Pular para o conteúdo principal

Geraldo Samor: Por que o Itaú deveria vender a XP

Vale a leitura do artigo do jornalista e editor do Brazil Journal, publicado no site dia 26/6, sobre a disputa envolvendo a corretora e o banco, que dominou as redes durante a semana que passou. Íntegra abaixo.

Nem todo casamento dura para sempre.
Quando pagou R$ 6 bilhões por 49% da XP em meados de 2017, o Itaú Unibanco fez um dos melhores negócios da história do sistema financeiro no Brasil.
Não só o banco fez um “hedge” de sua franquia como conseguiu multiplicar seu investimento por 11 em apenas três anos — sem falar na opção para comprar mais 12,5% da corretora em 2022.
Mas agora, com as crescentes diferenças de perfil entre as partes e os conflitos advindos da dupla posição do Itaú — concorrente e acionista — talvez tenha chegado a hora de cada lado seguir seu caminho.
A forma mais inteligente de operacionalizar o divórcio: em vez de vender sua participação na XP no mercado, gerando um imposto sobre ganho de capital brutal, o Itaú poderia fazer o spinoff da posição, dando a cada acionista de ITUB4 um BDR lastreado nas ações da XP. A preços de hoje, um dividendo in kind de mais de R$ 62 bilhões.
A partir daí, cada acionista decidiria por si só se deseja manter um pé em cada canoa, e os dois lados se veriam livres do drama dos últimos dias.
Obviamente, todo divórcio tem suas consequências. O downside para a XP: assim como celebrou a chancela do banco quando deu boas-vindas ao Itaú, Guilherme Benchimol não contaria mais com o imprimatur da casa bancária de 95 anos.
Por outro lado, a XP hoje talvez já tenha nome e massa crítica suficientes para atrair clientes sem precisar da chancela.
É intrigante lembrar que — não fosse pela intervenção do BC — o alinhamento entre Benchimol, os Setubal e os Moreira Salles hoje seria quase completo. No desenho original da transação, o Itaú gradualmente aumentaria sua participação até tomar o controle — pagando múltiplos crescentes por cada nova fatia.
Mas o BC achou too much permitir que um líder da indústria comprasse o player de maior crescimento, e limitou o Itaú nos 49% (diluídos para 46% no IPO) — a opção para comprar mais 12,5% também é sujeita à aprovação, mas, de um jeito ou de outro, os direitos políticos sempre estarão na mão de Benchimol.
Por um tempo, parecia aceitável para o Itaú perder share para a XP em investimentos já que o banco se beneficia de metade do lucro econômico da companhia. Mas… “isso é uma falácia, porque com o valuation astronômico que uma empresa de high growth consegue no mercado, a partir de dado momento ela tem massa crítica para atacar não só uma ponta do negócio — o lado de investimentos — mas todas as verticais,” resume um observador. “No final, a criatura engole o criador.”
Para um investidor que assiste à briga de camarote, sem posição em nenhum dos lados, “hoje em dia, o líder incorpora a figura de um pastor, e assim como a Igreja se perpetuou criando a figura do Diabo, o Guilherme cultivou o inimigo na figura do Itaú, dos bancões.”
Ao contrário do que se imaginava, “a transação entre eles não desmilitarizou a tropa. O pessoal da XP aproveitou a segurança da instituição Itaú para vender proteção e refinar sua imagem, mas foram para cima dos clientes. No fim, tinham a segurança do Itaú com o atendimento e agilidade da XP. Receita óbvia para ganho de share.”
De um jeito ou de outro, seguindo sozinho ou ainda de braços dados com a XP, fica claro que a ficha caiu no Itaú, que começou a se mexer. Talvez ainda batendo cabeça e tomando alguns olés, mas já entendendo a importância de controlar sua própria narrativa.
Neste espírito, para lidar com os novos tempos, Roberto Setúbal talvez pudesse tomar emprestada uma lição de Luiza Helena Trajano. Para aumentar a moral e a autoestima de sua tropa, Luiza um dia colocou em seu cartão: “Luiza Helena, Vendedora.”
Aguarde-se para breve: “Roberto Setubal, Gerente.”


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And...

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda...

Dúvida atroz

A difícil situação em que se encontra hoje o presidente da República, com 51% de avaliação negativa do governo, 54% favoráveis ao impeachment e rejeição eleitoral batendo na casa dos 60%, anima e ao mesmo tempo impõe um dilema aos que articulam candidaturas ditas de centro: bater em quem desde já, Lula ou Bolsonaro?  Há quem já tenha a resposta, como Ciro Gomes (PDT). Há também os que concordam com ele e vejam o ex-presidente como alvo preferencial. Mas há quem prefira investir prioritariamente no derretimento do atual, a ponto de tornar a hipótese de uma desistência — hoje impensável, mas compatível com o apreço presidencial pelo teatro da conturbação — em algo factível. Ao que tudo indica, só o tempo será capaz de construir um consenso. Se for possível chegar a ele, claro. Por ora, cada qual vai seguindo a sua trilha. Os dois personagens posicionados na linha de tiro devido à condição de preferidos nas pesquisas não escondem o desejo de se enfrentar sem os empecilhos de terceira,...