Leonêncio Nossa: a biografia definitiva do homem que criou o JN
É impossível entender a história brasileira dos últimos 100 anos sem conhecer a trajetória do jornalista e empresário Roberto Marinho, homem que consolidou o maior grupo de comunicação do país. E para isto, a leitura da biografia escrita pelo também jornalista Leonêncio Nossa é fundamental. O livro apresenta a primeira fase da vida de Marinho, abrangendo justamente o período em que ele assumiu a direção do jornal O Globo após a morte de seu pai, Irineu, até a criação do Jornal Nacional, até hoje o programa jornalístico mais influente no Brasil.
Roberto Pisani Marinho nasceu em 3 de dezembro de 1904, no Rio de Janeiro, e faleceu em São Paulo no dia 6 de agosto de 2003. Teve uma vida fascinante, como as 543 páginas do livro retratam com bastante detalhes. Logo no início, aliás, o autor levanta uma questão central da personalidade do dono da TV Globo: Marinho era mulato e tinha vergonha disto, chegando até mesmo a usar pó de arroz diariamente, por muito tempo, para disfarçar a condição, e evitar a exposição ao sol, também para parecer “mais branco”. E isto diz muito sobre o Brasil de então, que, aliás, permanece uma nação racista até hoje.
Se este é um fato definidor da personalidade do empresário, outra marca importante é que ele não foi um “herdeiro” tradicional, como praticamente todos os seus pares, exceto Samuel Wainer. Sim, porque embora tenha herdado o jornal de Irineu, assumiu muito jovem e foi quem de fato construiu, com muita obstinação, não apenas O Globo, mas todo um império, com rádio, televisão aberta e fechada, revistas e, mas recentemente, portais de internet, preparando assim o Grupo para os desafios do século 21.
A política naturalmente é o pano de fundo de todas as histórias narradas por Leonêncio Nossa, que de fato realizou uma pesquisa profunda sobre Marinho e O Globo. Muitos posicionamentos já eram conhecidos de quem acompanhou a trajetória do jornal e de seu proprietário, mas há várias novidades. Uma delas, bem interessante, é o episódio da proibição do jogo no país. Foi Marinho, em função de seus interesses econômicos, quem convenceu a esposa do então presidente Eurico Gaspar Dutra, a vocalizar a ideia de acabar com cassinos no Brasil. E a versão que passou para a história foi a de que dona Santinha foi quem proibiu a atividade.
Marinho fazia política o tempo todo e era hábil. Não ganhou sempre, esteve ao lado de causas perdidas, mas venceu mais do que foi derrotado. Se reunia com todos os campos políticos, sem preconceitos, poque se há algo que ele não tinha era ideologia. Pragmático ao extremo, reza a lenda que dizia ter apenas três convicções: “em primeiro lugar, penso nos interesses do Globo, em segundo, nos interesses do Globo e em terceiro, nos interesses do Globo”.
No livro, o autor retrata muito bem o ecletismo de Marinho na política: mostra a relação dúbia com Luiz Carlos Prestes – foi o Globo quem deu o furo da soltura do Cavaleiro da Esperança, que o jornal primeiro apoiou para depois abrir uma campanha contra o líder comunista e seu PCB; e também em relação a Getúlio Vargas, que ora era entusiasticamente apoiado, ora duramente criticado, basta lembrar que O Globo foi empastelado pela população enraivecida com a postura do diário antes do fatídico 24 de agosto, em que o presidente deu o tiro no peito e saiu da vida para entrar na História...
O livro vai até 1968, ano de lançamento do JN, veículo utilizado pelo regime militar para a tarefa de ligar geograficamente o Brasil, até então um país continental e fragmentado culturalmente – nem a língua falada era a mesma nos vários estados brasileiros. E Marinho cumpriu com o Jornal Nacional boa parte do que lhe foi pedido – hoje até mesmo a língua falada em Portugal vai sendo transformada naquela das novelas da Globo, uma mistura de carioquês da zona sul com leve sotaque mais apaulistanado.
Vale muito a pena, portanto, a leitura de O Poder Está No Ar, impecavelmente escrito, com pesquisa profunda e bem apresentada. Para quem gosta de história, é uma leitura rápida e prazerosa.
Então #ficaadica e um Feliz 2020 para todos e todas! Por Luiz Antonio Magalhães em 27/12/2019.
