Pular para o conteúdo principal

Papa Francisco: “Estamos todos no mesmo barco. Todos”

Nesses tempos sombrios, Geraldo Samor escreveu um belo texto no Brazil Journal, que vai abaixo, na íntegra. Ainda bem que temos o Papa Francisco.

Num momento pungente que sublinhou o sentimento de impotência da humanidade frente à pandemia, o Papa Francisco orou na Praça São Pedro, disse que Deus não abandona os seus e lembrou ao planeta que “ninguém se salva sozinho”.
 “Deus Todo Poderoso, olha para nossa condição dolorosa, conforta teus filhos e abre nossos corações à esperança,” pediu o Papa, antes de estender ao mundo a benção Urbi et Orbi (“à cidade de Roma e ao mundo”).
Na tradição católica, esta benção — normalmente dada apenas no Natal, na Páscoa, e depois da eleição de um novo Papa — carrega o poder de perdoar todos que a assistem pela TV, rádio ou internet e se arrependam de seus pecados.
Pela televisão, o impacto visual da cena foi amplificado por uma Praça São Pedro vazia — com Roma em lockdown — e molhada pela chuva do fim de tarde.
O Papa orou em frente à Salus Populi Romani (em português, 'Protetora do Povo Romano’), a imagem da Virgem com o Menino Jesus que é um dos ícones mais importantes do Catolicismo e à qual se atribui o poder de exconjurar perigos e desgraças. A imagem teria sido pintada por São Lucas sobre uma madeira cortada pelo próprio Cristo na marcenaria de José.
Outra imagem poderosa compôs a cena: a cruz que fica na Igreja de São Marcelo al Corso, no centro de Roma, e foi levada na quarta-feira para a Praça São Pedro.
Os católicos atribuem ao crucifixo um caráter milagroso. Primeiro, porque foi a única imagem religiosa a sobreviver a um incêndio que destruiu a igreja de São Marcelo em 1519. Três anos depois, um novo milagre. Em 1522, Roma estava sendo devastada pela “peste negra” quando, a pedidos dos católicos, a cruz foi levada para o Vaticano em procissão, passando por cada bairro de Roma. Depois de alguns dias, a peste cessou.
O ato do Papa sublinha a universalidade da fé como um apoio da humanidade no meio da pandemia, num tempo em que a ciência ainda corre atrás das respostas e os políticos tem agendas que variam do populismo ao oportunismo.
Na cerimônia do Vaticano, foi lida uma passagem do Evangelho de São Marcos que narra uma cena de medo. Os apóstolos estavam em alto mar com Jesus quando uma grande tempestade atingiu seu barco no meio da noite, com muito vento e turbulência. As ondas quebravam dentro do barco, que se enchia d'água.
Segundo o Evangelho, Jesus dormia no fundo do barco. Os discípulos o acordaram: “Mestre, não te importa que estamos morrendo?” Ele se levantou, repreendeu o vento e o mar, e fez-se uma grande calmaria.
“Por que vocês têm medo? Ainda não tem fé?” Jesus então perguntou.
O Papa comparou a angústia da pandemia à tempestade do Evangelho.
“Densas trevas cobriram as nossas praças, ruas e cidades, apoderaram-se das nossas vidas com um silêncio ensurdecedor e um vazio desolador que paralisa tudo. Sente-se no ar, nota-se nos gestos, dizem-no os olhares. Estamos com medo e perdidos. Como os discípulos, fomos surpreendidos por uma tempestade inesperada e furiosa, e nos damos conta de estar na mesma barca, todos frágeis e desorientados, mas, ao mesmo tempo, importantes e necessários, todos chamados a remar juntos, todos precisando de encorajamento mútuo.”
“Nesta barca estamos todos,” disse o Papa, buscando a lente da câmera. “Todos.”



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And...

Dica da semana: Nine Perfect Strangers, série

Joia no Prime traz drama perturbador que consagra Nicole Kidman  Dizer que o tempo não passou para Nicole Kidman seria tão leviano quanto irresponsável. E isso é bom. No charme (ainda fatal) de seus 54 anos, a australiana mostra que tem muita lenha para queimar e escancara o quanto as décadas de experiência lhe fizeram bem, principalmente para composição de personagens mais complexas e maduras. Nada de gatinhas vulneráveis. Ancorando a nova série Nine Perfect Strangers, disponível na Amazon Prime Video, a eterna suicide blonde de Hollywood – ok, vamos dividir o posto com Sharon Stone – empresta toda sua aura de diva para dar vida à mística Masha, uma espécie de guru dos novos tempos que desenvolveu uma técnica terapêutica polêmica, pouco acessível e para lá de exclusiva. Em um lúdico e misterioso retiro, a “Tranquillum House”, a exotérica propõe uma nova abordagem de tratamento para condições mentais e psicossociais manifestadas de diferentes formas em cada um dos nove estranhos, “...

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda...