Pular para o conteúdo principal

Valor: coronavírus e petróleo aumentam risco de crise mundial

Não é só a pandemia. Também o petróleo, que acabou ofuscado pelo vírus, está provocando o caos nos mercados, como reporta Carlos Rydlewski em excelente texto no Valor, publicado na sexta, 13/3. Escreve o jornalista: a ameaça provocada pela formação de uma crise com duas cabeças, gerada pelo coronavírus e pela queda de braço entre a Arábia Saudita e a Rússia em torno do preço do petróleo, derreteu as bolsas mundo afora. E a julgar pela opinião de especialistas essa tensão está longe de ceder, ainda que o quadro se acalme por breves períodos.
A tese geral é que a economia se tornou um lugar propício para turbulências. Por todos os lados, o que se vê é um crescendo de incertezas. “O fato é que, mesmo antes do coronavírus, o mundo já passava por uma fase de grande fragilidade”, diz Márcio Holland de Brito, professor na Escola de Economia da FGV, em São Paulo. “Agora, elas foram acentuadas.” E, por “fragilidades”, entenda-se um crescimento global pífio, mesmo entre países ricos, um alto endividamento público e privado, condições financeiras apertadas (Argentina), entraves ao comércio mundial, mas também agitações sociais (Venezuela, Líbia e Iêmen) e tensões políticas (Irã).
Como escreveu Stephen Roach, professor da Universidade Yale e ex-presidente do Morgan Stanley Asia, no artigo “Quando a China Espirra”, a produção mundial cresceu apenas 2,9% em 2019. Esse foi o ritmo mais lento registrado desde a crise financeira de 2008, a maior em 80 anos de história. O número ficou ainda a apenas 0,4 ponto percentual acima do limite de 2,5%, patamar associado à recessão global. “Essas condições negativas contribuíram para acentuar o impacto da reação do mercado aos problemas como o coronavírus e o petróleo”, afirma Fernando Gonçalves, superintendente de pesquisa econômica do Itaú Unibanco.
E não foram as únicas. As previsões pífias - e decrescentes - para o desempenho das principais economias do mundo, observa Gonçalves, também ajudaram a turvar as perspectivas do mercado. No início da semana, por exemplo, a Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad) afirmou que o coronavírus levará alguns países à recessão e fará com que o crescimento global em 2020 desacelere para menos de 2,5%. A agência prevê uma queda de US$ 1 trilhão na receita mundial, sendo que o prejuízo dobraria em caso de agravamento da crise. Antes disso, o Goldman Sachs revisara sua projeção de crescimento da China de 5,9% para 5% em 2020. Para os EUA, a variação foi de 2,1% para 1,3%. No caso da economia global, o indicador foi reduzido de 3,2% para 2%.
Continua abaixo:
Embora a disputa pelo preço do petróleo entre a Arábia Saudita e a Rússia tenha agravado a crise global, os especialistas consideram que o novo agente do coronavírus, o covid-19, descoberto em dezembro do ano passado, terá um impacto muito maior sobre o cenário econômico internacional.
Na quarta-feira, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou uma pandemia do coronavírus, reconhecendo que a estratégia de conter a proliferação da doença já não seria suficiente. Isso significa que a transmissão recorrente está ocorrendo em várias partes do mundo e de forma simultânea.
“O impasse entre russos e sauditas é pontual”, afirma Vitoria Saddi, professora da escola de negócios Insper, em São Paulo. Além do mais, observa José Júlio Senna, responsável pelo Centro de Estudos Monetários do FGV/Ibre, a propagação do vírus originário da China provoca choques, no jargão dos economistas, tanto pela demanda como pela oferta. “E isso é uma agravante para o problema”, observa Senna. “Esse vírus ataca a economia em duas frentes simultaneamente.”
Do lado da demanda, apontou Gita Gopinath, economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), em artigo publicado nesta semana no blog do FMI, a queda de renda provocada pela crise e o medo do contágio, que restringe a circulação das pessoas, reduzem os gastos dos consumidores. Esse efeito pode ser especialmente grave em setores como o turismo. Nesse caso, estima-se que os turistas chineses movimentaram US$ 277 bilhões em 2018. Essa quantia já caiu pela metade.
Desde meados de fevereiro, diz Gita, os preços das ações das companhias aéreas nos Estados Unidos foram mais afetados do que após a crise financeira global, em 2008. A queda dos negócios pode ainda reduzir os investimentos de empresas e provocar desemprego.
