O professor Mário Maestri é um dos melhores textos da esquerda radical hoje no Brasil. Dizem que para escrever bem, é preciso pensar bem, mas há contra-exemplos notáveis no jornalismo brasileiro, em que tanta gente simplesmente não pensa, mas escreve com grande talento. No caso de Maestri, pensamento e talento para o texto correm juntos e vale a pena ler a íntegra do artigo que ele enviou para o Correio da Cidadania, reproduzido abaixo. Este blog não concorda com tudo que está dito, mas recomenda vivamente a leitura. Após o texto na íntegra, as próximas notas seguirão com comentários de alguns trechos mais relevantes.
Após repetir o receituário neoliberal instaurado por FHC e as pífias taxas de crescimento do PIB e das condições gerais de vida da população, Lula da Silva conheceu indiscutível consagração no segundo turno eleitoral que desorganizou a oposição da direita antiga e da esquerda nova. No frigir dos ovos eleitorais, Lula da Silva e seu governo terminaram sendo referendados até mesmo pelas duas principais organizações sociais, a CUT e o MST, que se mobilizaram pela sua reeleição, em vez de combaterem os malefícios sociais e nacionais de seu governo.
Portanto, para prosseguir e aprofundar as medidas de sua primeira administração, Lula da Silva conta, em 2006, indiscutivelmente, com melhores condições do que em 2002, pois, além de terem sido consagrados nas urnas, ele e seu governo, defronta-se agora com um PT definitivamente reduzido em sua importância em relação ao presidente e, sobretudo, depurado de raízes e influências sociais que dificultem o bom e normal prosseguimento, nos quatro próximos anos, das políticas e iniciativas liberais.
Nas eleições apenas concluídas, o que valeu mesmo foi a nota preta, como assinalam sem pudor os dados publicados pela grande imprensa. As urnas reelegeram sem dificuldades eminências petistas acusadas de corrupção, que gastaram comumente mundos e fundos na campanha, e dizimaram a social-democracia de esquerda, sem o mesmo acesso franco aos grandes doadores – DS, Articulação de Esquerda, Força Socialista, O Trabalho, etc. No segundo governo, como anunciado pelo próprio presidente, o PT perderá espaço, sobretudo em favor do PMDB, e o grande capital estenderá sua presença, sobretudo direta.
A fera e seu domador
Ao penalizar duramente a Frente de Esquerda – PSOL, PSTU, PCB –, o eleitorado facilitou igualmente a vida de Lula da Silva e o prosseguimento das suas políticas, que o presidente apresenta como plenamente vitoriosas. As eleições não contribuíram para a consolidação de oposição de esquerda. O PSOL enfraqueceu-se: perdeu deputados e aprofundou nas eleições sua falta de unidade política e programática, como sinaliza o afastamento de fato do candidato à vice-presidente, César Benjamin, e a profunda divisão no MES, uma das principais tendências daquele partido. Apesar dos seis milhões de votos, Heloísa Helena teve sua pregação centrada na denúncia da corrupção do governo rejeitada no segundo turno por eleitorado que desconsiderou a questão como elemento qualificador do governo. O PSTU alcançou votação pífia e poucos eleitores seguiram a indicação de voto nulo, incapaz de propor-se como meio de construção de alternativa social.
Na segunda administração, Lula da Silva seguirá mantendo o apoio do grande capital financeiro que, durante a campanha, jamais se desinteressou da continuação da gestão do governo por bloco político-social capaz de implementar mais facilmente as medidas anti-sociais, precisamente devido ao prestígio permitido por suas raízes populares. Qualidade diferencial importante em contexto econômico que, no mínimo, não repetirá a excelência anterior, devido à esperada retração da economia estadunidense e queda de ritmo da expansão chinesa, grandes locomotivas dos anos de glória para o comércio internacional sob os quais transcorreu o primeiro quadriênio lulista.
