Muito lúcida a análise do blogueiro e colunista da Folha, publicada no UOL quinta, 26/12 Vale a leitura, íntegra abaixo.
Sim, meus caros, gozo de justíssimas férias, mas cedo alguns minutos do meu descanso a uma questão bastante relevante. O presidente Jair Bolsonaro sancionou o projeto de lei anticrime aprovado pelo Congresso. Vetou 25 dispositivos — torço para que os vetos sejam derrubados —, mas manteve o juiz de garantias, que Sergio Moro queria evitar a qualquer custo. Quero me fixar agora no par Moro-Bolsonaro e faço de saída uma pergunta: até quando o presidente da República permitirá que seu ministro da Justiça conspire contra ele abertamente? O "Mito", com sua fama de valentão, vai ser jantado assim, sem reação?
Tão logo Bolsonaro anunciou seus vetos — e sem ceder à vontade de Moro —, o ministro da Justiça foi para o Twitter e escreveu:
"Sancionado hoje o projeto anticrime. Não é o projeto dos sonhos, mas contém avanços. Sempre me posicionei contra algumas inserções feitas pela Câmara no texto originário, como o juiz de garantias. Apesar disso, vamos em frente."
De saída, note-se que o doutor deveria ter deixado claro que o projeto aprovado é o que foi elaborado por uma comissão da Câmara. E aproveitou boa parte de trabalho apresentando pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, que coordenou um grupo de juristas. Os aspectos fascitoides da proposta de Moro, felizmente, não prosperaram. Adiante.
É claro que o ministro da Justiça está fritando seu chefe. O cara tem o topete de fazer crítica velada à Câmara e ao próprio Bolsonaro referente a uma matéria já votada e, pasmem!, sancionada. Fala como se fosse um governo dentro do governo; entende-se como ente autônomo que pode ir a público dizer que discorda daquele que o mantém no cargo. Que se note: entre quatro paredes, pouco importa se os dois trocam tapas. Publicamente, um ministro fala pelo presidente na área em que atua.
Logo, é um despropósito que Moro faça proselitismo depois de o chefe já ter tomado a decisão e, ainda assim, permaneça na cadeira. Com um pouco mais de decoro, pediria demissão. Se Bolsonaro tivesse um pouco mais de clareza e coragem, Moro seria demitido.
MORO CONTRA BOLSONARO
A ADI da AMB: não! A "contrariedade" de Moro não se limita ao tuíte. Parecer elaborado pelo Ministério da Justiça, sob sua regência, vai embasar uma Ação Direita de Inconstitucionalidade movida pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) contra a criação do juiz de garantias. Para lembrar: segundo o texto aprovado pelo Congresso e mantido, nesse particular, por Bolsonaro, um juiz acompanha o inquérito até o recebimento da denúncia. A partir daí, a batuta é passada para o que vai julgar o caso.
As redes: tão logo Moro deu a deixa nas redes, uma avalanche de críticas oriundas dos bolsões de extrema-direita da Internet cerrou fileiras com o ministro e passou a criticar o presidente, que estaria, então, ocupado unicamente em livrar a cara de Flávio Bolsonaro, seu filho. Se a regra estiver em vigor se e quando for julgado, será outro o juiz a se encarregar da tarefa, não o que têm autorizado as diligências contra os investigados.
No Senado: Moro tem, pasmem!, uma bancada na Casa. É o tal grupo "Muda Senado", que conta com 21 membros. O líder da turma é Álvaro Dias (Podemos-PR), aquele que nunca foi investigado pela Lava Jato, embora seu nome apareça em delação premiada. Como candidato à Presidência, dizia que seu ministro da Justiça seria Moro, e o então juiz ficava caladinho.
Senadores moristas prometem recorrer ao Supremo e contam uma mentira escancarada: Bolsonaro teria se comprometido a vetar o juiz de garantias. Isso nunca aconteceu.
Assim, o presidente permite que seu ministro da Justiça, ainda que de forma oblíqua, concorra para difamá-lo nas redes sociais; crie indisposição com o governo no Senado e mobilize uma parte dos juízes contra uma decisão do Congresso e do próprio presidente.
Vejam os vetos de Bolsonaro. Espero que alguns deles sejam derrubados pelo Congresso. Um dos itens mais importantes do pacote anticrime elaborado pela Câmara — não por Moro — é mesmo o juiz de garantias.