Nesses casos, para estimular a demanda, um dos remédios tradicionalmente preconizados é o corte da taxa básica de juros, promovida pelos bancos centrais (BCs). O problema é que boa parte dos BCs do mundo desenvolvido, em particular no Japão e na zona do euro, está de mãos atadas. Os juros de política monetária nessas nações bateram em zero ou estão negativos. “Isso limita a ação dos banqueiros centrais”, acrescenta Senna. “E ainda cria uma agravante para a crise.” Mesmo porque, normalmente, as recessões no mundo industrial são tratadas por reduções nas taxas de juros da ordem de cinco pontos percentuais. Como elas já estão no chão em muitos países, essa margem simplesmente não existe.
No caso da oferta, acrescenta Gita Gopinath, no blog do FMI, as empresas que dependem de cadeias de suprimentos podem não conseguir as peças que precisam. A China é um importante fornecedor de bens intermediários para o resto do mundo, principalmente em áreas como eletrônicos, automóveis, além de máquinas e equipamentos. Hoje, a interrupção desse fornecimento de produtos e peças já causa efeitos indiretos na indústria. Essas interrupções contribuem, por exemplo, para um aumento nos custos comerciais e constituem um choque negativo de produtividade.
Foi por isso que, em fevereiro, a Apple perdeu US$ 26 bilhões em valor de mercado (1,83% do total de US$ 1,39 trilhão) em apenas um dia, com a desvalorização de suas ações. Na ocasião, a companhia informou que não cumpriria a projeção de receita para o primeiro trimestre de 2020. Fechou lojas de varejo e interrompeu a produção de artigos na China, onde é feito o iPhone, por exemplo. No mês passado, a brasileira Multilaser também previu redução de 17% no recebimento de componentes do país asiático. Note-se que, sob o ponto de vista da indústria global, esses são dois casos minúsculos. Há dezenas de milhares de companhias em situação similar.
Os choques de oferta, afirma José Júlio Senna, também têm seus complicadores adicionais. Eles não podem ser combatidos com instrumentos de política monetária, como o corte das taxas básicas de juros. Além do mais, desaceleram a atividade econômica ao mesmo tempo que podem provocar um aumento da inflação, uma vez que os custos dos fabricantes tendem a aumentar.
Kenneth Rogoff, professor da Universidade Harvard, nos EUA, em artigo publicado no início de março, afirmou que as chances de uma recessão global aumentaram dramaticamente com a crise do covid-19. E ela poderia se instalar no mundo justamente pelo lado do choque de oferta. Rogoff observa que o alívio mais imediato para a crise poderia vir dos EUA. Para isso, o país deveria “reduzir drasticamente suas tarifas de guerra comercial”, acalmando os mercados, exibindo governabilidade com a China e colocando dinheiro nos bolsos dos consumidores americanos. O professor de Harvard observou: “Uma recessão global é um momento de cooperação, não de isolamento”.
Os especialistas não esperam pouco das autoridades. Argumentam que os formuladores de políticas públicas precisarão implementar medidas fiscais, monetárias e financeiras. Nenhuma área pode deixar de ser coberta. Na Itália, o maior foco de proliferação do covid-19 fora da Ásia, o governo local ampliou os prazos fiscais para empresas nas áreas afetadas pelo vírus e estendeu o fundo de suplementação de salário para fornecer apoio de renda aos trabalhadores demitidos. Em situação dramática, o estado de quarentena foi decretado em todo o território italiano.
A Coreia do Sul, outro país fortemente afetado pelo covid-19, criou subsídios salariais para pequenos comerciantes. A China renunciou temporariamente às contribuições para a segurança social das empresas. Para os demitidos, o seguro-desemprego pode ser temporariamente aumentado e seu acesso, facilitado. A União Europeia (UE) informou que vai criar um fundo de € 25 bilhões para combater os efeitos do coronavírus. Na última semana, o Banco Mundial destinou US$ 12 bilhões e o FMI, US$ 50 bilhões para o combate à crise.
O presidente Donald Trump também anunciou medidas. Disse que pretende promover cortes de impostos sobre a folha de pagamentos, cujo montante pode chegar a US$ 8 bilhões. “Essas foram sinalizações importantes, principalmente a americana, que ajudaram a diminuir o impacto da crise nos mercados durante alguns momentos desta semana”, diz Gonçalves. “O problema é que, se essas coisas não acontecerem, haverá frustração nos mercados e isso pode provocar um efeito contrário, piorando ainda mais o quadro da crise.” Algo, aliás, que já começou a acontecer desde quarta-feira, nos EUA.
No Brasil, as primeiras reações do governo ao novo coronavírus foram criticadas por alguns especialistas. “O governo brasileiro adotou a lógica de que tudo não passa de uma ‘marolinha’, como disse o presidente Lula no início da crise de 2008”, afirma Rodrigo Zeidan, professor da New York University (NYU), de Xangai, e da Fundação Dom Cabral. Ele pondera que o país tem um clima quente, o que pode desfavorecer a proliferação do vírus e também é mais fechado do que a média. “Mas isso não quer dizer que os brasileiros não vão enfrentar um problema sério. Vão, sim.”
Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) negou que houvesse uma crise mundial por causa do coronavírus e culpou a imprensa pela situação. O presidente Trump também tem minimizado o impacto do covid-19. No jantar entre Trump e Bolsonaro, em Mar-a-Lago, na Flórida, no dia 7, os dois líderes teriam conversado sobre a disseminação do vírus e estimaram que até o fim de abril haverá uma melhora no quadro global. O ministro da Economia, Paulo Guedes, também iniciou a semana afirmando que a mais eficaz resposta à crise do contágio tanto econômico quanto do vírus seriam as “reformas estruturantes”.
Não há consenso, contudo, em torno das medidas que devem ser tomadas para o combate da doença e seus efeitos na economia do país. Mesmo porque o covid-19 não é o único problema da atividade econômica, embora ele represente uma agravante extraordinária. De qualquer forma, as instituições financeiras e consultorias continuam reduzindo as previsões para o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano. Pelas novas estimativas, a economia brasileira crescerá menos de 2% em 2020. Algumas projeções já cravam em 1,5% o avanço do PIB, o que representaria elevação pífia em relação ao 1,1% obtido em 2019. Na quarta-feira, o governo brasileiro também alterou para baixo sua estimativa. O indicador oficial passou de 2,4% para 2,1%.
Para dar conta dos prejuízos com a crise, as sugestões levantadas até aqui incluem desde medidas monetárias, com novos cortes da taxa básica de juros por parte do BC, e até a eliminação do teto de gastos públicos, como propôs esta semana, em entrevista ao jornal “O Estado de S.Paulo”, a economista Mônica de Bolle, diretora do programa de estudos latino-americanos da Johns Hopkins University, nos EUA.
A sugestão, ainda que diante do efeito de uma forte turbulência global, despertou polêmica. Vitoria Saddi, do Insper, por exemplo, diz acreditar que a medida do fim do teto, ou mesmo, sua suspensão, seria precipitada. “Não é hora de esquecer o teto de gastos, a menos que estejamos considerando que a crise do coronavírus é comparável à recessão de 2008”, afirma. “Para mim, elas têm proporções diferentes e, agora, seria mais importante e prudente para o Brasil avançar nas reformas.”
José Júlio Senna também vê problemas nas principais alternativas cogitadas até aqui. Para ele, os sucessivos cortes de juros promovidos pelo Banco Central não têm produzido os resultados esperados, estimulando a economia. “Mais do mesmo também não vai funcionar”, afirma Senna. “Por outro lado, o Executivo tem demorado demais para encaminhar propostas objetivas de reforma para o Congresso. Então, essa não parece ser uma alternativa viável para um problema tão emergente.”
Rodrigo Zeidan também vê entraves nas alternativas cogitadas até aqui. “O teto de gastos gera credibilidade, mas amarra o governo”, afirma. “Abandoná-lo é uma decisão de longo prazo. Além do mais, qualquer política fiscal anticíclica, que resulte em gastos substanciais do poder público, é contra o DNA do atual governo brasileiro. Isso não deve acontecer, até porque a ideologia costuma ser mais forte do que o pragmatismo.” Zeidan, que é autor de “Economics of Global Business” (MIT Press), observa que despesas elevadas, na ordem de 5% a 7% do PIB, teriam de passar pelo crivo do Congresso. “A coesão nesse caso também não é fácil”, diz. “O problema é que esses impasses resultam no aumento das incertezas, o que gera um ciclo de retroalimentação negativa.”
Também não é tarefa simples fazer prognósticos sobre os desdobramentos da crise e seus impactos na atividade econômica. “O nosso poder preditivo se aplica a questões ligadas à economia como emprego, crescimento, comércio, fluxo de capitais, câmbio”, afirma Márcio Holland de Brito. “A evolução do contágio de um vírus está fora desse radar.” Para Holland de Brito, o covid-19 é um “cisne negro no mundo real”, citando o termo cunhado pelo escritor libanês americano Nassim Taleb, para designar um evento raro, imprevisível e de grandes proporções, cujas consequências são desconhecidas.
O economista Tiago Cavalcanti, professor da Universidade Cambridge, na Inglaterra, diz acreditar que o Brasil pode até se valer do clima quente, menos propício ao contágio, e do fato de não estar conectado a outros países para não ser tão afetado pelo vírus. “Ainda assim, o efeito será substancial”, diz. “No Reino Unido, o problema está aumentado.” Cavalcanti recebeu uma mensagem do serviço de saúde da região onde reside, alertando que a população só deve recorrer a hospitais e a postos médicos em casos graves. “No mais, o tratamento deve ser feito em casa”, afirma Cavalcanti. O país já cogitou tirar médicos da aposentadoria para ajudar na crise.
