A semana que passou deverá entrar para a história como aquela em que o mundo parou. Closed, como mostra a capa da revista britânica The Economist: a maior parte dos países que de fato contam no PIB mundial tomou medidas draconianas para evitar a propagação do coronavírus, mantendo apenas serviços essenciais ativos. Lockdown, isolamento preventivo generalizado, fechamento de aeroportos e fronteiras foram algumas das medidas anunciadas em países de todos os continentes por governantes de diferentes ideologias. As consequências deste movimento são óbvias: recessão global, talvez a pior que a humanidade terá conhecido, a depender da duração da pandemia. No pior cenário, a crise de 1929 terá sido um passeio no parque comparado ao que vem por aí.
No Brasil, o Banco Central já reduziu a previsão de crescimento do PIB de 2,1% para 0,02%, e muita gente no mercado acha que é uma aposta otimista. Ao contrário da Europa e Estados Unidos, o problema do isolamento no caso de países menos desenvolvidos é que esta situação não se sustenta por muito mais que duas semanas, uma vez que o contingente de pessoas que dependem do ganho diário e não possuem qualquer poupança é enorme, gente que vende o almoço para comprar o jantar. Queira ou não o governo, esta massa de trabalhadores, boa parte deles informais, vai voltar às ruas ou haverá uma explosão de violência, roubos e saques, uma vez que precisarão suprir suas necessidades básicas, e não será um cheque de duzentos reais que resolverá a questão.
O cenário é complexo e no campo político o presidente da República finalmente saiu de uma situação de denial para a aceitação de que o coronavírus de fato existe e vai provocar uma grave recessão. Ainda assim, o núcleo duro do governo federal parece seguir perdido, com o ministro da Fazenda titubeando em tomar medidas mais duras para enfrentar os efeitos da parada geral na economia. A agenda de Guedes, por sinal, vai se perdendo no rastro de infectados e mortos deixados pelo coronavírus. Sim, o jogo mudou, agora o que está em discussão não é mais o “tamanho do Estado” e sim o seu papel em um momento de crise tão profunda. Alguém comentou durante a semana que Paulo Guedes deve ter faltado às aulas sobre keynesianismo, que parece mais uma vez ser a redenção do capitalismo em uma situação-limite, como foi a do pós-guerra.
De fato, a agenda das reformas deve sair de cena para a entrada no palco da disputa dos diversos segmentos da economia por subsídios diretos, adiamento da cobrança de impostos e outras formas de ajuda por parte do Estado. E não é só no Brasil, nos EUA a Boeing está pleiteando uma ajuda de US$ 60 bilhões do governo norte-americano – sim, isto mesmo, o equivalente a R$ 300 bilhões no câmbio atual. A edição de sexta-feira, 20/3, do jornal Valor Econômico parecia uma verdadeira romaria chorosa de empresas e empresários em busca de um help estatal, cada qual com seus pleitos e propostas de soluções para atravessar o que deverá ser um período relativamente longo de contração econômica.
Claro, há sempre quem venda lenços para os que choram, e alguns segmentos tiveram crescimento substancial a partir do pânico generalizado que tomou conta da população. Supermercados e farmácias, por exemplo, estão operando no limite máximo porque muita gente está achando que vai haver, em algum momento, desabastecimento. O mesmo se deu com segmentos que lidam com o universo digital ou de suporte ao chamado home office – aluguéis de notebooks explodiram, há a perspectiva de que o comércio eletrônico tenha um desenvolvimento expressivo, bem como os serviços oferecidos online.
A discussão de fundo, porém, é mesmo sobre o papel do Estado na mitigação dos enormes problemas econômicos que se avizinham. E no mundo inteiro começa a ser revista a ideia de que a mão invisível do mercado consiga dar conta do momento em que vivemos. Na França, Macron anunciou que vai tomar para o Estado francês pequenos hospitais privados durante o período em que durar a pandemia. Os Estados Unidos anunciaram uma redução dos juros para zero ou quase, um “all in” para conter a deterioração da economia local, além de simplesmente proibir a chegada de voos vindos da Europa. De estatizante, Trump não tem nada, está mesmo é preocupado com os efeitos do coronavírus em sua tentativa de reeleição.
O que vem por aí é uma grande incógnita, se alguém apresentar uma projeção categórica sobre o crescimento mundial neste ano, está mentindo. Como em qualquer crise, o monitoramento é diário, assim como passa a ser a tomada de decisões sobre investimentos e fechamento de novos negócios. Cada dia, sua agonia. Não deixa de ser irônico que um vírus invisível tenha sido capaz de promover a maior guinada na discussão econômica das últimas décadas – nem mesmo a crise do subprime em 2008/09 teve tal efeito.
Invisível como a mão do mercado preconizada por Adam Smith, o coronavírus mostrou a força do Imponderável de Almeida, como diria Nelson Rodrigues. Agora é acompanhar a evolução da pandemia, por um lado, e o comportamento dos mais diversos agentes econômicos, por outro. Há vozes lúcidas e que precisam ser ouvidas, como a do presidente da Scania na América Latina, Christpopher Podgorski, para quem haverá um colapso nas entregas de itens de primeiras necessidades se não houver uma coordenação nacional para definir o que pode ou não parar no país. “É importante que a sociedade encontre uma solução para definir o que são atividades essenciais; caso contrário, o transporte de itens como medicamentos, insumos hospitalares e os próprios alimentos para as pessoas que estão em casa vai parar”, afirmou ele ao Valor Econômico na semana passada.
