Sensacional o texto, vale a leitura.
Roberto Schwarz diz no recém-lançado “Seja Como For” (34/Duas Cidades, 447 págs.) que “um pouco de contemplação não faz mal a ninguém”. Deve ser verdade, ainda mais agora que o nosso grande crítico bota um chapéu para se proteger da rinite.
Contemple-se, então, a seguinte afirmação do livro: “não inventamos o romantismo, o naturalismo, o modernismo ou a indústria automobilística. Mas não bastava adotá-los para reproduzir a estrutura social de seus países de origem”.
Nos tempos que correm, portanto, enaltecer a globalização não implica viver numa sociedade industrializada como a alemã, ter a taxa de emprego americana ou o padrão tecnológico japonês —em ser cosmopolita.
Implica, isso sim, em produzir matérias-primas para as metrópoles. Em criar gado em terra indígena. Em queimar a Amazônia. Em empestear a terra com agrotóxicos. Tudo isso prescinde de indústrias, dá pouco emprego e não moderniza. É a barbárie, e não um passo para chegar a uma nação livre.
Ilustração em linhas pretas. Um homem pega um copo que está em uma fileira com vários copos. Há garrafas enfileiradas paralelamente a esta fileira de copos, uma antes e uma depois. O homem tem cabelo curto ee usa óculos, camisa preta e um casaco branco.
A contemplação propicia uma síntese que situa o Brasil na atual configuração do capitalismo: “o influxo externo é indispensável ao progresso, ao mesmo tempo em que nos subordina e impede de progredir”.
Os pés-rapados ficam assim: “os pobres no Brasil nem mesmo são trabalho potencial do ponto de vista do investimento lucrativo. O capital não tem possibilidade nem intenção visível de explorá-los. Eles são simplesmente abandonados, o que é muito pior”.
E os bem de vida caem na real: “o Brasil simpático das elites progressistas empenhadas na sua autorreforma e amigas do povo parece ter se esgotado”. O que se tem é “uma burguesia chateada de não viver em Nova York e revoltada com a falta de segurança em casa”.
Contemple-se, ainda, a declaração de voto de Schwarz na última eleição: “Se depender da direita, teremos uma sociedade em que os trabalhadores trabalham mas não têm representação política, enquanto os intelectuais fecham o bico e os artistas exaltam a pátria”.
Sua admoestação é polida e severa: “Pensando em amigos da vida inteira, eu diria que nesse momento a neutralidade entre Haddad e Bolsonaro é um erro histórico de grandes proporções”. (Tudo bem aí, Fernando Henrique, satisfeito com sua neutralidade?)
Seja como for, pois, Schwarz leva adiante a ironia de Machado, acompanhada da argúcia de Antonio Cândido e da dialética de Adorno. Revisita as ideias fora do lugar e explicita sua filiação a Marx e Benjamin. De quebra, disputa um braço de ferro a respeito de Lukács.
Como um pouco de imaginação também não faz mal, ele a defende: “se não há solução em vista, é uma razão a mais para imaginá-la. Não a partir de teses gerais, mas dos dados mais desfavoráveis da realidade”.
Contudo, finca a imaginação num terreno concreto: “dar-se conta da natureza internacional do capital hoje, e tomar esse dado como elemento de orientação política na perspectiva dos oprimidos, levaria a projetos políticos diferentes dos que estão aí”.
Cheio de análises incisivas, o livro funciona como um Supermercado Schwarz. Ele tem entrevistas, perfis, o relatório hilário de um meganha sobre o ensaio “Cultura e Política, 1964-1969”, uma carta que narra as resistências à tese sobre Machado que defendeu na Sorbonne.
Se “Seja Como for” serve de introdução a Schwarz —o último dos grandes pensadores da condição nacional periférica— também se ressente de um excesso de assuntos. Como o livro é fragmentado e inorgânico, fica difícil seguir o fio da meada, chegar a uma totalização.
Implicitamente, seu autor diz que o tempo presente dificulta tal síntese: “se a experiência histórica de setores inteiros do país é atomizada e não soma, como conhecer todo o seu sentido? Para ficar num aspecto secundário da questão, todos emburrecemos”.
Ele se põe assim como partícipe do emburrecimento coletivo, o que é despropósito. Porque é a sua grave lucidez que o leva a um pessimismo aparentado ao de Machado —que, como afirma, tinha uma “seriedade de derrubar”, não era “um brasileiro típico”.
Com a diferença que a síntese pessimista de Machado quanto ao Brasil se realiza em arte, no romance e nos contos. Na vida intelectual e civil, o escritor não deu provas de tal inteligência crítica. “O Machado como cidadão fechou o bico,” diz o ensaísta. Foi um acadêmico respeitoso.
Roberto Schwarz, não. Na contracorrente, teima em apontar os interesses dos proprietários e em dizer verdades —ardidas— aos que querem se libertar.