O grande projeto do segundo governo Lula da Silva constitui a radicalização das soluções antipopulares, sobretudo com o objetivo de pôr fim à fratura atual entre o grande capital financeiro e os setores produtivos não ligados a ele – grandes, pequenos e médios. Delineado por Delfim Netto, o projeto governamental recebeu o tradicional batismo no economês incapaz de ser compreendido pela população comum. Ele chama-se “Déficit Nominal Zero” e prevê, simplesmente, como grande estratégia de ação, o fim dos gastos públicos superiores às receitas, sem qualquer interrupção do pagamento da dívida, folga dizer.
Segundo parece, a pífia votação de Delfim Netto, incapaz de reelegê-lo, contribuirá para que, aos menos inicialmente, ele acompanhe a implementação de sua proposta como consultor pessoal e não ministro de Lula da Silva, como certamente sonhava e muitos previam. A participação do mais querido economista dos generais em um governo lulo-petista garantiria-lhe, após a ampla premiação que conheceu por seus pecados sociais, durante e após a ditadura, uma última e magnífica consagração moral, através do esculacho geral da memória da resistência democrática e social ao regime militar.
Maioria sem mensalão, se possível!
Ao contrário, a eventual incorporação por Lula da Silva do “companheiro” Jorge Gerdau Johannpeter, o mega-milionário rio-grandense do aço, possivelmente como ministro da Fazenda ou do Planejamento, com grande chance, portanto, de pôr a mão na sedutora burra do BNDES, registraria o ingresso do grande capital industrial, não por delegação, de corpo presente, ao lado do capital financeiro, no coração em todos sentidos duro do governo. Medida que nos fatos amaciaria o público eleitor nacional para uma eventual próxima candidatura à presidência de um grande empresário, ao estilo de Berlusconi, na Itália.
O programa Déficit Nominal Zero exige reforma constitucional que termine com as vinculações orçamentárias de gastos, ensejando um enxugamento radical nos investimentos sociais que permita ao governo manter a exigência do capital financeiro de superávit primário em 4,25 do PIB – em 2007, mais de 56 bilhões de reais –, sem ser obrigado a captar os vultuosos recursos no sistema financeiro que mantém a taxa de juros reais entre as mais suculentas do mundo.
Nesse sentido, impõe-se ao próximo governo uma ampla maioria parlamentar, preferentemente que não exija constrangedoras remunerações extraordinárias. Uma realidade facilitada pelo fortalecimento do PDMB que, de 76 deputados eleitos, em 2002, passou para 89, em 2006, e certamente receberá uma enxurrada de outros, vindos sobretudo dos pequenos partidos de vocação fisiológica, ameaçados pelas novas restrições da legislação partidária.
Com a redução radical dos gastos sociais, o governo espera retomar os investimentos sobretudo infra-estruturais exigidos pelos segmentos exportadores – hoje em menos de meio por cento do PIB – e diminuir a carga tributária, atualmente em 37% do PIB. Preferencialmente limitada pela Lei de Diretrizes Orçamentárias, a desoneração tributária seria sobretudo para o capital produtivo, pois o trabalhador e o assalariado devem, como sabemos, continuar contribuindo patrioticamente para que o “bolo cresça”.
O fim de um Brasil
A esperada queda da taxa de juros ensejaria a igualmente a retomada de investimento do capital privado, nacional e internacional, atualmente abaixo dos 20% do PIB. Taxas de remuneração do capital menos escandalosamente atraentes diminuiriam o enorme ingresso de capitais especulativos no Brasil, que valoriza o real, impulsiona viagens e gastos no exterior, as importações e, sobretudo, desgraça a agricultura e cada vez mais amplos setores industriais produzindo para o exterior e para o mercado interno – calçado, têxtil, moveleiro, eletrodoméstico, etc. Portanto, os juros baixariam, para o gáudio do capital industrial, sem interromper o sagrado pagamento do capital financeiro.
