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Wasp Network - Prisioneiros da Guerra Fria traz James Bonds tropicais

Elaine Guerini, de Veneza, escreve para o Valor, em artigo publicado na sexta, 19/6, sobre o novo filme da Netflix, uma produção que une Brasil, França e Espanha, já em cartaz no catálogo da rede de streaming. Vale a leitura, vale assistir.

De fevereiro a maio do ano passado, período em que Olivier Assayas rodou “Wasp Network - Prisioneiros da Guerra Fria” em Havana, as relações entre EUA e Cuba já estavam deterioradas, indicando um retrocesso. Ainda assim, equipe técnica e elenco do thriller podiam viajar de um país ao outro, graças à reaproximação diplomática histórica das duas nações - realizada em 2014, na administração de Barack Obama.
“O filme foi realizado durante um período de tensão entre Cuba e EUA. Como a situação evoluía rapidamente, nós sentíamos a turbulência”, diz Assayas, de 65 anos. O cineasta francês lembra que, pouco depois, o presidente Donald Trump voltou a endurecer o embargo, proibindo as viagens e limitando os voos à ilha caribenha, para aumentar a pressão econômica sobre o governo cubano. “Foi sorte termos filmado naquele momento. Não seria possível hoje.”
“Wasp Network”, filme que chega hoje (dia 19) ao catálogo da Netflix, relembra o que foi a Rede Vespa, uma operação criada pelo serviço secreto de Cuba nos anos 1990. A missão do grupo formado por 12 homens e 2 mulheres era se infiltrar nas organizações contrárias ao governo de Fidel Castro (1926-2016) sediadas na Flórida.
Como cresciam os atentados em território cubano orquestrados pelos anticastristas radicais, os espiões buscavam informações que pudessem evitar ataques terroristas na ilha.
Presos pelo FBI em 1998, em Miami, os cubanos acabaram acusados de espionagem, conspiração e outros crimes. “Vemos aqui agentes que tentam dificultar a atividade de grupos terroristas. Só que, em vez de prender os terroristas, o FBI prende os caras que tentam impedi-los”, disse Assayas, durante a última edição do Festival de Cinema de Veneza. Foi na Itália que “Wasp Network” fez a sua première mundial, concorrendo ao Leão de Ouro.
A trajetória dos “James Bonds tropicais”, como são chamados, também inaugurou a 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro passado. A ideia era lançar o filme neste ano no circuito tradicional de cinemas no Brasil, antes de sua entrada no serviço de “streaming” da Netflix. Mas o plano mudou diante da pandemia de covid-19, com as salas fechadas.
Coprodução entre França, Espanha e Brasil (representado pela RT Features, de Rodrigo Teixeira), o longa-metragem é uma adaptação do livro “Os Últimos Soldados da Guerra Fria” (2011), do escritor mineiro Fernando Morais. “Adoraria ter me encontrado com Fernando, mas moramos em partes diferentes do mundo”, afirma Assayas, que se inspirou principalmente na pesquisa conduzida pelo jornalista brasileiro.
O processo foi parecido com o de “Carlos” (2010), minissérie sobre o terrorista venezuelano Ilich Ramírez Sánchez, que Assayas desenvolveu a partir do trabalho do jornalista Steven Smith. “Não usei a estrutura ou a narrativa do livro de Fernando, mas muito do filme vem da sua obra. Foi uma referência por Fernando ter entrevistado todos os protagonistas da história e pelo seu acesso a um material delicado do serviço secreto de Cuba.”
A trama tem início em Havana, onde o piloto René González (vivido por Edgar Ramírez) abandona a mulher (Penélope Cruz, com sotaque cubano) e a filha, fugindo de avião para Miami. Como a maioria dos espiões, ele viaja aos EUA sem dar explicações, deixando que o considerem um desertor.
Seu exílio é entrelaçado na narrativa com as histórias de Gerardo Hernandez (Gael García Bernal), o líder dos espiões; Jose Basulto (Leonardo Sbaraglia), fundador da organização anticastrista Irmãos ao Resgate; e Juan Pablo Roque (Wagner Moura), espião com pinta de galã que foi agente duplo e forneceu informações também ao FBI.
Com várias subtramas, explorando até desavenças conjugais de Roque com a mulher (Ana de Armas), que não tinha ideia das atividades do marido, o filme apresentado no Festival de Veneza recebeu críticas pelo roteiro ligeiramente confuso. Assayas voltou então à mesa de montagem, para deixar o jogo de espionagem mais coeso.
Para o cineasta, o maior desafio foi ter feito “Wasp Network” como ele queria, apesar de a equipe ter sido “espionada” durante toda a filmagem em Havana. “Sem a permissão para rodar em Cuba, não teríamos realizado a obra por razões econômicas e também artísticas. Seria impossível recriar a Havana dos anos 90. Fomos monitorados, mas sem consequências para a produção.”
Assim que Assayas procurou o governo cubano para discutir o projeto, a primeira resposta foi negativa. “Não queriam que fizéssemos o filme, uma ideia que soava um pouco perturbadora. Ficaram um pouco desconfiados de um francês que queria lidar com a história moderna do país”, afirma o cineasta. A Rede Vespa até hoje é um mito para Cuba, diz. “Criminosos nos EUA, esses homens são heróis em sua terra natal.”



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