Mario Sergio Conti, jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".
Roberto Schwarz diz no recém-lançado “Seja Como For” (34/Duas Cidades, 447 págs.) que “um pouco de contemplação não faz mal a ninguém”. Deve ser verdade, ainda mais agora que o nosso grande crítico bota um chapéu para se proteger da rinite.
Contemple-se, então, a seguinte afirmação do livro: “não inventamos o romantismo, o naturalismo, o modernismo ou a indústria automobilística. Mas não bastava adotá-los para reproduzir a estrutura social de seus países de origem”.
Nos tempos que correm, portanto, enaltecer a globalização não implica viver numa sociedade industrializada como a alemã, ter a taxa de emprego americana ou o padrão tecnológico japonês —em ser cosmopolita.
Implica, isso sim, em produzir matérias-primas para as metrópoles. Em criar gado em terra indígena. Em queimar a Amazônia. Em empestear a terra com agrotóxicos. Tudo isso prescinde de indústrias, dá pouco emprego e não moderniza. É a barbárie, e não um passo para chegar a uma nação livre.
Ilustração em linhas pretas. Um homem pega um copo que está em uma fileira com vários copos. Há garrafas enfileiradas paralelamente a esta fileira de copos, uma antes e uma depois. O homem tem cabelo curto ee usa óculos, camisa preta e um casaco branco.
A contemplação propicia uma síntese que situa o Brasil na atual configuração do capitalismo: “o influxo externo é indispensável ao progresso, ao mesmo tempo em que nos subordina e impede de progredir”.
Os pés-rapados ficam assim: “os pobres no Brasil nem mesmo são trabalho potencial do ponto de vista do investimento lucrativo. O capital não tem possibilidade nem intenção visível de explorá-los. Eles são simplesmente abandonados, o que é muito pior”.
E os bem de vida caem na real: “o Brasil simpático das elites progressistas empenhadas na sua autorreforma e amigas do povo parece ter se esgotado”. O que se tem é “uma burguesia chateada de não viver em Nova York e revoltada com a falta de segurança em casa”.
Contemple-se, ainda, a declaração de voto de Schwarz na última eleição: “Se depender da direita, teremos uma sociedade em que os trabalhadores trabalham mas não têm representação política, enquanto os intelectuais fecham o bico e os artistas exaltam a pátria”.
Sua admoestação é polida e severa: “Pensando em amigos da vida inteira, eu diria que nesse momento a neutralidade entre Haddad e Bolsonaro é um erro histórico de grandes proporções”. (Tudo bem aí, Fernando Henrique, satisfeito com sua neutralidade?)
Seja como for, pois, Schwarz leva adiante a ironia de Machado, acompanhada da argúcia de Antonio Cândido e da dialética de Adorno. Revisita as ideias fora do lugar e explicita sua filiação a Marx e Benjamin. De quebra, disputa um braço de ferro a respeito de Lukács.
Como um pouco de imaginação também não faz mal, ele a defende: “se não há solução em vista, é uma razão a mais para imaginá-la. Não a partir de teses gerais, mas dos dados mais desfavoráveis da realidade”.
Contudo, finca a imaginação num terreno concreto: “dar-se conta da natureza internacional do capital hoje, e tomar esse dado como elemento de orientação política na perspectiva dos oprimidos, levaria a projetos políticos diferentes dos que estão aí”.
Cheio de análises incisivas, o livro funciona como um Supermercado Schwarz. Ele tem entrevistas, perfis, o relatório hilário de um meganha sobre o ensaio “Cultura e Política, 1964-1969”, uma carta que narra as resistências à tese sobre Machado que defendeu na Sorbonne.
Se “Seja Como for” serve de introdução a Schwarz —o último dos grandes pensadores da condição nacional periférica— também se ressente de um excesso de assuntos. Como o livro é fragmentado e inorgânico, fica difícil seguir o fio da meada, chegar a uma totalização.
Implicitamente, seu autor diz que o tempo presente dificulta tal síntese: “se a experiência histórica de setores inteiros do país é atomizada e não soma, como conhecer todo o seu sentido? Para ficar num aspecto secundário da questão, todos emburrecemos”.
Ele se põe assim como partícipe do emburrecimento coletivo, o que é despropósito. Porque é a sua grave lucidez que o leva a um pessimismo aparentado ao de Machado —que, como afirma, tinha uma “seriedade de derrubar”, não era “um brasileiro típico”.
Com a diferença que a síntese pessimista de Machado quanto ao Brasil se realiza em arte, no romance e nos contos. Na vida intelectual e civil, o escritor não deu provas de tal inteligência crítica. “O Machado como cidadão fechou o bico,” diz o ensaísta. Foi um acadêmico respeitoso.
Roberto Schwarz, não. Na contracorrente, teima em apontar os interesses dos proprietários e em dizer verdades —ardidas— aos que querem se libertar.
Mario Sergio Conti, jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".
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