Lockdown e isolamento completo não existiram nem em tempos de guerra, seria de fato uma experiência inédita na trajetória da humanidade, e é impossível prever como terminaria. No campo da ficção, há muitos exemplos de projeções sobre o mundo do futuro e o que se espera é que Mad Max não se torne realidade tão logo. Não nesta epidemia, ao menos. (Por Luiz Antonio Magalhães em 20/03/20)
No Brasil, o Banco Central já reduziu a previsão de crescimento do PIB de 2,1% para 0,02%, e muita gente no mercado acha que é uma aposta otimista. Ao contrário da Europa e Estados Unidos, o problema do isolamento no caso de países menos desenvolvidos é que esta situação não se sustenta por muito mais que duas semanas, uma vez que o contingente de pessoas que dependem do ganho diário e não possuem qualquer poupança é enorme, gente que vende o almoço para comprar o jantar. Queira ou não o governo, esta massa de trabalhadores, boa parte deles informais, vai voltar às ruas ou haverá uma explosão de violência, roubos e saques, uma vez que precisarão suprir suas necessidades básicas, e não será um cheque de duzentos reais que resolverá a questão.
O cenário é complexo e no campo político o presidente da República finalmente saiu de uma situação de denial para a aceitação de que o coronavírus de fato existe e vai provocar uma grave recessão. Ainda assim, o núcleo duro do governo federal parece seguir perdido, com o ministro da Fazenda titubeando em tomar medidas mais duras para enfrentar os efeitos da parada geral na economia. A agenda de Guedes, por sinal, vai se perdendo no rastro de infectados e mortos deixados pelo coronavírus. Sim, o jogo mudou, agora o que está em discussão não é mais o “tamanho do Estado” e sim o seu papel em um momento de crise tão profunda. Alguém comentou durante a semana que Paulo Guedes deve ter faltado às aulas sobre keynesianismo, que parece mais uma vez ser a redenção do capitalismo em uma situação-limite, como foi a do pós-guerra.
De fato, a agenda das reformas deve sair de cena para a entrada no palco da disputa dos diversos segmentos da economia por subsídios diretos, adiamento da cobrança de impostos e outras formas de ajuda por parte do Estado. E não é só no Brasil, nos EUA a Boeing está pleiteando uma ajuda de US$ 60 bilhões do governo norte-americano – sim, isto mesmo, o equivalente a R$ 300 bilhões no câmbio atual. A edição de sexta-feira, 20/3, do jornal Valor Econômico parecia uma verdadeira romaria chorosa de empresas e empresários em busca de um help estatal, cada qual com seus pleitos e propostas de soluções para atravessar o que deverá ser um período relativamente longo de contração econômica.
Claro, há sempre quem venda lenços para os que choram, e alguns segmentos tiveram crescimento substancial a partir do pânico generalizado que tomou conta da população. Supermercados e farmácias, por exemplo, estão operando no limite máximo porque muita gente está achando que vai haver, em algum momento, desabastecimento. O mesmo se deu com segmentos que lidam com o universo digital ou de suporte ao chamado home office – aluguéis de notebooks explodiram, há a perspectiva de que o comércio eletrônico tenha um desenvolvimento expressivo, bem como os serviços oferecidos online.
A discussão de fundo, porém, é mesmo sobre o papel do Estado na mitigação dos enormes problemas econômicos que se avizinham. E no mundo inteiro começa a ser revista a ideia de que a mão invisível do mercado consiga dar conta do momento em que vivemos. Na França, Macron anunciou que vai tomar para o Estado francês pequenos hospitais privados durante o período em que durar a pandemia. Os Estados Unidos anunciaram uma redução dos juros para zero ou quase, um “all in” para conter a deterioração da economia local, além de simplesmente proibir a chegada de voos vindos da Europa. De estatizante, Trump não tem nada, está mesmo é preocupado com os efeitos do coronavírus em sua tentativa de reeleição.
O que vem por aí é uma grande incógnita, se alguém apresentar uma projeção categórica sobre o crescimento mundial neste ano, está mentindo. Como em qualquer crise, o monitoramento é diário, assim como passa a ser a tomada de decisões sobre investimentos e fechamento de novos negócios. Cada dia, sua agonia. Não deixa de ser irônico que um vírus invisível tenha sido capaz de promover a maior guinada na discussão econômica das últimas décadas – nem mesmo a crise do subprime em 2008/09 teve tal efeito.
Invisível como a mão do mercado preconizada por Adam Smith, o coronavírus mostrou a força do Imponderável de Almeida, como diria Nelson Rodrigues. Agora é acompanhar a evolução da pandemia, por um lado, e o comportamento dos mais diversos agentes econômicos, por outro. Há vozes lúcidas e que precisam ser ouvidas, como a do presidente da Scania na América Latina, Christpopher Podgorski, para quem haverá um colapso nas entregas de itens de primeiras necessidades se não houver uma coordenação nacional para definir o que pode ou não parar no país. “É importante que a sociedade encontre uma solução para definir o que são atividades essenciais; caso contrário, o transporte de itens como medicamentos, insumos hospitalares e os próprios alimentos para as pessoas que estão em casa vai parar”, afirmou ele ao Valor Econômico na semana passada.
Lockdown e isolamento completo não existiram nem em tempos de guerra, seria de fato uma experiência inédita na trajetória da humanidade, e é impossível prever como terminaria. No campo da ficção, há muitos exemplos de projeções sobre o mundo do futuro e o que se espera é que Mad Max não se torne realidade tão logo. Não nesta epidemia, ao menos. (Por Luiz Antonio Magalhães em 20/03/20)
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