravolta no processo de escolha do candidato democrata que enfrentará Donald Trump nas eleições presidenciais de novembro.
O foco de ambos nesta terça era Michigan, não só por ser o Estado com mais delegados a oferecer neste dia (125), mas também pelo valor simbólico que encerra: a vitória de Sanders ali, em 2016, deu uma injeção de credibilidade na sua campanha e foi um duro golpe em Hillary Clinton, embora esta tenha se tornado, no fim, a candidata. Além disso, nas eleições presidenciais de quatro anos atrás Donald Trump se impôs neste Estado por uma margem tão ajustada (apenas 10.000 votos) que os democratas buscavam uma demonstração de força que indique sua capacidade de vencer em Michigan em novembro. Sanders partia como favorito em Michigan, mas o renovado vigor de Biden lhe tirou uma vitória que teria sido crucial para que o senador conseguisse reverter a tendência na corrida pela indicação que lhe escapa.
A vitória de Biden no Mississippi (36 delegados), um Estado com uma grande população afro-americana, na qual o ex-vice-presidente está demonstrando muita força, era tida como praticamente certa. Já o desempenho em Missouri (68), com uma população afro-americana destacada, mas menor, e áreas urbanas com muitos trabalhadores sindicalizados que poderiam favorecer Sanders, era menos claro. Também houve votação em Idaho (20 delegados), Dakota do Norte (14) e o Estado de Washington. Neste último, muito progressista e que distribui 89 delegados, Sanders parte como favorito.
Biden compareceu às 23h (meia-noite em Brasília) na Filadélfia. "Quero agradecer a Bernie Sanders e a seus seguidores por sua energia inesgotável e sua paixão”, disse. “Compartilharemos um objetivo comum”, recordou-lhes, “e juntos derrotaremos Donald Trump”. “Sabemos brigar”, acrescentou, “mas agora devemos mostrar que sabemos também curar”. A campanha de Bernie Sanders, de maneira significativa, anunciou que o candidato não faria avaliações públicas dos resultados ao final da noite.
As disputas seguintes, com Estados importantes na próxima terça-feira como Illinois (155 delegados) e Flórida (219), onde Biden começa com claras vantagens, não oferecem grandes esperanças de virada para o candidato esquerdista.
A rodada de primárias desta terça-feira foi a primeira em que, na prática, o campo estava reduzido a dois candidatos. Embora também concorra a deputada havaiana Tulsi Gabbard, sua presença é quase pitoresca. Não passou de 2% de apoios em nenhuma pesquisa e só conseguiu um delegado (em Samoa Americana), mas continua na carreira enquanto outros candidatos muito mais fortes abandonaram. Depois de uma largada fraquíssima, os bons resultados de Biden na Carolina do Sul e, depois, na Superterça fizeram dele o favorito na disputa, e seu vigor se reforçou ao receber o apoio da maioria dos candidatos desistentes. Nesta mesma noite, na CNN, onde atua como comentarista desde que desistiu da disputa, o ex-candidato Andrew Young também endossou o apoio a Biden.
Foi a primeira vez, também, que se votou em meio à incerteza provocada pelo coronavírus. Tanto Sanders como Biden cancelaram seus comícios em Cleveland (Ohio), previstos para esta quarta-feira à noite, e as autoridades de alguns Estados informaram que o medo de contágio diminuiu a participação. Pelo mesmo motivo, o Comitê Nacional Democrata anunciou que não haverá plateia no debate do próximo domingo entre os dois candidatos, uma das últimas chances para Sanders de reverter uma tendência que, depois desta terça-feira, parece cada vez mais inevitável.



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