A retomada dos investimentos públicos-privados seria apoiada pela radicalização da orientação exportadora, favorecida pelo encolhimento relativo do consumo interno público e privado, pois ninguém quer, é claro, a volta da inflação, que ficará, em 2006, entre as menores dos chamados países emergentes. Espera-se que essa política acresça a participação das exportações de 16 para 25% do PIB. Devido à importância das exportações no projeto geral da segunda administração, sequer se aceita pensar na possibilidade de que a anunciada retração da economia estadunidense se transforme em recessão, como prevêem alguns economistas agourentos. O prosseguimento da internacionalização da economia e da depressão do mercado interno e potenciação das exportações radicalizarão modificações econômicas e sociais, já em forte desenvolvimento, de conseqüências estruturais para a coesão social e política da nação brasileira.
Os estrategistas duros da próxima administração sonham também com a imposição constitucional do Déficit Nominal Zero através de Lei de Responsabilidade Fiscal Geral que restrinja a autonomia política e econômica do governo, naturalizando, por um lado, a transferência dos recursos nacionais para o grande capital financeiro e industrial, e, por outro, a penúria dos investimentos sociais. Há consenso sobre a manutenção no segundo governo da autonomia de fato do Banco Central e uma sua definitiva institucionalização, se possível. Meirelles, o grande controlador das finanças nacionais, por conta das internacionais, só sai do governo por sua vontade, já que cumpria à risca as determinações daqueles que realmente o nomearam.
O programa Déficit Nominal Zero encolherá ainda mais os serviços públicos, aumentando a falta de assistência geral da população. A toda poderosa Dilma Roussef, chefe da Casa Civil, já anunciou a decisão de enxugamento da máquina no segundo governo. Nesse sentido, a rejeição de Lula da Silva de novos cortes são meras ressacas da retórica eleitoral. Mesmo golpeando ainda mais dramaticamente enormes parcelas da população, o governo espera que, com essas medidas, possa reduzir o desemprego, em torno a 15% na região metropolitana de São Paulo, caso o país alcance taxas de desenvolvimento médias superiores ao cinco por cento do PIB, como afirma que fará já em 2007, ainda que ninguém acredite na seriedade da promessa, sobretudo após o fraco desempenho da economia em 2006.
Excluídos e incluídos
A retomada da expansão econômica ensejaria a conquista do consenso ou, ao menos, da neutralidade, dos segmentos sociais incluídos no mercado de trabalho, facilitando a gestão dos excluídos, total ou parcialmente, processo que tem alcançado bons resultados em outras regiões do mundo. Uma expectativa que explica o apoio pleno da direção da CUT ao projeto como um todo.
A estratégia geral de segundo administração não contempla minimamente a reforma agrária, por absoluta falta de recursos para a compra de terra improdutiva, no contexto do projeto em desenvolvimento. A necessidade de expansão das exportações e o crescente peso do agro-negócio na economia nacional e no governo Lula da Silva – veja-se o apoio ao presidente de Blairo Maggi, o rei da soja, recentemente entronizado como governador do Mato Grosso – exigem que os recursos e as reservas de terras nacionais sejam destinadas à agricultura de exportação.
Os novos e velhos bolsões sociais urbanos e rurais vivendo estruturalmente na miséria prosseguirão sendo geridos com políticas sociais compensatórias, como sugerido pelo Banco Mundial, que apresentaram excelentes resultados eleitorais. E, como há consenso que os recursos alocados a essa política refluirão, já no próximo ano, após os excessos eleitorais, não se descarta a possibilidade de medidas coativas, controladas e focalizadas, caso sejam necessária, principalmente no que se refere à população urbana.
Sobretudo o fato de que o projeto Déficit Nominal Zero seja também defendido pelo PSDB-PFL explica a ausência de debate político de fundo durante as eleições presidenciais e a alegre distensão que já se abateu sobre o mundo político, após a gritaria sobre o dinheiro do dossiê Serra, com ameaças até mesmo de impeachment presidencial. Goste ou não goste o Alckmin, reclame o FHC, esperneie o Bornhausen, de todos os lados já se escuta a ordem dura dos senhores da riqueza e do poder do país: – Tá bem, vocês tentaram, e tinham direito. Agora, chega! Basta! Deixem o homem trabalhar!
