No Valor, o colunista informa que o belo filme de Petra Costa poderá levar o Oscar no próximo ano, o que este blog acha justíssimo!
Incluindo “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa, a lista de 15 semifinalistas ao Oscar 2020 de melhor documentário de longa-metragem, revelada na última segunda-feira, não trouxe grandes surpresas. Comentei aqui, em 4 de outubro passado, 12 dos indicados, dentro da mostra Short List, do Festival de Documentários de Nova York (DOC NYC).
Dos 15 títulos daquela relação, caíram três dos mais convencionais (“Ask Dr. Ruth”, “The Elephant Queen” e “The Kingmaker”) e entraram “Defensora”, de Rachel Leah Jones e Philippe Bellaiche, concorrente no É Tudo Verdade 2019; “Aquarela”, do russo Victor Kossakovsky; e “Maiden”, de Alex Holmes. O DOC NYC fez bonito, mas a Academia fez ainda melhor.
Além dos méritos próprios, a reconstituição cruzada da trajetória familiar de Petra e da ascensão e queda do PT no poder conquista raro reconhecimento num contexto sadio de expansão do cosmopolitismo e do empoderamento feminino do setor de documentários da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.
Grosso modo, dadas as coproduções com os EUA, a relação se divide igualmente entre realizadores internacionais e americanos. E há uma inédita maioria de títulos (9) dirigidos ou codirigidos por mulheres entre os semifinalistas.
Oito dos filmes focam universos extra-americanos. “Aquarela” é um ensaio sobre o impacto das mudanças climáticas na água do planeta afora, da Rússia à Venezuela. “Defensora” retrata uma corajosa advogada israelense, Lea Tsemel, devotada há quase meio século à defesa de acusados palestinos.
“The Cave”, de Feras Fayyad, e “For Sama”, de Waad Al-Kateab e Edward Watts, apresentam duas pioneiras abordagens da guerra civil na Síria sob a perspectiva do cotidiano feminino. O primeiro, em torno de um improvisado hospital em Ghouta, perto de Damasco; o segundo, durante o bárbaro cerco a Aleppo.
Deve-se a “Honeyland”, por sua vez, um dos feitos do ano, sendo duplamente semifinalista, entre os concorrentes a melhor longa documental e também a melhor produção internacional, representando a República da Macedônia. Rodado à moda do pioneiro Robert Flaherty (“Nanook, O Esquimó”), combinando documentário e encenação, a dupla de cineastas Tamara Kotevska e Ljubomir Stefanov injeta dramaticidade universal ao modesto registro do cotidiano de uma apicultora artesanal que se divide entre o ofício e o cuidado com a frágil mãe.
O sustento de uma família que atende emergências com uma ambulância privada revela a indigência dos serviços públicos de saúde na Cidade do México em “Midnight Family”, de Luke Lorentzen. Em torno de questões de medicina pública desenvolve-se ainda “One Child Nation”, radiografando o cruel impacto da política oficial de restrição à natalidade vigente na China entre 1982 e 2015. Já as disparidades entre os modelos de administração fabril da China e dos EUA saltam aos olhos em “Indústria Americana”, de Julia Reichert e Steven Bognar, a partir da reabertura por um bilionário chinês de uma fábrica de peças automotivas em Ohio.
Não confundam, por favor, “The Apollo” com “Apollo 11”. Dirigido por Roger Ross Williams, o primeiro celebra o mítico (e centenário) teatro afro-americano no Harlem nova-iorquino. O segundo trata, naturalmente, da pioneira missão que levou o homem à Lua, há exatamente meio século. Sem qualquer narração em off, Todd Douglas Miller reconstitui a histórica jornada a partir de filmagens inéditas arquivadas pela Nasa.
Visões complementares da “Trumplândia” somam-se em “Privacidade Hackeada”, de Karim Amer e Jehane Noujaim, e “Virando a Mesa do Poder”, de Rachel Lears. Amer e Jehane estudam como a exploração eleitoral de informações postadas em mídias sociais ajudou a elegê-lo. Já Rachel acompanha a batalha pela renovação do Partido Democrata nas eleições parlamentares do ano passado.
Os dois azarões do ano, por fim, são “The Biggest Little Farm”, de John Chester, sobre o cotidiano de uma pequena propriedade rural californiana, e “Maiden”, em que Alex Holmes reconstitui a história de Tracy Edwards, que capitaneou em 1990 a primeira equipe totalmente feminina de iate a competir na Whitbread Round the World Race. Nunca é demais lembrar o apreço tradicional da Academia por documentários esportivos, como comprovam os recentes triunfos de “Ícarus”, em 2017, e “Free Solo”, no ano passado.
Em 13 de janeiro, serão conhecidos os cinco indicados à rodada final da luta pelo Oscar, a ser entregue em 9 de fevereiro. “Democracia em Vertigem” tem chances de passar à próxima fase? Tem, mas o páreo é duro, até aqui com ligeiro favoritismo dividido entre “Apollo 11”, “For Sama”, “Honeyland” e “The Cave”.