Além do mais, o Banco da Inglaterra (BoE) anunciou na quarta-feira um corte emergencial de 0,5 ponto percentual na taxa de juros do país, que foram reduzidas de 0,75% para 0,25% ao ano. A decisão ocorre após movimento similar do Federal Reserve (Fed, o Banco Central dos EUA) e foi a primeira medida desse tipo adotada fora do calendário do BoE desde 2008. O corte teve como objetivo animar a economia em meio aos impactos negativos da epidemia do novo coronavírus. No mesmo dia, o governo da Austrália anunciou pacote adicional de gastos na área de saúde e a chanceler alemã Angela Merkel confirmou que a União Europeia investiria € 25 bilhões no combate ao covid-19 e seus desdobramentos. Na Alemanha, disse Merkel, entre 60% e 70% da população pode ser infectada.
No caso do petróleo, embora a disputa pelo preço do produto entre a Arábia Saudita e a Rússia seja considerada elemento menor - ou pontual - no contexto da crise, ele é um fator de instabilidade e tanto. A Petrobras que o diga. A companhia perdeu R$ 91 bilhões em valor de mercado em um único dia por conta da queda de suas ações. O tumulto na área de óleo e gás começou na noite de sábado, quando a petrolífera estatal saudita, a Saudi Aramco, anunciou um aumento da produção de petróleo e redução de preços, após a Rússia vetar acordo para diminuir a oferta do produto por parte da Organização dos Países Exportadores de Petróleo e aliados (Opep+).
A medida foi considerada o início de uma “guerra de preços”. O objetivo da manobra saudita, afirmaram analistas, seria forçar os russos a retomar as negociações sobre cortes na produção, para fazer frente ao recuo da demanda global provocado pelo surto do novo coronavírus. Depois disso, no domingo, o mercado de petróleo entrou em pânico com as cotações dos dois principais tipos do produto, o Brent e o WTI, apresentando queda de 30% no valor do barril. “Mas essa disputa também tem um componente geopolítico”, diz Holland de Brito, da FGV. O economista aponta que o interesse dos russos, no caso, é manter os preços baixos do produto o suficiente para conter o avanço da indústria de gás e óleo de xisto (shale) dos Estados Unidos. “O problema é que, se a cotação cair demais, isso também não é bom nem para a Rússia nem para a Arábia Saudita”, afirma Vitoria Saddi, do Insper. “É por isso que esse conflito pode não se arrastar por muito tempo.”
Na crise do novo coronavírus, surgiu ainda um efeito colateral inesperado, cujo impacto não deixa de ser perturbador. Integrantes dos partidos de direita radical passaram a explorar o problema, atribuindo a explosão do contágio à imigração. O italiano Matteo Salvini, o líder da Liga Norte, por exemplo, criticou o governo do país por continuar permitindo a entrada de imigrantes africanos, por mais que sejam poucos os casos de covid-19 oriundos daquele continente. Partidos de extrema-direita na França, Alemanha e Espanha também pediram um controle mais rigoroso nas fronteiras.
Um relatório feito pela consultoria internacional de risco político Eurasia abordou o problema sob essa mesma ótica. Ele traçou cenários extremos, um otimista e outro pessimista, para os desdobramentos da crise. No primeiro, a China mantém o controle do contágio. O aumento das temperaturas no hemisfério Norte também reduz a propagação do vírus e as eleições americanas, em novembro, acontecem sem grandes alardes. Na Europa, a Itália é salva por estímulos econômicos e os mercados emergentes, como no caso do Brasil, avançam com as reformas.
No quadro mais sombrio pintado pela Eurasia prevalece o descontrole na transmissão do vírus pelo mundo. Algo que poderia levar à instabilidade social e até a rebeliões no sistema prisional americano. Tensões no Partido Comunista resultariam ainda no expurgo de lideranças na China, promovidas pelo presidente Xi Jinping, e a violência contra refugiados e o nacionalismo avançariam na Europa. Tudo isso pode parecer pouco provável, mas o risco, adverte a consultoria, é real.
Os números alertam para essa possibilidade. Até aqui, o novo coronavírus infectou mais de 100 mil pessoas em todo o mundo, sendo que 80 mil delas na China, alcançando mais de cem países. Seguem na lista de nações mais afetados pela doença a Coreia do Sul, o Irã e a Itália. As mortes já somam perto de 3 mil no mundo. O pior é que isso tudo pode ser somente um começo.




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe