Pular para o conteúdo principal

Reinaldo Azevedo: Flávio já é carne queimada; Bolsonaro terá de tentar salvar a própria pele

Mais uma boa análise do colunista da Folha e blogueiro Reinaldo Azevedo. O caso Flávio poderá ser decisivo para os rumos da política em 2020. Escreve o jornalista: o senador Flávio Bolsonaro (RJ) não teme a desmoralização. Ele tem mais do que se ocupar. Se metade das imputações que lhe faz o Ministério Público for verdadeira, ele terá muito trabalho tentando se livrar da cadeia. Sim, é verdade: está razoavelmente protegido pela condição de senador. Mas também essa fortaleza não é inabalável. Para seu pai, Jair Bolsonaro, melhor seria que renunciasse ao mandato. Para si mesmo, isso significaria ficar ainda mais exposto. Já chego ao ponto.
O Zero Um do presidente encarna a falência do discurso bolsonarista em defesa da moralidade. Vejam lá. Mais uma vez, Flávio bate às portas do Supremo para suspender a investigação de que é alvo. Gilmar Mendes foi sorteado relator do habeas corpus. Solicitou informações urgentes ao STJ, que já havia negado o recurso em junho, e ao Tribunal de Justiça do Rio. A decisão caberá ao ministro Dias Toffoli durante o recesso judicial. A defesa de Flávio alega que houve constrangimento ilegal.
Em julho, o próprio Toffoli suspendeu o andamento de inquéritos que estavam baseados em compartilhamento de dados. Por nove a dois, o Supremo decidiu no mês passado ser desnecessária a autorização judicial para a quebra de sigilo bancário e fiscal quando esta é praticada pela Receita Federal no âmbito de uma investigação criminal. O Coaf pode repassar a órgãos de investigação, de moto próprio ou quando houver solicitação, movimentações consideradas atípicas. A quebra do sigilo bancário propriamente, nesse caso, requer autorização da Justiça.
Tanto o sigilo fiscal de Flávio como o de seu sócio — Alexandre Santini — na loja de chocolates contou com a devida autorização do juiz Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau, da 27ª Vara Criminal do Rio. O que a defesa de Flávio está chamando exatamente de "constrangimento ilegal"? É bom lembrar que o Supremo decidiu construir uma tese detalhando a forma dos compartilhamentos. Não parece, a ver, que o MP do Rio e o juiz Itabaiana tenham ido além do que o tribunal considerou constitucional.
Mais: note-se que, quando Toffoli concedeu aquela liminar, em julho, era "ad referendum" do pleno do tribunal, que já se posicionou de maneira eloquente. A chance de a defesa do senador ser malsucedida no pleito é grande.
Os bolsonaristas se tornaram os cachorros loucos da Lava Jato. Foram às ruas em favor do trânsito em julgado depois da condenação em segunda instância, contra a lei que pune abuso de autoridade, contra o suposto laxismo penal do Supremo… Ver o vice-presidente do "Aliança Pelo Brasil", o futuro partido de Bolsonaro, apelar mais uma vez ao Supremo para suspender uma investigação é sinônimo não da falência de um discurso, mas da vigarice intelectual dos moralistas de plantão.
FLÁVIO E A CADEIA
Segundo o Parágrafo § 2º do Artigo 53 da Constituição, "desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão."
Assim, enquanto for senador, dificilmente Flávio pode ter decretada a prisão preventiva, embora exista o precedente Delcídio do Amaral. Sempre digo tudo, e não será diferente desta vez. Aquela prisão, mesmo decretada pelo Supremo, foi inconstitucional porque não se tratava de flagrante. Sigamos.
Flávio será, obviamente, denunciado ao Conselho de Ética. Trata-se de um julgamento de natureza política. Para que um processo por quebra de decoro siga adiante, é irrelevante saber se o comportamento indecoroso ocorreu antes ou depois da diplomação. O que pensa a respeito das revelações que vêm a público, por exemplo, o chamado grupo "Muda Senado", formado por 21 senadores, que elevaram ao máximo o sarrafo do moralismo?
É necessário ter maioria absoluta para cassar o mandato de um senador: 41 votos. O que veio a público até agora, convenham, revela uma rotina de escabrosidades. E, pior, incluindo gente da pesada. Flávio tentando se justificar, no vídeo em que partiu para o ataque, tornou tudo pior. Se vier a ser cassado, aí, meus caros, fiquem certos: a cadeia o contempla.
Mas esse não é o único caminho que pode levá-lo à prisão. Segundo o Inciso VI do Artigo 55 da Carta, perderá o mandato o senador  "que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado".
Não custa lembrar: esta, vamos dizer, era cassou o mandato de uma presidente da República e mandou dois outros para a cadeia. Será difícil à Casa conviver com o primeiro filho presidencial depois de tudo o que veio a público. E a chance de Flávio ser condenado é gigantesca.

EQUAÇÃO DELICADA
A equação é delicada. Convém que Bolsonaro não se mexa muito para tentar salvar a pele do filho, embora exista a hipótese intelectual razoável de que Flávio fosse, vamos dizer, o pensador financeiro do clã. De resto, sempre existe a possibilidade de que alguém resolva fazer delação premiada, não é mesmo?
Flávio já é carne queimada. E Bolsonaro sabe disso. No fim das contas, o presidente tem de pensar como é que salva o próprio mandato do destino certo que terá seu filho.





Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And...

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda...

Dúvida atroz

A difícil situação em que se encontra hoje o presidente da República, com 51% de avaliação negativa do governo, 54% favoráveis ao impeachment e rejeição eleitoral batendo na casa dos 60%, anima e ao mesmo tempo impõe um dilema aos que articulam candidaturas ditas de centro: bater em quem desde já, Lula ou Bolsonaro?  Há quem já tenha a resposta, como Ciro Gomes (PDT). Há também os que concordam com ele e vejam o ex-presidente como alvo preferencial. Mas há quem prefira investir prioritariamente no derretimento do atual, a ponto de tornar a hipótese de uma desistência — hoje impensável, mas compatível com o apreço presidencial pelo teatro da conturbação — em algo factível. Ao que tudo indica, só o tempo será capaz de construir um consenso. Se for possível chegar a ele, claro. Por ora, cada qual vai seguindo a sua trilha. Os dois personagens posicionados na linha de tiro devido à condição de preferidos nas pesquisas não escondem o desejo de se enfrentar sem os empecilhos de terceira,...