O presidente americano Donald Trump pode até perder a reeleição em novembro, mas já inscreveu seu nome na história política dos Estados Unidos de maneira insólita. Trump é o primeiro presidente do país a desprezar as atribuições do cargo. Usou e abusou do discurso racista, misógino e preconceituoso contra minorias e líderes de outros países. Ignorou o Congresso recorrendo a decretos, destratou o Judiciário e adotou a mentira, repetida à exaustão, como arma política para justificar suas ações, atacar opositores e hostilizar a imprensa, escreve Por José Eduardo Barella em artigo publicado dia 26/6 no Valor Econômico. Vale a leitura, continua abaixo.
Mais do que um inventário das grosserias cometidas pelo presidente americano, há três anos na Casa Branca, “Surviving Autocracy” (Sobrevivendo à Autocracia, inédito em português), livro recém-lançado nos EUA pela jornalista e escritora russo-americana Masha Gessen, se propõe a estabelecer um método para o comportamento errático de Trump, cujo governo ela define como uma autocracia que coloca à prova, todos os dias, a sólida democracia americana - e de uma forma que o establishment político e a imprensa ainda não descobriram como lidar.
“Na era Trump não há passado, nem futuro, nem História, nem visão, apenas o presente ansioso”, escreve a autora.
Trump e sua curta carreira política já foram temas de inúmeras obras. O mérito de Masha é recorrer ao conceito de autocracia - segundo o qual o poder é concentrado nas mãos de um governante autoritário - para dissecar o “trumpismo”.
Nascida na antiga União Soviética, Masha emigrou para os EUA na adolescência e voltou para a Rússia em 1991. Depois de passar por jornais e revistas russos, decidiu retornar para os EUA em 2013. Autora de outros dez livros e militante da causa LGBT, hoje colabora para veículos americanos.
Masha reconhece que a ascensão de Trump só foi possível porque parte da população branca americana apoia seu discurso racista e contra os imigrantes. A expectativa de que, ao ser eleito, Trump adotasse um “comportamento presidencial” mostrou-se, segundo ela, um erro. “Foi uma ilusão imaginar que as instituições iriam nos salvar”, escreve.
A autora assegura que, diferentemente do presidente russo, Vladimir Putin, Trump não almeja se perpetuar no cargo. Mas usa os métodos de um autocrata para governar, ignorando normas e valores da democracia americana. Como presidente, acredita que sua função é dar ordens, que devem ser obedecidas por todos, incluindo oposição, Poder Judiciário e imprensa.
O primeiro efeito de sua eleição, sustenta, foi a perda da discussão política substantiva, substituída por uma guerra de narrativas e pela incorporação da mentira como método. Segundo ela, isso já ficou evidente no chuvoso dia da posse, quando Trump insistiu que o sol brilhou durante seu discurso e que havia mais gente do que na cerimônia inaugural de Barack Obama.
Contestado por repórteres e imagens de TV, um porta-voz cunhou a memorável expressão “fatos alternativos” para se referir à versão de Trump - aviso de que o presidente se reservava o direito de mentir.
Como reagir a um presidente que chama toda notícia que não lhe agrada de “fake news”? Para Masha, a imprensa deveria tratar o “trumpismo” como sistema, e não como notícia. “Trump tem o instinto, talvez o talento, de embaralhar a linguagem, usando palavras que significam o oposto, tirando significado delas”, diz. Um levantamento do jornal “Washington Post” mostra que Trump mente, em média, 13 vezes por dia.
O desprezo pela tradição da democracia americana é outra marca do “trumpismo”. Segundo a autora, Trump rebaixa o cargo de presidente dos EUA. Nomeia secretários sem experiência na área ou de governo. Ignora informes, não traça estratégias e bate ponto no Salão Oval até 18h30 - depois segue para seus aposentos, de onde tuíta freneticamente. Mais grave é o flagrante conflito de interesses, ao misturar negócios pessoais com os de Estado, dando à filha Ivanka e ao genro Jared Kushner status de consultores informais.
Para a autora, a chegada da covid-19 aos EUA expôs as contradições de Trump. “A pandemia acabou tornando sua arrogância ignorante numa arma letal”, escreve, citando o desprezo inicial do presidente pelo novo coronavírus. Masha, no entanto, acredita que a covid-19 mostrou-se uma doença perfeita para a era Trump, pois alimentou o medo, levou ao fechamento de fronteiras e deu palanque ao presidente. “A despeito de sua fraca atuação, sua popularidade aumentou.”
