Carol Pires resenha para a revista Época o documentário em exibição na Globoplay. Em seis capítulos, série conta da sua infância na Maré à eleição do Rio de Janeiro, em 2016, e reconta o passo a passo o assassinato da vereadora e de seu motorista, Anderson Gomes. Abaixo a íntegra do texto.
Dias depois do assassinato de Marielle Franco, no Rio de Janeiro, a desembargadora Marília de Castro Neves publicou mentiras sobre a então vereadora em suas redes sociais: “A questão é que a tal Marielle não era apenas uma "lutadora", ela estava engajada com bandidos!”. Sem provas, acusou: “Foi eleita pelo Comando Vermelho e descumpriu "compromissos" assumidos com seus apoiadores”. A mensagem, sem nenhum fundamento, terminava assim: “Qualquer outra coisa diversa é mimimi da esquerda tentando agregar valor a um cadáver tão comum quanto qualquer outro”.
Em 17 de dezembro de 2019, Marinete Silva e Antonio Francisco, pais de Marielle Franco, estiveram cara a cara com Marília de Castro Neves em uma audiência. A família a processa por calúnia. Respondendo à advogada da família, a desembargadora se embananou: “O que eu quis dizer com engajada, que é uma expressão infeliz... eu disse que ela trabalhava junto a essas comunidades com a permissão... porque o Comando Vermelho não é composto de pessoas da mais notória honestidade, eles são criminosos”.
Já desmentida, a desembargadora continuou se fiando em informações falsas. “Ela saiu daquela comunidade para atender uma facção rival do Comando Vermelho, descumprido compromissos que ela teria assumido em tese com o Comando Vermelho”. Por fim, tentou desdizer o que disse: “Isso não quer dizer que ela estava cometendo um crime, ela estava atendendo as pessoas daquela comunidade”.
Do outro lado do tribunal, dona Marinete olha incrédula para a desembargadora e comenta baixinho com sua advogada: “É muita cara de pau”.
A cena faz parte do segundo episódio de “Marielle, o documentário”, dirigido por Caio Cavechini para a GloboPlay. Em seis capítulos, a série conta da sua infância na Maré à eleição para vereadora do Rio de Janeiro, em 2016. Também reconta o passo a passo do assassinato de Marielle e seu motorista, Anderson Gomes, além de destrinchar tudo o que sabe sobre a investigação até aqui.
Em outra passagem, no quinto episódio, é o deputado estadual do Rio de Janeiro Rodrigo Amorim quem tenta passar um verniz democrático à sua brutalidade. Também dias depois do assassinato de Marielle, ele e o deputado federal Daniel Silveira, ambos do PSL, quebraram uma placa em homenagem a ela na Praça Floriano, no Centro do Rio. Os dois ainda se vangloriaram do feito durante a campanha eleitoral. Em um carro de som, Amorim conta que quebrou a placa para um público entusiasmado que grita “mito, mito”.
Já para as câmeras do documentário, Amorim, agora de terno e gravata, diz: “A placa não foi quebrada. A placa irregular, ilegítima, transgressora, foi retirada, dando lugar à placa original. Foi um gesto simplesmente de remover a placa ilegítima de um movimento da esquerda por uma causa, que julgavam ser uma causa nobre”. Não explicou por que, então, emoldurou a placa quebrada em seu gabinete. Mas sabemos por que: foi à base de mentiras e ofensas que parte da direita-brucutu se elegeu.
O assassinato de Marielle Franco causou tamanha comoção porque mataram uma mulher negra e lésbica nascida na favela que usava sua voz exatamente para pedir que deixassem de matar e de negar direitos a mulheres, a negros, a LGBTs e a moradores das áreas mais pobres. Queriam apagar o mensageiro e a mensagem. Em contrapartida, adversários dessas batalhas, como a desembargadora e o deputado, escolheram se contrapor a elas não com argumentos e sim tentando desmoralizar as vítimas de um assassinato.
Para quem não se identifica com as bandeiras de Marielle Franco, há ainda dois caminhos para se indignar com sua morte. Matar uma vereadora em exercício é querer apagar a vontade de parte da população. É zombar da democracia. E Marielle e Anderson eram, antes de tudo, pessoas amadas e amorosas, que deixaram famílias que não merecem ter sua dor tripudiada. Na série, ouvir os áudios e ler as mensagens que Marielle e Anderson trocavam com amigos e familiares, pouco antes de serem mortos, avisando que logo chegariam em casa nos coloca um pouco ao lado das famílias que nunca o receberam de volta. Só não se solidariza quem está do lado da barbárie.