* Mário Maestri, 58, é historiador. E-mail: maestri@via-rs.net
Após repetir o receituário neoliberal instaurado por FHC e as pífias taxas de crescimento do PIB e das condições gerais de vida da população, Lula da Silva conheceu indiscutível consagração no segundo turno eleitoral que desorganizou a oposição da direita antiga e da esquerda nova. No frigir dos ovos eleitorais, Lula da Silva e seu governo terminaram sendo referendados até mesmo pelas duas principais organizações sociais, a CUT e o MST, que se mobilizaram pela sua reeleição, em vez de combaterem os malefícios sociais e nacionais de seu governo.
Portanto, para prosseguir e aprofundar as medidas de sua primeira administração, Lula da Silva conta, em 2006, indiscutivelmente, com melhores condições do que em 2002, pois, além de terem sido consagrados nas urnas, ele e seu governo, defronta-se agora com um PT definitivamente reduzido em sua importância em relação ao presidente e, sobretudo, depurado de raízes e influências sociais que dificultem o bom e normal prosseguimento, nos quatro próximos anos, das políticas e iniciativas liberais.
Nas eleições apenas concluídas, o que valeu mesmo foi a nota preta, como assinalam sem pudor os dados publicados pela grande imprensa. As urnas reelegeram sem dificuldades eminências petistas acusadas de corrupção, que gastaram comumente mundos e fundos na campanha, e dizimaram a social-democracia de esquerda, sem o mesmo acesso franco aos grandes doadores – DS, Articulação de Esquerda, Força Socialista, O Trabalho, etc. No segundo governo, como anunciado pelo próprio presidente, o PT perderá espaço, sobretudo em favor do PMDB, e o grande capital estenderá sua presença, sobretudo direta.
A fera e seu domador
Ao penalizar duramente a Frente de Esquerda – PSOL, PSTU, PCB –, o eleitorado facilitou igualmente a vida de Lula da Silva e o prosseguimento das suas políticas, que o presidente apresenta como plenamente vitoriosas. As eleições não contribuíram para a consolidação de oposição de esquerda. O PSOL enfraqueceu-se: perdeu deputados e aprofundou nas eleições sua falta de unidade política e programática, como sinaliza o afastamento de fato do candidato à vice-presidente, César Benjamin, e a profunda divisão no MES, uma das principais tendências daquele partido. Apesar dos seis milhões de votos, Heloísa Helena teve sua pregação centrada na denúncia da corrupção do governo rejeitada no segundo turno por eleitorado que desconsiderou a questão como elemento qualificador do governo. O PSTU alcançou votação pífia e poucos eleitores seguiram a indicação de voto nulo, incapaz de propor-se como meio de construção de alternativa social.
Na segunda administração, Lula da Silva seguirá mantendo o apoio do grande capital financeiro que, durante a campanha, jamais se desinteressou da continuação da gestão do governo por bloco político-social capaz de implementar mais facilmente as medidas anti-sociais, precisamente devido ao prestígio permitido por suas raízes populares. Qualidade diferencial importante em contexto econômico que, no mínimo, não repetirá a excelência anterior, devido à esperada retração da economia estadunidense e queda de ritmo da expansão chinesa, grandes locomotivas dos anos de glória para o comércio internacional sob os quais transcorreu o primeiro quadriênio lulista.
O grande projeto do segundo governo Lula da Silva constitui a radicalização das soluções antipopulares, sobretudo com o objetivo de pôr fim à fratura atual entre o grande capital financeiro e os setores produtivos não ligados a ele – grandes, pequenos e médios. Delineado por Delfim Netto, o projeto governamental recebeu o tradicional batismo no economês incapaz de ser compreendido pela população comum. Ele chama-se “Déficit Nominal Zero” e prevê, simplesmente, como grande estratégia de ação, o fim dos gastos públicos superiores às receitas, sem qualquer interrupção do pagamento da dívida, folga dizer.