Dois fatos ficaram de fora da obra. Um deles, após a conclusão do livro em abril, foi a explosão de protestos antirracistas, que abalaram a popularidade de Trump. O outro foi a constatação de como o presidente brasileiro Jair Bolsonaro não apenas se inspira, mas copia descaradamente o método “trumpista” de governar, típico de um autocrata.
Mais do que um inventário das grosserias cometidas pelo presidente americano, há três anos na Casa Branca, “Surviving Autocracy” (Sobrevivendo à Autocracia, inédito em português), livro recém-lançado nos EUA pela jornalista e escritora russo-americana Masha Gessen, se propõe a estabelecer um método para o comportamento errático de Trump, cujo governo ela define como uma autocracia que coloca à prova, todos os dias, a sólida democracia americana - e de uma forma que o establishment político e a imprensa ainda não descobriram como lidar.
“Na era Trump não há passado, nem futuro, nem História, nem visão, apenas o presente ansioso”, escreve a autora.
Trump e sua curta carreira política já foram temas de inúmeras obras. O mérito de Masha é recorrer ao conceito de autocracia - segundo o qual o poder é concentrado nas mãos de um governante autoritário - para dissecar o “trumpismo”.
Nascida na antiga União Soviética, Masha emigrou para os EUA na adolescência e voltou para a Rússia em 1991. Depois de passar por jornais e revistas russos, decidiu retornar para os EUA em 2013. Autora de outros dez livros e militante da causa LGBT, hoje colabora para veículos americanos.
Masha reconhece que a ascensão de Trump só foi possível porque parte da população branca americana apoia seu discurso racista e contra os imigrantes. A expectativa de que, ao ser eleito, Trump adotasse um “comportamento presidencial” mostrou-se, segundo ela, um erro. “Foi uma ilusão imaginar que as instituições iriam nos salvar”, escreve.
A autora assegura que, diferentemente do presidente russo, Vladimir Putin, Trump não almeja se perpetuar no cargo. Mas usa os métodos de um autocrata para governar, ignorando normas e valores da democracia americana. Como presidente, acredita que sua função é dar ordens, que devem ser obedecidas por todos, incluindo oposição, Poder Judiciário e imprensa.
O primeiro efeito de sua eleição, sustenta, foi a perda da discussão política substantiva, substituída por uma guerra de narrativas e pela incorporação da mentira como método. Segundo ela, isso já ficou evidente no chuvoso dia da posse, quando Trump insistiu que o sol brilhou durante seu discurso e que havia mais gente do que na cerimônia inaugural de Barack Obama.
Contestado por repórteres e imagens de TV, um porta-voz cunhou a memorável expressão “fatos alternativos” para se referir à versão de Trump - aviso de que o presidente se reservava o direito de mentir.
Como reagir a um presidente que chama toda notícia que não lhe agrada de “fake news”? Para Masha, a imprensa deveria tratar o “trumpismo” como sistema, e não como notícia. “Trump tem o instinto, talvez o talento, de embaralhar a linguagem, usando palavras que significam o oposto, tirando significado delas”, diz. Um levantamento do jornal “Washington Post” mostra que Trump mente, em média, 13 vezes por dia.
O desprezo pela tradição da democracia americana é outra marca do “trumpismo”. Segundo a autora, Trump rebaixa o cargo de presidente dos EUA. Nomeia secretários sem experiência na área ou de governo. Ignora informes, não traça estratégias e bate ponto no Salão Oval até 18h30 - depois segue para seus aposentos, de onde tuíta freneticamente. Mais grave é o flagrante conflito de interesses, ao misturar negócios pessoais com os de Estado, dando à filha Ivanka e ao genro Jared Kushner status de consultores informais.
Para a autora, a chegada da covid-19 aos EUA expôs as contradições de Trump. “A pandemia acabou tornando sua arrogância ignorante numa arma letal”, escreve, citando o desprezo inicial do presidente pelo novo coronavírus. Masha, no entanto, acredita que a covid-19 mostrou-se uma doença perfeita para a era Trump, pois alimentou o medo, levou ao fechamento de fronteiras e deu palanque ao presidente. “A despeito de sua fraca atuação, sua popularidade aumentou.”
Dois fatos ficaram de fora da obra. Um deles, após a conclusão do livro em abril, foi a explosão de protestos antirracistas, que abalaram a popularidade de Trump. O outro foi a constatação de como o presidente brasileiro Jair Bolsonaro não apenas se inspira, mas copia descaradamente o método “trumpista” de governar, típico de um autocrata.
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