Dias depois do assassinato de Marielle Franco, no Rio de Janeiro, a desembargadora Marília de Castro Neves publicou mentiras sobre a então vereadora em suas redes sociais: “A questão é que a tal Marielle não era apenas uma "lutadora", ela estava engajada com bandidos!”. Sem provas, acusou: “Foi eleita pelo Comando Vermelho e descumpriu "compromissos" assumidos com seus apoiadores”. A mensagem, sem nenhum fundamento, terminava assim: “Qualquer outra coisa diversa é mimimi da esquerda tentando agregar valor a um cadáver tão comum quanto qualquer outro”.
Em 17 de dezembro de 2019, Marinete Silva e Antonio Francisco, pais de Marielle Franco, estiveram cara a cara com Marília de Castro Neves em uma audiência. A família a processa por calúnia. Respondendo à advogada da família, a desembargadora se embananou: “O que eu quis dizer com engajada, que é uma expressão infeliz... eu disse que ela trabalhava junto a essas comunidades com a permissão... porque o Comando Vermelho não é composto de pessoas da mais notória honestidade, eles são criminosos”.
Já desmentida, a desembargadora continuou se fiando em informações falsas. “Ela saiu daquela comunidade para atender uma facção rival do Comando Vermelho, descumprido compromissos que ela teria assumido em tese com o Comando Vermelho”. Por fim, tentou desdizer o que disse: “Isso não quer dizer que ela estava cometendo um crime, ela estava atendendo as pessoas daquela comunidade”.
Do outro lado do tribunal, dona Marinete olha incrédula para a desembargadora e comenta baixinho com sua advogada: “É muita cara de pau”.
A cena faz parte do segundo episódio de “Marielle, o documentário”, dirigido por Caio Cavechini para a GloboPlay. Em seis capítulos, a série conta da sua infância na Maré à eleição para vereadora do Rio de Janeiro, em 2016. Também reconta o passo a passo do assassinato de Marielle e seu motorista, Anderson Gomes, além de destrinchar tudo o que sabe sobre a investigação até aqui.
Em outra passagem, no quinto episódio, é o deputado estadual do Rio de Janeiro Rodrigo Amorim quem tenta passar um verniz democrático à sua brutalidade. Também dias depois do assassinato de Marielle, ele e o deputado federal Daniel Silveira, ambos do PSL, quebraram uma placa em homenagem a ela na Praça Floriano, no Centro do Rio. Os dois ainda se vangloriaram do feito durante a campanha eleitoral. Em um carro de som, Amorim conta que quebrou a placa para um público entusiasmado que grita “mito, mito”.
Já para as câmeras do documentário, Amorim, agora de terno e gravata, diz: “A placa não foi quebrada. A placa irregular, ilegítima, transgressora, foi retirada, dando lugar à placa original. Foi um gesto simplesmente de remover a placa ilegítima de um movimento da esquerda por uma causa, que julgavam ser uma causa nobre”. Não explicou por que, então, emoldurou a placa quebrada em seu gabinete. Mas sabemos por que: foi à base de mentiras e ofensas que parte da direita-brucutu se elegeu.
O assassinato de Marielle Franco causou tamanha comoção porque mataram uma mulher negra e lésbica nascida na favela que usava sua voz exatamente para pedir que deixassem de matar e de negar direitos a mulheres, a negros, a LGBTs e a moradores das áreas mais pobres. Queriam apagar o mensageiro e a mensagem. Em contrapartida, adversários dessas batalhas, como a desembargadora e o deputado, escolheram se contrapor a elas não com argumentos e sim tentando desmoralizar as vítimas de um assassinato.
Para quem não se identifica com as bandeiras de Marielle Franco, há ainda dois caminhos para se indignar com sua morte. Matar uma vereadora em exercício é querer apagar a vontade de parte da população. É zombar da democracia. E Marielle e Anderson eram, antes de tudo, pessoas amadas e amorosas, que deixaram famílias que não merecem ter sua dor tripudiada. Na série, ouvir os áudios e ler as mensagens que Marielle e Anderson trocavam com amigos e familiares, pouco antes de serem mortos, avisando que logo chegariam em casa nos coloca um pouco ao lado das famílias que nunca o receberam de volta. Só não se solidariza quem está do lado da barbárie.
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