Amir Labaki é diretor-fundador do É Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários.
Incluindo “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa, a lista de 15 semifinalistas ao Oscar 2020 de melhor documentário de longa-metragem, revelada na última segunda-feira, não trouxe grandes surpresas. Comentei aqui, em 4 de outubro passado, 12 dos indicados, dentro da mostra Short List, do Festival de Documentários de Nova York (DOC NYC).
Dos 15 títulos daquela relação, caíram três dos mais convencionais (“Ask Dr. Ruth”, “The Elephant Queen” e “The Kingmaker”) e entraram “Defensora”, de Rachel Leah Jones e Philippe Bellaiche, concorrente no É Tudo Verdade 2019; “Aquarela”, do russo Victor Kossakovsky; e “Maiden”, de Alex Holmes. O DOC NYC fez bonito, mas a Academia fez ainda melhor.
Além dos méritos próprios, a reconstituição cruzada da trajetória familiar de Petra e da ascensão e queda do PT no poder conquista raro reconhecimento num contexto sadio de expansão do cosmopolitismo e do empoderamento feminino do setor de documentários da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.
Grosso modo, dadas as coproduções com os EUA, a relação se divide igualmente entre realizadores internacionais e americanos. E há uma inédita maioria de títulos (9) dirigidos ou codirigidos por mulheres entre os semifinalistas.
Oito dos filmes focam universos extra-americanos. “Aquarela” é um ensaio sobre o impacto das mudanças climáticas na água do planeta afora, da Rússia à Venezuela. “Defensora” retrata uma corajosa advogada israelense, Lea Tsemel, devotada há quase meio século à defesa de acusados palestinos.
“The Cave”, de Feras Fayyad, e “For Sama”, de Waad Al-Kateab e Edward Watts, apresentam duas pioneiras abordagens da guerra civil na Síria sob a perspectiva do cotidiano feminino. O primeiro, em torno de um improvisado hospital em Ghouta, perto de Damasco; o segundo, durante o bárbaro cerco a Aleppo.
Deve-se a “Honeyland”, por sua vez, um dos feitos do ano, sendo duplamente semifinalista, entre os concorrentes a melhor longa documental e também a melhor produção internacional, representando a República da Macedônia. Rodado à moda do pioneiro Robert Flaherty (“Nanook, O Esquimó”), combinando documentário e encenação, a dupla de cineastas Tamara Kotevska e Ljubomir Stefanov injeta dramaticidade universal ao modesto registro do cotidiano de uma apicultora artesanal que se divide entre o ofício e o cuidado com a frágil mãe.
O sustento de uma família que atende emergências com uma ambulância privada revela a indigência dos serviços públicos de saúde na Cidade do México em “Midnight Family”, de Luke Lorentzen. Em torno de questões de medicina pública desenvolve-se ainda “One Child Nation”, radiografando o cruel impacto da política oficial de restrição à natalidade vigente na China entre 1982 e 2015. Já as disparidades entre os modelos de administração fabril da China e dos EUA saltam aos olhos em “Indústria Americana”, de Julia Reichert e Steven Bognar, a partir da reabertura por um bilionário chinês de uma fábrica de peças automotivas em Ohio.
Não confundam, por favor, “The Apollo” com “Apollo 11”. Dirigido por Roger Ross Williams, o primeiro celebra o mítico (e centenário) teatro afro-americano no Harlem nova-iorquino. O segundo trata, naturalmente, da pioneira missão que levou o homem à Lua, há exatamente meio século. Sem qualquer narração em off, Todd Douglas Miller reconstitui a histórica jornada a partir de filmagens inéditas arquivadas pela Nasa.
Visões complementares da “Trumplândia” somam-se em “Privacidade Hackeada”, de Karim Amer e Jehane Noujaim, e “Virando a Mesa do Poder”, de Rachel Lears. Amer e Jehane estudam como a exploração eleitoral de informações postadas em mídias sociais ajudou a elegê-lo. Já Rachel acompanha a batalha pela renovação do Partido Democrata nas eleições parlamentares do ano passado.
Os dois azarões do ano, por fim, são “The Biggest Little Farm”, de John Chester, sobre o cotidiano de uma pequena propriedade rural californiana, e “Maiden”, em que Alex Holmes reconstitui a história de Tracy Edwards, que capitaneou em 1990 a primeira equipe totalmente feminina de iate a competir na Whitbread Round the World Race. Nunca é demais lembrar o apreço tradicional da Academia por documentários esportivos, como comprovam os recentes triunfos de “Ícarus”, em 2017, e “Free Solo”, no ano passado.
Em 13 de janeiro, serão conhecidos os cinco indicados à rodada final da luta pelo Oscar, a ser entregue em 9 de fevereiro. “Democracia em Vertigem” tem chances de passar à próxima fase? Tem, mas o páreo é duro, até aqui com ligeiro favoritismo dividido entre “Apollo 11”, “For Sama”, “Honeyland” e “The Cave”.
Amir Labaki é diretor-fundador do É Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários.
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