Que ansiedade desembestada é essa que nos acomete no final do ano?
Olha, se você não encontrar a Dani (amiga da qual você nem gosta tanto e que não vê há oito meses) antes do dia 31 de dezembro, o mundo não vai acabar.
Tem aí janeiro logo na sequência, depois vem fevereiro e, reza a lenda, 2020 chega contendo 12 meses.
Não precisa ficar sete horas parada no trânsito da árvore do Ibirapuera e entrar em um desespero maluco para dar um abracinho na Dani (da qual você, vamos lembrar, nem gosta tanto e que não vê há oito meses).
Se lhe faltar vivacidade para aparecer no “último happy hour do ano” da empresa que te explorou, te humilhou, fez fofoca sobre a sua vida sexual e fez meme da sua face com olheiras chamando-lhe de filhote de panda, o que de tão horrível pode lhe acontecer?
Sério que em plena sexta-feira você, com enxaqueca, vai pegar um engarrafamento histórico até um bar ridículo do Itaim para abraçar gente que você desejou esse tempo todo que pegasse micose anal? Por que cacete você comprou até roupa nova para ir a essa merda?
Vai de novo dar camiseta cara da Osklen e ganhar chinelo escroto e com o número errado? Por que você passou o ano falando mal das pessoas na terapia e agora, só porque todos esses desgraçados vão sair da cidade (o que tornará as ruas plenas de incomensurável felicidade) corre feito um condenado com medo da solidão?
Que ansiedade desembestada é essa que nos acomete no final do ano? Por que queremos nos despedir de meia humanidade como se fosse todo mundo desaparecer em poucos dias? E, pior de tudo, por que somos invadidos por algum tipo de mau gosto irrefreável que nos leva a ter paciência (e até a comprar presentes e nos locomover sofregamente para bairros e cidades distantes) com gente que, ao longo de todo o ano que acaba, já tínhamos combinado em nosso íntimo que não tinha mais nada a ver?
Outra coisa: o que você teria contra, de verdade, se meia humanidade desaparecesse da sua vida? Não foi você que (durante o inferno astral, o inverno, o Carnaval, a virose, a dor de cabeça, a leitura do jornal, a festa barulhenta no vizinho) estava desejando isso intensamente?
Daí chega o Natal e, que engodo, seus olhinhos brilham de tamanha benevolência e vontade de ir até a puta que o pariu dizer a um semidesconhecido que você odeia: boas festas!
Já aconteceu de eu fazer o trajeto Berrini-Campinas para encontrar umas amigas da faculdade às vésperas do final de 2015.
Metade delas havia marcado um almoço na Berrini (oi?), e a outra metade estava visitando um bebê no interior.
Ao final do périplo lembrei que não tinha ido nem sequer ao aniversário delas (em bairros bem próximos da minha casa), durante todo aquele ano, e que não fazia nenhum sentido aquela palhaçada.
Dei presentes ótimos e ganhei umas desgraças de uns sachês de gaveta. Nada do que elas falavam me interessava.
Eu só desejava a morte rápida enquanto estava entre aquelas mulheres chatas que não leram um livro que prestasse, não viram um filme que pudessem debater, não tinham nem sequer uma angústia relevante para me presentear com parcas fagulhas emanando de suas mentes programadas para o descaso com a profundidade.
Olha, você não gosta de 87% da sua família. Você odeia 91% dos antigos colegas que parou de visitar.
Pega os cinco sobreviventes e faz um almocinho despretensioso na sua casa. Manda o resto pastar.
Confia em mim. Inventa uma psicose antes que ela se torne real. Inventa uma coceira louca antes que você derreta seu delicado couro tentando suportar o inferno. Feliz 2020 e fora Bolsonaro, porra!
Tati Bernardi é escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.
Olha, se você não encontrar a Dani (amiga da qual você nem gosta tanto e que não vê há oito meses) antes do dia 31 de dezembro, o mundo não vai acabar.
Tem aí janeiro logo na sequência, depois vem fevereiro e, reza a lenda, 2020 chega contendo 12 meses.
Não precisa ficar sete horas parada no trânsito da árvore do Ibirapuera e entrar em um desespero maluco para dar um abracinho na Dani (da qual você, vamos lembrar, nem gosta tanto e que não vê há oito meses).
Se lhe faltar vivacidade para aparecer no “último happy hour do ano” da empresa que te explorou, te humilhou, fez fofoca sobre a sua vida sexual e fez meme da sua face com olheiras chamando-lhe de filhote de panda, o que de tão horrível pode lhe acontecer?
Sério que em plena sexta-feira você, com enxaqueca, vai pegar um engarrafamento histórico até um bar ridículo do Itaim para abraçar gente que você desejou esse tempo todo que pegasse micose anal? Por que cacete você comprou até roupa nova para ir a essa merda?
Vai de novo dar camiseta cara da Osklen e ganhar chinelo escroto e com o número errado? Por que você passou o ano falando mal das pessoas na terapia e agora, só porque todos esses desgraçados vão sair da cidade (o que tornará as ruas plenas de incomensurável felicidade) corre feito um condenado com medo da solidão?
Que ansiedade desembestada é essa que nos acomete no final do ano? Por que queremos nos despedir de meia humanidade como se fosse todo mundo desaparecer em poucos dias? E, pior de tudo, por que somos invadidos por algum tipo de mau gosto irrefreável que nos leva a ter paciência (e até a comprar presentes e nos locomover sofregamente para bairros e cidades distantes) com gente que, ao longo de todo o ano que acaba, já tínhamos combinado em nosso íntimo que não tinha mais nada a ver?
Outra coisa: o que você teria contra, de verdade, se meia humanidade desaparecesse da sua vida? Não foi você que (durante o inferno astral, o inverno, o Carnaval, a virose, a dor de cabeça, a leitura do jornal, a festa barulhenta no vizinho) estava desejando isso intensamente?
Daí chega o Natal e, que engodo, seus olhinhos brilham de tamanha benevolência e vontade de ir até a puta que o pariu dizer a um semidesconhecido que você odeia: boas festas!
Já aconteceu de eu fazer o trajeto Berrini-Campinas para encontrar umas amigas da faculdade às vésperas do final de 2015.
Metade delas havia marcado um almoço na Berrini (oi?), e a outra metade estava visitando um bebê no interior.
Ao final do périplo lembrei que não tinha ido nem sequer ao aniversário delas (em bairros bem próximos da minha casa), durante todo aquele ano, e que não fazia nenhum sentido aquela palhaçada.
Dei presentes ótimos e ganhei umas desgraças de uns sachês de gaveta. Nada do que elas falavam me interessava.
Eu só desejava a morte rápida enquanto estava entre aquelas mulheres chatas que não leram um livro que prestasse, não viram um filme que pudessem debater, não tinham nem sequer uma angústia relevante para me presentear com parcas fagulhas emanando de suas mentes programadas para o descaso com a profundidade.
Olha, você não gosta de 87% da sua família. Você odeia 91% dos antigos colegas que parou de visitar.
Pega os cinco sobreviventes e faz um almocinho despretensioso na sua casa. Manda o resto pastar.
Confia em mim. Inventa uma psicose antes que ela se torne real. Inventa uma coceira louca antes que você derreta seu delicado couro tentando suportar o inferno. Feliz 2020 e fora Bolsonaro, porra!
Tati Bernardi é escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.
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