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2019, mais um ano de pibinho

Na Época, Cássia Almeida escreve reportagem ouvindo analistas do mercado sobre os dados da economia divulgados esta semana, que mais uma vez decepcionaram. Abaixo, na íntegra.

O coronavírus pode ser o novo Brumadinho, a nova greve dos caminhoneiros, o novo Joesley Batista. Nos últimos anos, o Brasil foi acumulando causas inesperadas para derrubar expectativas de crescimento econômico que já eram modestas. A verdade é que, depois de sair da maior recessão da história há três anos, o país parece travado em um crescimento em torno de 1%, um ritmo típico de tartaruga. Foi assim em 2017, 2018, 2019... E há o risco de ser assim em 2020.
O IBGE divulgou na quarta-feira 4 o resultado do PIB do ano passado, que ficou em 1,1%. E, mais uma vez, frustrou as previsões que, no fim de 2018, apontavam um crescimento de 2,5%. Olhando para 2020, a estimativa até março do ano passado era de 2,8%. Em dezembro, caiu para 2,3%. Pós-coronavírus, a estimativa agora é, na média, de cerca de 1,5%.
Dez bancos e consultorias acabaram de revisar para baixo suas projeções de crescimento para este ano. O Goldman Sachs reviu de 2,2% para 1,5%. Há previsões piores ainda: o Banco Fator cortou suas previsões de expansão de 2,2%, o que seria o dobro do que avançou em 2019, para 1,4%. A Capital Economics, consultoria inglesa, reduziu a estimativa para o Brasil de 1,5% para 1,3%.
O surto global da doença, diz a maior parte dos analistas, deverá levar a economia global a seu pior desempenho desde 2009, ano da maior recessão mundial desde a Grande Depressão de 1929. O cenário externo não ajuda, e é preciso ver como a epidemia impactará o setor produtivo por aqui, mas a economia brasileira tem outros problemas para chamar de seus. A briga entre Congresso e Planalto se intensificou, gerando ruídos e insegurança entre investidores. Para os que acreditam que, só com as reformas administrativa, tributária e fiscais, o Brasil voltará a crescer de forma sustentada, o embate inibe a negociação necessária para aprovar projetos que mexem com interesses tão diversos, de empresários a governadores.
Os dados do fim de 2019 mostraram que o investimento para aumentar a capacidade produtiva do país, torná-la mais eficiente e inovadora caíram, o que acaba condenando a economia a crescer pouco. Silvia Matos, economista da Fundação Getulio Vargas, disse que essa recuperação desigual — muito calcada no consumo e não no investimento, nos serviços e não na indústria, no emprego informal e não com carteira assinada — não consegue aumentar a produtividade do país. “Continuamos com crescimento baixo e muito desigual. Não é saudável, não é sustentável. Não estamos construindo infraestrutura nem um novo futuro”, afirmou.
Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, em entrevista ao jornal O Globo, disse que “os agentes, de forma geral, são muito otimistas no fim do ano em relação ao ano seguinte. Isso é muito claro desde 2017”. Apesar de prever 2,1% de crescimento neste ano, Ribeiro não descarta taxa próxima a 1,5%, com a economia global contaminada pelo coronavírus.
 A aprovação da reforma da Previdência, considerada por muitos como o passo que faltava para o Brasil engatar uma segunda marcha, evitou o pior, que seria uma crise fiscal, mas não atraiu o caminhão de dinheiro de investidores previsto pelo governo. Sem isso, o Ministério da Economia optou pela liberação dos saques do FGTS, o que deu gás ao consumo, conforme o esperado. A queda de juros facilitou o crédito e movimentou o mercado de capitais, mas o conjunto da obra não foi suficiente para a economia sair da letargia.
O resultado desses três anos de estagnação após dois anos de recessão forte foi um retrocesso enorme na capacidade de produção. Estamos produzindo o mesmo que em 2013. E o PIB per capita, que é a produção dividida pela população, uma medida de bem-estar da sociedade, ainda acumula queda superior a 7% ante 2013. A alta desse indicador foi de 0,3% em 2019, abaixo do 0,5% dos dois anos anteriores.
Como estamos apenas em março, ainda há esperança que a China se recupere rapidamente da paralisação causada pelo coronavírus, invista mais e compre mais produtos do Brasil, como minério de ferro e soja, compensando a queda da atividade do início de ano. A subida do dólar nos últimos tempos pode ajudar a tornar nossas exportações mais competitivas. Os países ricos, também afetados pela epidemia, já anunciaram que pretendem manter a atividade crescendo. Pela primeira vez desde 2008, o Federal Reserve, o banco central americano, cortou os juros em uma data fora do calendário de anúncios. A expectativa é que, por aqui, o Banco Central também corte juros na próxima reunião, nos dias 17 e 18 de março. Mesmo que essas expectativas mais positivas se confirmem, crescer 2% neste ano ficou praticamente fora do radar — de novo.



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