Segundo parece, a pífia votação de Delfim Netto, incapaz de reelegê-lo, contribuirá para que, aos menos inicialmente, ele acompanhe a implementação de sua proposta como consultor pessoal e não ministro de Lula da Silva, como certamente sonhava e muitos previam. A participação do mais querido economista dos generais em um governo lulo-petista garantiria-lhe, após a ampla premiação que conheceu por seus pecados sociais, durante e após a ditadura, uma última e magnífica consagração moral, através do esculacho geral da memória da resistência democrática e social ao regime militar.
Maioria sem mensalão, se possível!
Ao contrário, a eventual incorporação por Lula da Silva do “companheiro” Jorge Gerdau Johannpeter, o mega-milionário rio-grandense do aço, possivelmente como ministro da Fazenda ou do Planejamento, com grande chance, portanto, de pôr a mão na sedutora burra do BNDES, registraria o ingresso do grande capital industrial, não por delegação, de corpo presente, ao lado do capital financeiro, no coração em todos sentidos duro do governo. Medida que nos fatos amaciaria o público eleitor nacional para uma eventual próxima candidatura à presidência de um grande empresário, ao estilo de Berlusconi, na Itália.
O programa Déficit Nominal Zero exige reforma constitucional que termine com as vinculações orçamentárias de gastos, ensejando um enxugamento radical nos investimentos sociais que permita ao governo manter a exigência do capital financeiro de superávit primário em 4,25 do PIB – em 2007, mais de 56 bilhões de reais –, sem ser obrigado a captar os vultuosos recursos no sistema financeiro que mantém a taxa de juros reais entre as mais suculentas do mundo.
Nesse sentido, impõe-se ao próximo governo uma ampla maioria parlamentar, preferentemente que não exija constrangedoras remunerações extraordinárias. Uma realidade facilitada pelo fortalecimento do PDMB que, de 76 deputados eleitos, em 2002, passou para 89, em 2006, e certamente receberá uma enxurrada de outros, vindos sobretudo dos pequenos partidos de vocação fisiológica, ameaçados pelas novas restrições da legislação partidária.
Com a redução radical dos gastos sociais, o governo espera retomar os investimentos sobretudo infra-estruturais exigidos pelos segmentos exportadores – hoje em menos de meio por cento do PIB – e diminuir a carga tributária, atualmente em 37% do PIB. Preferencialmente limitada pela Lei de Diretrizes Orçamentárias, a desoneração tributária seria sobretudo para o capital produtivo, pois o trabalhador e o assalariado devem, como sabemos, continuar contribuindo patrioticamente para que o “bolo cresça”.
O fim de um Brasil
A esperada queda da taxa de juros ensejaria a igualmente a retomada de investimento do capital privado, nacional e internacional, atualmente abaixo dos 20% do PIB. Taxas de remuneração do capital menos escandalosamente atraentes diminuiriam o enorme ingresso de capitais especulativos no Brasil, que valoriza o real, impulsiona viagens e gastos no exterior, as importações e, sobretudo, desgraça a agricultura e cada vez mais amplos setores industriais produzindo para o exterior e para o mercado interno – calçado, têxtil, moveleiro, eletrodoméstico, etc. Portanto, os juros baixariam, para o gáudio do capital industrial, sem interromper o sagrado pagamento do capital financeiro.
A retomada dos investimentos públicos-privados seria apoiada pela radicalização da orientação exportadora, favorecida pelo encolhimento relativo do consumo interno público e privado, pois ninguém quer, é claro, a volta da inflação, que ficará, em 2006, entre as menores dos chamados países emergentes. Espera-se que essa política acresça a participação das exportações de 16 para 25% do PIB. Devido à importância das exportações no projeto geral da segunda administração, sequer se aceita pensar na possibilidade de que a anunciada retração da economia estadunidense se transforme em recessão, como prevêem alguns economistas agourentos. O prosseguimento da internacionalização da economia e da depressão do mercado interno e potenciação das exportações radicalizarão modificações econômicas e sociais, já em forte desenvolvimento, de conseqüências estruturais para a coesão social e política da nação brasileira.
