Em mais uma colaboração para o blog, o professor Wagner Iglecias escreve sobre o excepcional momento econômico por que passa o Brasil, em que pesem os problemas de inflação e déficit na conta corrente do país. A seguir, a análise sempre lúcida de Iglecias:
Há alguns anos os brasileiros se acostumaram a receber boas notícias em relação à economia. Vivemos nos dias atuais, de fato, um cenário bem diferente daquele de duas décadas atrás, quando o país decepcionava-se a cada novo plano de estabilização monetária mal-sucedido. Números há para todos os gostos, mas os números que o país tem colecionado na economia nos últimos anos são de difícil contestação. Dos índices de inflação aos saldos da Balança Comercial, do crescimento do nível de emprego com carteira assinada ao índices de consumo de diversas categorias de produtos, tudo parece apontar para a hipótese de que entramos numa fase de bonança econômica como há muito tempo não se via. Há quem diga que ainda há muito o que se caminhar rumo ao crescimento sustentado, enquanto há quem sustente que o país cresce há vários semestres, como não se via, pelo menos, desde a época do Milagre Brasileiro, no início da década de 1970.
O governo procura tirar proveito político da boa fase da economia, imaginando que, entre outras coisas, a melhoria das condições de vida dos brasileiros renda apoio político e sobretudo votos. A oposição, que clama para si a responsabilidade de ter plantado os pilares fundamentais da estabilidade e do crescimento atuais, procura desdenhar, como não podia deixar de ser, afirmando que o grande mérito de Lula foi não ter feito nada de novo na economia.
Na guerra entre lulo-petistas e demo-tucanos há verdades e mentiras. É mesmo verdade que Lula deixou de lado, uma vez ungido à cadeira presidencial, ou até antes disso, boa parte do ideário petista em relação à economia. Abraçou-se aos instrumentos garantidores da estabilidade que já vinham desde seu antecessor e parece ter sido muito bem sucedido nesta escolha. De fato, foram mesmo plantados sob Fernando Henrique alguns dos instrumentos quegarantiram a Lula um cenário econômico relativamente tranqüilo. Então, neste sentido, não dá para aceitar a idéia de que o bom momento da economia brasileira é fruto apenas do que foi feito neste governo, como parecem acreditar alguns. Por outro lado é pouco crível que Lula e sua equipe pouco tenham trabalhado para que o país alcançasse o patamar que está alcançando hoje, neste exato momento em que mais uma agência de avaliação de risco, a Fitch, laureia o país com o grau de investimento.
Mais que isso, Lula e os seus parecem ter uma visão um pouco distinta daquela que os demo-tucanos tinham sobre a economia e o papel do Estado quando foram governo. Se estes enfrentaram o duro momento de debelar, de uma vez por todas, os altos índices de inflação, por outro lado pareciam acreditar num Estado cada vez mais focado numa função de regulação do funcionamento do mercado, uma espécie de árbitro entre produtores e consumidores. O governo Lula, por sua vez, embora tenha pego um momento diferente da economia mundial em relação àquele que Fernando Henrique viveu nos anos 1990, acredita no papel indutor do Estado, ainda que dentro, obviamente, dos limites que se colocam para a ação desenvolvimentista do Estado nos dias de hoje. E é inegável que o Estado "neodesenvolvimentista" comandado por Lula tem responsabilidade direta com boa parte do crescimento econômico que o país vem experimentando.
Independentemente do maior ou menor grau de responsabilidade que este ou aquele governo tenha em relação ao atual momento, tira proveito da situação a população que se vê em melhores condições de vida hoje do que há anos atrás. Lula provavelmente acha que é com ele e com seu governo que os brasileiros identificarão a boa fase da economia. A oposição tenta demonstrar que não é bem assim. Nesta corrida para ver quem é o pai da criança Lula se dá melhor, pois a memória popular em relação aos anos FHC tende a ficar a cada dia mais esmaecida, como seria natural com o passar do tempo.
Cabe à oposição, caso queira ter chances de voltar a ocupar a presidência da República, dizer o que faria de diferente em relação ao que tem sido feito. Seria um certo silêncio que se observa no campo demo-tucano uma surpreendente estratégia política, fadada a dar frutos em momento oportuno, ou, ao invés disso, apenas uma grande dificuldade em mostrar aonde mora a tal diferença em relação ao que tem feito o governo Lula?
Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.
Há alguns anos os brasileiros se acostumaram a receber boas notícias em relação à economia. Vivemos nos dias atuais, de fato, um cenário bem diferente daquele de duas décadas atrás, quando o país decepcionava-se a cada novo plano de estabilização monetária mal-sucedido. Números há para todos os gostos, mas os números que o país tem colecionado na economia nos últimos anos são de difícil contestação. Dos índices de inflação aos saldos da Balança Comercial, do crescimento do nível de emprego com carteira assinada ao índices de consumo de diversas categorias de produtos, tudo parece apontar para a hipótese de que entramos numa fase de bonança econômica como há muito tempo não se via. Há quem diga que ainda há muito o que se caminhar rumo ao crescimento sustentado, enquanto há quem sustente que o país cresce há vários semestres, como não se via, pelo menos, desde a época do Milagre Brasileiro, no início da década de 1970.
O governo procura tirar proveito político da boa fase da economia, imaginando que, entre outras coisas, a melhoria das condições de vida dos brasileiros renda apoio político e sobretudo votos. A oposição, que clama para si a responsabilidade de ter plantado os pilares fundamentais da estabilidade e do crescimento atuais, procura desdenhar, como não podia deixar de ser, afirmando que o grande mérito de Lula foi não ter feito nada de novo na economia.
Na guerra entre lulo-petistas e demo-tucanos há verdades e mentiras. É mesmo verdade que Lula deixou de lado, uma vez ungido à cadeira presidencial, ou até antes disso, boa parte do ideário petista em relação à economia. Abraçou-se aos instrumentos garantidores da estabilidade que já vinham desde seu antecessor e parece ter sido muito bem sucedido nesta escolha. De fato, foram mesmo plantados sob Fernando Henrique alguns dos instrumentos quegarantiram a Lula um cenário econômico relativamente tranqüilo. Então, neste sentido, não dá para aceitar a idéia de que o bom momento da economia brasileira é fruto apenas do que foi feito neste governo, como parecem acreditar alguns. Por outro lado é pouco crível que Lula e sua equipe pouco tenham trabalhado para que o país alcançasse o patamar que está alcançando hoje, neste exato momento em que mais uma agência de avaliação de risco, a Fitch, laureia o país com o grau de investimento.
Mais que isso, Lula e os seus parecem ter uma visão um pouco distinta daquela que os demo-tucanos tinham sobre a economia e o papel do Estado quando foram governo. Se estes enfrentaram o duro momento de debelar, de uma vez por todas, os altos índices de inflação, por outro lado pareciam acreditar num Estado cada vez mais focado numa função de regulação do funcionamento do mercado, uma espécie de árbitro entre produtores e consumidores. O governo Lula, por sua vez, embora tenha pego um momento diferente da economia mundial em relação àquele que Fernando Henrique viveu nos anos 1990, acredita no papel indutor do Estado, ainda que dentro, obviamente, dos limites que se colocam para a ação desenvolvimentista do Estado nos dias de hoje. E é inegável que o Estado "neodesenvolvimentista" comandado por Lula tem responsabilidade direta com boa parte do crescimento econômico que o país vem experimentando.
Independentemente do maior ou menor grau de responsabilidade que este ou aquele governo tenha em relação ao atual momento, tira proveito da situação a população que se vê em melhores condições de vida hoje do que há anos atrás. Lula provavelmente acha que é com ele e com seu governo que os brasileiros identificarão a boa fase da economia. A oposição tenta demonstrar que não é bem assim. Nesta corrida para ver quem é o pai da criança Lula se dá melhor, pois a memória popular em relação aos anos FHC tende a ficar a cada dia mais esmaecida, como seria natural com o passar do tempo.
Cabe à oposição, caso queira ter chances de voltar a ocupar a presidência da República, dizer o que faria de diferente em relação ao que tem sido feito. Seria um certo silêncio que se observa no campo demo-tucano uma surpreendente estratégia política, fadada a dar frutos em momento oportuno, ou, ao invés disso, apenas uma grande dificuldade em mostrar aonde mora a tal diferença em relação ao que tem feito o governo Lula?
Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.
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