Há dificuldades? Há, sim. Mas, agora, como destaca de maneira sensata Fernando Mendes, presidente de Ajufe (Associação dos Juízes Federais), é o caso de estudar o modo de implementar o texto.
Moro está tentando engolir Bolsonaro pelas bordas, como uma sopa muito quente. E, mesmo perdendo os embates diretos, insisto, tem levado vantagem porque, inclusive, está roubando para si uma parcela do público do autoproclamado "Mito".
Parece que Moro não aposta muito que Bolsonaro vá chegar a 2022 em condições de disputar a reeleição. Se é que ele aposta que o chefe chegue a 2022… E, então, faz o que sempre fez desde o primeiro dia no Ministério da Justiça: joga para a galera de olho na própria candidatura.
É claro que Bolsonaro sabe disso! Não demite Moro por medo. Embora, do ponto de vista de seu exclusivo interesse, fosse essa a decisão mais prudente.
INCONSTITUCIONAL UMA OVA!
Senadores e alguns magistrados estão investindo na confusão. Compete, sim, ao próprio Poder Judiciário, como dispõe as alíneas b, c e d do Inciso I do Artigo 96:
b) organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados, velando pelo exercício da atividade correicional respectiva;
c) prover, na forma prevista nesta Constituição, os cargos de juiz de carreira da respectiva jurisdição;
d) propor a criação de novas varas judiciárias".
O Inciso II do mesmo artigo define ainda, nas alíneas a, c e d, que cabe "ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo:
a) a alteração do número de membros dos tribunais inferiores;
c) a criação ou extinção dos tribunais inferiores;
d) a alteração da organização e da divisão judiciárias;
Muito bem! O pacote anticrime do Congresso não mexe com nenhuma dessas competências do Judiciário. O que faz é alterar o conteúdo do Artigo 3º do Código de Processo Penal, disciplinando o sistema acusatório, com a figura do juiz de garantias.
Trata-se de uma alteração substancial, sim, no Código Penal. E essa é, ora vejam!, uma atribuição do Congresso.
Não há nada de inconstitucional no texto.
É patético, note-se para encerrar, que senadores que ignoraram o Inciso LVII do Artigo 5º da Constituição no caso do trânsito em julgado venham agora expressar seu amor incondicional por ela. E, pior, é amor errado, uma vez que a Carta não impede, é evidente, que os parlamentares mudem o Código de Processo Penal.
Sim, meus caros, gozo de justíssimas férias, mas cedo alguns minutos do meu descanso a uma questão bastante relevante. O presidente Jair Bolsonaro sancionou o projeto de lei anticrime aprovado pelo Congresso. Vetou 25 dispositivos — torço para que os vetos sejam derrubados —, mas manteve o juiz de garantias, que Sergio Moro queria evitar a qualquer custo. Quero me fixar agora no par Moro-Bolsonaro e faço de saída uma pergunta: até quando o presidente da República permitirá que seu ministro da Justiça conspire contra ele abertamente? O "Mito", com sua fama de valentão, vai ser jantado assim, sem reação?
Tão logo Bolsonaro anunciou seus vetos — e sem ceder à vontade de Moro —, o ministro da Justiça foi para o Twitter e escreveu:
"Sancionado hoje o projeto anticrime. Não é o projeto dos sonhos, mas contém avanços. Sempre me posicionei contra algumas inserções feitas pela Câmara no texto originário, como o juiz de garantias. Apesar disso, vamos em frente."
De saída, note-se que o doutor deveria ter deixado claro que o projeto aprovado é o que foi elaborado por uma comissão da Câmara. E aproveitou boa parte de trabalho apresentando pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, que coordenou um grupo de juristas. Os aspectos fascitoides da proposta de Moro, felizmente, não prosperaram. Adiante.
É claro que o ministro da Justiça está fritando seu chefe. O cara tem o topete de fazer crítica velada à Câmara e ao próprio Bolsonaro referente a uma matéria já votada e, pasmem!, sancionada. Fala como se fosse um governo dentro do governo; entende-se como ente autônomo que pode ir a público dizer que discorda daquele que o mantém no cargo. Que se note: entre quatro paredes, pouco importa se os dois trocam tapas. Publicamente, um ministro fala pelo presidente na área em que atua.
Logo, é um despropósito que Moro faça proselitismo depois de o chefe já ter tomado a decisão e, ainda assim, permaneça na cadeira. Com um pouco mais de decoro, pediria demissão. Se Bolsonaro tivesse um pouco mais de clareza e coragem, Moro seria demitido.
