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Thomas Traumann: o pior dos ministros

O ministério de Jair Bolsonaro, com as conhecidas exceções, é um coletivo de bajuladores. Parte deles nunca conseguiria emprego em uma empresa privada séria. Mas há um ministro que se destaca por ser, simultaneamente, adulador do presidente, determinado na sua missão e extremamente eficiente na destruição do deveria estar preservando. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, é o pior ministro da área na história, escreve o colunista da revista Veja em texto publicado na edição desta semana do semanário. Continua abaixo.

Na quarta-feira, 3, o parlamento holandês rejeitou o acordo comercial da União Europeia com Mercosul alegando que o descontrole na proteção ambiental do Brasil é um risco para o mundo. É uma decisão inusitada e sintomática. A Holanda é uma campeã do livre comércio e, portanto, deveria ter aprovado o tratado, fundamental para ampliar as exportações brasileiras. Sabe-se que outros países europeus, como a França e a Irlanda, irão encrencar com o acordo para defender seus agricultores da concorrência brasileira.
Também nesta semana, em carta enviada ao representante comercial dos EUA o Comitê de Assuntos Tributários da Câmara de Deputados afirmou ser contrário a qualquer tipo de expansão dos laços econômicos com o Brasil pelas ações do governo Bolsonaro em temas como direitos humanos e meio ambiente. O comitê, dominado pelos democratas, afirmam que o governo Bolsonaro mostra, com “retórica e ações repreensíveis”, uma “completa desconsideração” com a necessidade de proteger a Amazônia.
É óbvio para qualquer um que tantos os deputados europeus quanto os americanos estão jogando para seus eleitores, que temem que a recessão nos seus países seja agravada com a importação mais barata de carnes, soja, laranja, café e milho brasileiros. O nome disso é protecionismo, mas quem está dando a justificativa é Ricardo Salles.
Na famosa reunião ministerial de 22 de abril, Salles vestiu o figurino do assessor oportunista. Ele sugeriu que o governo aproveitasse que as atenções da imprensa estavam voltadas para a epidemia de Covid-19 para “passar a boiada” e, segundo ele, “simplificar” normas ambientais. Como escreveu no twitter a ativista sueca Greta Thunberg, “apenas imagine as coisas que foram ditas longe da câmera”.
A boiada passou com competência: ao longo da pandemia, o Ministério do Meio Ambiente afrouxou a fiscalização de exportação de madeira nativa até a anistia a desmatadores de áreas da Mata Atlântica, incluindo o retorno de atividades agropecuárias áreas de preservação permanente. Pressionado, Salles anunciou hoje que vai revogar esta última medida.
Entidades ruralistas fizeram publicar nos jornais louvores às iniciativas devastadoras do ministro, apenas para serem repreendidas por seus próprios associados. Temendo o efeito negativo junto aos consumidores, marcas de cosméticos forçaram suas entidades a retirar o apoio.
Desde que assumiu o ministério, Salles tem se ocupado em desmontar o Ibama (órgão responsável pela fiscalização da legislação ambiental) e ICMBio (guardião dos parques e florestas nacionais). O sucesso do desastre é estrondoso. Com os fiscais do Ibama desmoralizados e garimpeiros ilegais sendo recebidos em audiência em Brasília, houve um incentivo informal do governo para o desmatamento na Amazônia. 2019 foi o ano de maior devastação ambiental desde 2008, com um amento de 85% sobre o ano anterior. Os dados preliminares mostram que 2020 será ainda pior.
Salles conseguiu destruir o Fundo Amazônia, um projeto pelo qual o governo da Noruega e alguns outros poucos países europeus financiava projetos para conservação de florestas. O mecanismo era inteligente. O dinheiro saia da Europa e ia direto para os parques nacionais e, portanto, não poderia ser desviado para outra finalidade ou contingenciado. Isso assegurou a preservação de milhares de quilômetros quadrados de florestas até a chegada de Salles, que tentou desviar o dinheiro para pagar indenizações a grileiros no Rio Grande do Sul.
Os europeus cancelaram o envio das verbas e romperam com o ministro. Agora, o vice-presidente Hamilton Mourão está sendo obrigado a se reunir com embaixadores europeus para reativar o plano. Seu primeiro ato foi retirar o ministro do meio ambiento até do conselho do fundo. Deve ser o primeiro caso de um órgão de preservação ambiental no qual o ministro da área é proibido de entrar por ser persona non grata.


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