É impossível entender a história brasileira dos últimos 100 anos sem conhecer a trajetória do jornalista e empresário Roberto Marinho, homem que consolidou o maior grupo de comunicação do país. E para isto, a leitura da biografia escrita pelo também jornalista Leonêncio Nossa é fundamental. O livro apresenta a primeira fase da vida de Marinho, abrangendo justamente o período em que ele assumiu a direção do jornal O Globo após a morte de seu pai, Irineu, até a criação do Jornal Nacional, até hoje o programa jornalístico mais influente no Brasil.
Roberto Pisani Marinho nasceu em 3 de dezembro de 1904, no Rio de Janeiro, e faleceu em São Paulo no dia 6 de agosto de 2003. Teve uma vida fascinante, como as 543 páginas do livro retratam com bastante detalhes. Logo no início, aliás, o autor levanta uma questão central da personalidade do dono da TV Globo: Marinho era mulato e tinha vergonha disto, chegando até mesmo a usar pó de arroz diariamente, por muito tempo, para disfarçar a condição, e evitar a exposição ao sol, também para parecer “mais branco”. E isto diz muito sobre o Brasil de então, que, aliás, permanece uma nação racista até hoje.
Se este é um fato definidor da personalidade do empresário, outra marca importante é que ele não foi um “herdeiro” tradicional, como praticamente todos os seus pares, exceto Samuel Wainer. Sim, porque embora tenha herdado o jornal de Irineu, assumiu muito jovem e foi quem de fato construiu, com muita obstinação, não apenas O Globo, mas todo um império, com rádio, televisão aberta e fechada, revistas e, mas recentemente, portais de internet, preparando assim o Grupo para os desafios do século 21.
A política naturalmente é o pano de fundo de todas as histórias narradas por Leonêncio Nossa, que de fato realizou uma pesquisa profunda sobre Marinho e O Globo. Muitos posicionamentos já eram conhecidos de quem acompanhou a trajetória do jornal e de seu proprietário, mas há várias novidades. Uma delas, bem interessante, é o episódio da proibição do jogo no país. Foi Marinho, em função de seus interesses econômicos, quem convenceu a esposa do então presidente Eurico Gaspar Dutra, a vocalizar a ideia de acabar com cassinos no Brasil. E a versão que passou para a história foi a de que dona Santinha foi quem proibiu a atividade.
Marinho fazia política o tempo todo e era hábil. Não ganhou sempre, esteve ao lado de causas perdidas, mas venceu mais do que foi derrotado. Se reunia com todos os campos políticos, sem preconceitos, poque se há algo que ele não tinha era ideologia. Pragmático ao extremo, reza a lenda que dizia ter apenas três convicções: “em primeiro lugar, penso nos interesses do Globo, em segundo, nos interesses do Globo e em terceiro, nos interesses do Globo”.
No livro, o autor retrata muito bem o ecletismo de Marinho na política: mostra a relação dúbia com Luiz Carlos Prestes – foi o Globo quem deu o furo da soltura do Cavaleiro da Esperança, que o jornal primeiro apoiou para depois abrir uma campanha contra o líder comunista e seu PCB; e também em relação a Getúlio Vargas, que ora era entusiasticamente apoiado, ora duramente criticado, basta lembrar que O Globo foi empastelado pela população enraivecida com a postura do diário antes do fatídico 24 de agosto, em que o presidente deu o tiro no peito e saiu da vida para entrar na História...
O livro vai até 1968, ano de lançamento do JN, veículo utilizado pelo regime militar para a tarefa de ligar geograficamente o Brasil, até então um país continental e fragmentado culturalmente – nem a língua falada era a mesma nos vários estados brasileiros. E Marinho cumpriu com o Jornal Nacional boa parte do que lhe foi pedido – hoje até mesmo a língua falada em Portugal vai sendo transformada naquela das novelas da Globo, uma mistura de carioquês da zona sul com leve sotaque mais apaulistanado.
Vale muito a pena, portanto, a leitura de O Poder Está No Ar, impecavelmente escrito, com pesquisa profunda e bem apresentada. Para quem gosta de história, é uma leitura rápida e prazerosa.
Então #ficaadica e um Feliz 2020 para todos e todas! Por Luiz Antonio Magalhães em 27/12/2019.
Comentários
Postar um comentário
O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.