MORO CONTRA BOLSONARO
A ADI da AMB: não! A "contrariedade" de Moro não se limita ao tuíte. Parecer elaborado pelo Ministério da Justiça, sob sua regência, vai embasar uma Ação Direita de Inconstitucionalidade movida pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) contra a criação do juiz de garantias. Para lembrar: segundo o texto aprovado pelo Congresso e mantido, nesse particular, por Bolsonaro, um juiz acompanha o inquérito até o recebimento da denúncia. A partir daí, a batuta é passada para o que vai julgar o caso.
As redes: tão logo Moro deu a deixa nas redes, uma avalanche de críticas oriundas dos bolsões de extrema-direita da Internet cerrou fileiras com o ministro e passou a criticar o presidente, que estaria, então, ocupado unicamente em livrar a cara de Flávio Bolsonaro, seu filho. Se a regra estiver em vigor se e quando for julgado, será outro o juiz a se encarregar da tarefa, não o que têm autorizado as diligências contra os investigados.
No Senado: Moro tem, pasmem!, uma bancada na Casa. É o tal grupo "Muda Senado", que conta com 21 membros. O líder da turma é Álvaro Dias (Podemos-PR), aquele que nunca foi investigado pela Lava Jato, embora seu nome apareça em delação premiada. Como candidato à Presidência, dizia que seu ministro da Justiça seria Moro, e o então juiz ficava caladinho.
Senadores moristas prometem recorrer ao Supremo e contam uma mentira escancarada: Bolsonaro teria se comprometido a vetar o juiz de garantias. Isso nunca aconteceu.
Assim, o presidente permite que seu ministro da Justiça, ainda que de forma oblíqua, concorra para difamá-lo nas redes sociais; crie indisposição com o governo no Senado e mobilize uma parte dos juízes contra uma decisão do Congresso e do próprio presidente.
Vejam os vetos de Bolsonaro. Espero que alguns deles sejam derrubados pelo Congresso. Um dos itens mais importantes do pacote anticrime elaborado pela Câmara — não por Moro — é mesmo o juiz de garantias.
Há dificuldades? Há, sim. Mas, agora, como destaca de maneira sensata Fernando Mendes, presidente de Ajufe (Associação dos Juízes Federais), é o caso de estudar o modo de implementar o texto.
Moro está tentando engolir Bolsonaro pelas bordas, como uma sopa muito quente. E, mesmo perdendo os embates diretos, insisto, tem levado vantagem porque, inclusive, está roubando para si uma parcela do público do autoproclamado "Mito".
Parece que Moro não aposta muito que Bolsonaro vá chegar a 2022 em condições de disputar a reeleição. Se é que ele aposta que o chefe chegue a 2022… E, então, faz o que sempre fez desde o primeiro dia no Ministério da Justiça: joga para a galera de olho na própria candidatura.
É claro que Bolsonaro sabe disso! Não demite Moro por medo. Embora, do ponto de vista de seu exclusivo interesse, fosse essa a decisão mais prudente.
INCONSTITUCIONAL UMA OVA!
Senadores e alguns magistrados estão investindo na confusão. Compete, sim, ao próprio Poder Judiciário, como dispõe as alíneas b, c e d do Inciso I do Artigo 96:
b) organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados, velando pelo exercício da atividade correicional respectiva;
c) prover, na forma prevista nesta Constituição, os cargos de juiz de carreira da respectiva jurisdição;
d) propor a criação de novas varas judiciárias".
O Inciso II do mesmo artigo define ainda, nas alíneas a, c e d, que cabe "ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo:
a) a alteração do número de membros dos tribunais inferiores;
c) a criação ou extinção dos tribunais inferiores;
d) a alteração da organização e da divisão judiciárias;
Muito bem! O pacote anticrime do Congresso não mexe com nenhuma dessas competências do Judiciário. O que faz é alterar o conteúdo do Artigo 3º do Código de Processo Penal, disciplinando o sistema acusatório, com a figura do juiz de garantias.
Trata-se de uma alteração substancial, sim, no Código Penal. E essa é, ora vejam!, uma atribuição do Congresso.
Não há nada de inconstitucional no texto.
É patético, note-se para encerrar, que senadores que ignoraram o Inciso LVII do Artigo 5º da Constituição no caso do trânsito em julgado venham agora expressar seu amor incondicional por ela. E, pior, é amor errado, uma vez que a Carta não impede, é evidente, que os parlamentares mudem o Código de Processo Penal.
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