Um clássico que vale a pena ler e reler
O gênero romance policial é muitas vezes tido como “menor” na literatura, o que é de cara uma grande injustiça. Há vários policiais que são grandes livros, os textos de um Conan Doyle, Raymond Chandler, George Simenon, Edgard Allan Poe ou mesmo de Agatha Christie resistem ao tempo e encantam tanto quanto um Machado de Assis. Apenas não são levados a sério pela crítica como deveriam.
Na nova geração, o norte-americano Dennis Lehane é um dos autores mais interessantes e originais, merece ter sua obra acompanhada de perto. Nascido em 1965 em Boston, onde a maior parte dos seus romances é ambientado, Lehane criou uma dupla de detetives particulares - Angela Gennaro e Patrick Kenzie – de temperamento forte e que enfrenta a violência dos subúrbios pobres de uma cidade mais conhecida por sediar algumas das mais importantes universidade dos Estados Unidos, como Harvard e MIT. A Boston retratada pelo autor está bem longe da excelência acadêmica ou da riqueza financeira, pelo contrário, é o lado miserável entranhado no american way of life, a face dos losers.
Mas a obra prima de Lehane não traz Angela e Patrick. Sobre Meninos e Lobos (Mystic River), que foi adaptado por Clint Eastwood para o cinema em 2003 e indicado ao Oscar de melhor filme (outra obra do autor adaptada para as telas foi Ilha do Medo, que fez bastante sucesso com impecável atuação de Leonardo di Caprio), é a história de três meninos que vivem em bairros próximos de Boston. Sean Devine vive em uma área nobre, ao passo que Jimmy Marcus e Dave Boyle moram em uma pobre. Os três são colegas e brincavam juntos quando foram abordados por supostos policiais, que raptam Dave e o submetem a abusos sexuais. Dave escapa, mas fica marcado pelos maus-tratos.
A trama continua na vida adulta dos personagens traumatizados pela violência que sofreram. Sean torna-se policial, Jimmy segue pelo caminho oposto, e se envolve em crimes precocemente, sendo preso em seguida e tendo que recomeçar sua vida. Anos depois, os três se reencontram, desta vez em função de outra violência: a filha adolescente de Jimmy, Katie, é assassinada e as suspeitas recaem sobre Dave.
Sem spoilers, até porque o desenlace é sensacional, Sobre Meninos e Lobos é muito mais que um romance policial convencional. Ao inserir a questão do abuso sexual infantil e suas consequências – mesmo os meninos que não foram abusados ficaram marcados pela violência sofrida pelo colega, em especial marcados pela culpa de não o terem ajudado -, Lehane traz um tema que se hoje é bastante discutido, sempre existiu na sociedade e sempre foi um tabu, dessas coisas que se evitava falar ou expor. Na verdade, obviamente excluindo tortura e assassinato, o abuso sexual infantil talvez seja a maior violência que há, pela condição de fragilidade da vítima e pelos traumas que acarreta, como se observa no livro, pela vida afora.
Assim, Lehane em sua obra prima trata de uma problemática atemporal, que ganhou atualidade com a maior vigilância da sociedade, da mesma forma que ocorre com a violência contra as mulheres. E o fez de forma magistral, em um texto seco, impiedoso, marca do autor em toda a sua obra. Vale ler e reler. E ver o filme. #ficaadica. Por Luiz Antonio Magalhães em 7/3/20.
O gênero romance policial é muitas vezes tido como “menor” na literatura, o que é de cara uma grande injustiça. Há vários policiais que são grandes livros, os textos de um Conan Doyle, Raymond Chandler, George Simenon, Edgard Allan Poe ou mesmo de Agatha Christie resistem ao tempo e encantam tanto quanto um Machado de Assis. Apenas não são levados a sério pela crítica como deveriam.
Na nova geração, o norte-americano Dennis Lehane é um dos autores mais interessantes e originais, merece ter sua obra acompanhada de perto. Nascido em 1965 em Boston, onde a maior parte dos seus romances é ambientado, Lehane criou uma dupla de detetives particulares - Angela Gennaro e Patrick Kenzie – de temperamento forte e que enfrenta a violência dos subúrbios pobres de uma cidade mais conhecida por sediar algumas das mais importantes universidade dos Estados Unidos, como Harvard e MIT. A Boston retratada pelo autor está bem longe da excelência acadêmica ou da riqueza financeira, pelo contrário, é o lado miserável entranhado no american way of life, a face dos losers.
Mas a obra prima de Lehane não traz Angela e Patrick. Sobre Meninos e Lobos (Mystic River), que foi adaptado por Clint Eastwood para o cinema em 2003 e indicado ao Oscar de melhor filme (outra obra do autor adaptada para as telas foi Ilha do Medo, que fez bastante sucesso com impecável atuação de Leonardo di Caprio), é a história de três meninos que vivem em bairros próximos de Boston. Sean Devine vive em uma área nobre, ao passo que Jimmy Marcus e Dave Boyle moram em uma pobre. Os três são colegas e brincavam juntos quando foram abordados por supostos policiais, que raptam Dave e o submetem a abusos sexuais. Dave escapa, mas fica marcado pelos maus-tratos.
A trama continua na vida adulta dos personagens traumatizados pela violência que sofreram. Sean torna-se policial, Jimmy segue pelo caminho oposto, e se envolve em crimes precocemente, sendo preso em seguida e tendo que recomeçar sua vida. Anos depois, os três se reencontram, desta vez em função de outra violência: a filha adolescente de Jimmy, Katie, é assassinada e as suspeitas recaem sobre Dave.
Sem spoilers, até porque o desenlace é sensacional, Sobre Meninos e Lobos é muito mais que um romance policial convencional. Ao inserir a questão do abuso sexual infantil e suas consequências – mesmo os meninos que não foram abusados ficaram marcados pela violência sofrida pelo colega, em especial marcados pela culpa de não o terem ajudado -, Lehane traz um tema que se hoje é bastante discutido, sempre existiu na sociedade e sempre foi um tabu, dessas coisas que se evitava falar ou expor. Na verdade, obviamente excluindo tortura e assassinato, o abuso sexual infantil talvez seja a maior violência que há, pela condição de fragilidade da vítima e pelos traumas que acarreta, como se observa no livro, pela vida afora.
Assim, Lehane em sua obra prima trata de uma problemática atemporal, que ganhou atualidade com a maior vigilância da sociedade, da mesma forma que ocorre com a violência contra as mulheres. E o fez de forma magistral, em um texto seco, impiedoso, marca do autor em toda a sua obra. Vale ler e reler. E ver o filme. #ficaadica. Por Luiz Antonio Magalhães em 7/3/20.
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