E o cheiro de quem anda de metrô
Não há sutilezas aparentes ou disfarces em Parasita, novo sucesso de público e de crítica do diretor coreano Bong Joon-Ho, vencedor da Palma de Ouro em Cannes com unanimidade do jurado. A partir de obras anteriores, também é possível antever o posicionamento crítico de Joon-Ho ao mostrar a luta de classes presente na história de duas famílias separadas pelo abismo social da concentração de renda. Apesar disso, mesmo visualizando o dilema principal, o público é desafiado a compor um quadro mais amplo diante das variadas possibilidades de interpretação dos elementos que compõem e se combinam na trama de desigualdade, com pobres e ricos fadados a conviverem em uma relação de interdependência, sempre respeitando as fronteiras muito bem delimitadas, sempre cada um no seu quadrado.
É, pois, esperado que o ‘quadrado’ ou a residência dos afortunados Park seja ampla, iluminada, de linhas retas e arquitetura de autor. Em outra ponta, os Kim, assolados pelo desemprego, falta de recursos e de perspectivas, tenham como moradia um quase porão, símbolo da situação degradante da família.
Figuras centrais, os quatro Kim – pai, mãe e seu jovem casal de filhos adultos, vivem como “desalentados”, os que já desistiram de procurar emprego (como bem se conhece no Brasil). Eles surpreendem o público mais à frente tanto quando se revelam profissionais competentes ao surgir uma oportunidade de trabalho como também pela prontidão em pisar na cabeça de quem for preciso (como de trabalhadores humildes) para “fazer surgir” a vaga que almejam.
Assim se inicia com o jovem Kim-filho ao ser indicado para substituir um colega nas aulas de inglês para a filha do casal Park. Ele agarra a chance com a ajuda da irmã, Kim-filha, que revela dotes artísticos na falsificação de certificados de graduação exigidos à função. Carismático e habilidoso, Kim filho logo conquista o respeito e a confiança dos Park, abrindo espaço para indicar uma tutora para dar aulas ao traquina caçula da família. É a deixa para a entrada de Kim filha. Inteligente, sedutora, o tipo aparentemente capaz de qualquer desafio apoiada na eliminação de obstáculos relacionados à ética; uma habilidade cultivada em família, como se verifica.
Em pouco tempo, o motorista da família é demitido em uma armadilha sutilmente preparada para sua queda e a abertura de vaga para a contratação de Kim pai. A governanta torna-se a peça seguinte a cair como resultado do empenho dos três membros da família Kim já contratados da casa e prontos para encaminhar a candidata Kim-mãe para o cargo.
Aí tem início a parte principal. A inspiração do nome do filme talvez venha do que se revela em seguida (sem spoiler), sugerindo que, ao se mandar embora um mendigo chato ou ir galgando objetivos de qualquer jeito, talvez seja útil considerar a possibilidade de que gestos, pequenos e grandes, podem alterar destinos, inclusive o próprio.
As críticas estão presentes em toda a trama, mas não há proposição de uma imagem demonizada de um nem de outro lado. Por isso, apesar do drama explícito, das cores fortes, a leitura da mensagem oferecida em Parasita tende a ser traduzida individualmente, de modo personalizado, conforme crenças e valores de quem esteja assistindo. Apenas como acréscimo, “o diabo mora nos detalhes”. E torcer o nariz para o "cheiro de quem anda de metrô" é um mau caminho para quem anda com chofer. E mais não se dirá.
Por Denise Brito em 13/12/2019.
Não há sutilezas aparentes ou disfarces em Parasita, novo sucesso de público e de crítica do diretor coreano Bong Joon-Ho, vencedor da Palma de Ouro em Cannes com unanimidade do jurado. A partir de obras anteriores, também é possível antever o posicionamento crítico de Joon-Ho ao mostrar a luta de classes presente na história de duas famílias separadas pelo abismo social da concentração de renda. Apesar disso, mesmo visualizando o dilema principal, o público é desafiado a compor um quadro mais amplo diante das variadas possibilidades de interpretação dos elementos que compõem e se combinam na trama de desigualdade, com pobres e ricos fadados a conviverem em uma relação de interdependência, sempre respeitando as fronteiras muito bem delimitadas, sempre cada um no seu quadrado.
É, pois, esperado que o ‘quadrado’ ou a residência dos afortunados Park seja ampla, iluminada, de linhas retas e arquitetura de autor. Em outra ponta, os Kim, assolados pelo desemprego, falta de recursos e de perspectivas, tenham como moradia um quase porão, símbolo da situação degradante da família.
Figuras centrais, os quatro Kim – pai, mãe e seu jovem casal de filhos adultos, vivem como “desalentados”, os que já desistiram de procurar emprego (como bem se conhece no Brasil). Eles surpreendem o público mais à frente tanto quando se revelam profissionais competentes ao surgir uma oportunidade de trabalho como também pela prontidão em pisar na cabeça de quem for preciso (como de trabalhadores humildes) para “fazer surgir” a vaga que almejam.
Assim se inicia com o jovem Kim-filho ao ser indicado para substituir um colega nas aulas de inglês para a filha do casal Park. Ele agarra a chance com a ajuda da irmã, Kim-filha, que revela dotes artísticos na falsificação de certificados de graduação exigidos à função. Carismático e habilidoso, Kim filho logo conquista o respeito e a confiança dos Park, abrindo espaço para indicar uma tutora para dar aulas ao traquina caçula da família. É a deixa para a entrada de Kim filha. Inteligente, sedutora, o tipo aparentemente capaz de qualquer desafio apoiada na eliminação de obstáculos relacionados à ética; uma habilidade cultivada em família, como se verifica.
Em pouco tempo, o motorista da família é demitido em uma armadilha sutilmente preparada para sua queda e a abertura de vaga para a contratação de Kim pai. A governanta torna-se a peça seguinte a cair como resultado do empenho dos três membros da família Kim já contratados da casa e prontos para encaminhar a candidata Kim-mãe para o cargo.
Aí tem início a parte principal. A inspiração do nome do filme talvez venha do que se revela em seguida (sem spoiler), sugerindo que, ao se mandar embora um mendigo chato ou ir galgando objetivos de qualquer jeito, talvez seja útil considerar a possibilidade de que gestos, pequenos e grandes, podem alterar destinos, inclusive o próprio.
As críticas estão presentes em toda a trama, mas não há proposição de uma imagem demonizada de um nem de outro lado. Por isso, apesar do drama explícito, das cores fortes, a leitura da mensagem oferecida em Parasita tende a ser traduzida individualmente, de modo personalizado, conforme crenças e valores de quem esteja assistindo. Apenas como acréscimo, “o diabo mora nos detalhes”. E torcer o nariz para o "cheiro de quem anda de metrô" é um mau caminho para quem anda com chofer. E mais não se dirá.
Por Denise Brito em 13/12/2019.
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