Os estrategistas duros da próxima administração sonham também com a imposição constitucional do Déficit Nominal Zero através de Lei de Responsabilidade Fiscal Geral que restrinja a autonomia política e econômica do governo, naturalizando, por um lado, a transferência dos recursos nacionais para o grande capital financeiro e industrial, e, por outro, a penúria dos investimentos sociais. Há consenso sobre a manutenção no segundo governo da autonomia de fato do Banco Central e uma sua definitiva institucionalização, se possível. Meirelles, o grande controlador das finanças nacionais, por conta das internacionais, só sai do governo por sua vontade, já que cumpria à risca as determinações daqueles que realmente o nomearam.
O programa Déficit Nominal Zero encolherá ainda mais os serviços públicos, aumentando a falta de assistência geral da população. A toda poderosa Dilma Roussef, chefe da Casa Civil, já anunciou a decisão de enxugamento da máquina no segundo governo. Nesse sentido, a rejeição de Lula da Silva de novos cortes são meras ressacas da retórica eleitoral. Mesmo golpeando ainda mais dramaticamente enormes parcelas da população, o governo espera que, com essas medidas, possa reduzir o desemprego, em torno a 15% na região metropolitana de São Paulo, caso o país alcance taxas de desenvolvimento médias superiores ao cinco por cento do PIB, como afirma que fará já em 2007, ainda que ninguém acredite na seriedade da promessa, sobretudo após o fraco desempenho da economia em 2006.
Excluídos e incluídos
A retomada da expansão econômica ensejaria a conquista do consenso ou, ao menos, da neutralidade, dos segmentos sociais incluídos no mercado de trabalho, facilitando a gestão dos excluídos, total ou parcialmente, processo que tem alcançado bons resultados em outras regiões do mundo. Uma expectativa que explica o apoio pleno da direção da CUT ao projeto como um todo.
A estratégia geral de segundo administração não contempla minimamente a reforma agrária, por absoluta falta de recursos para a compra de terra improdutiva, no contexto do projeto em desenvolvimento. A necessidade de expansão das exportações e o crescente peso do agro-negócio na economia nacional e no governo Lula da Silva – veja-se o apoio ao presidente de Blairo Maggi, o rei da soja, recentemente entronizado como governador do Mato Grosso – exigem que os recursos e as reservas de terras nacionais sejam destinadas à agricultura de exportação.
Os novos e velhos bolsões sociais urbanos e rurais vivendo estruturalmente na miséria prosseguirão sendo geridos com políticas sociais compensatórias, como sugerido pelo Banco Mundial, que apresentaram excelentes resultados eleitorais. E, como há consenso que os recursos alocados a essa política refluirão, já no próximo ano, após os excessos eleitorais, não se descarta a possibilidade de medidas coativas, controladas e focalizadas, caso sejam necessária, principalmente no que se refere à população urbana.
Sobretudo o fato de que o projeto Déficit Nominal Zero seja também defendido pelo PSDB-PFL explica a ausência de debate político de fundo durante as eleições presidenciais e a alegre distensão que já se abateu sobre o mundo político, após a gritaria sobre o dinheiro do dossiê Serra, com ameaças até mesmo de impeachment presidencial. Goste ou não goste o Alckmin, reclame o FHC, esperneie o Bornhausen, de todos os lados já se escuta a ordem dura dos senhores da riqueza e do poder do país: – Tá bem, vocês tentaram, e tinham direito. Agora, chega! Basta! Deixem o homem trabalhar!
* Mário Maestri, 58, é historiador. E-mail: maestri@via-rs.net
Tenho a impressão que o professor utiliza muitas fofocas de imprensa como fatos, para daí construir a sua tese.
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