Pular para o conteúdo principal

Um país sem oposição nenhuma

A nota abaixo está na coluna Painel da Folha de S. Paulo deste domingo e é o retrato acabado do Brasil de hoje. Vamos à nota e a análise vem em seguida:

"Lula tudo bem"
"Lula tudo bem. O problema é o PT." A frase, martelada em um dos comerciais da nova fase da propaganda de Geraldo Alckmin, indica um tom que vai além da campanha paulistana, ditado pelo recorde histórico de aprovação ao presidente em pesquisa Datafolha. O comando do PSDB já sinalizou que fará vista grossa ao esforço de seus candidatos, por todo o país, para se associarem ainda que "de lado" à imagem de Lula. O mesmo se passa com o DEM, cujo candidato em melhor situação nas capitais (ACM Neto, líder em Salvador) não se cansa de fazer mea culpa pelas críticas do passado e de repetir que, se eleito, terá plenas condições de trabalhar "em parceria" com o Planalto.


Sim, o tucano Geraldo Alckmin, candidato à prefeitura de São Paulo, já demonstra um certo desespero com as sucessivas quedas nas pesquisas de intenção de voto e talvez queira agora "desconstruir" a sua própria imagem de rival de Lula, construída na campanha de 2006. A turma de Alckmin já percebeu que não dá para fazer campanha na periferia de São Paulo falando mal de um presidente da República que tem entre os integrantes das classes D e E espantosos 72% de avaliação positiva (ótimo e bom) e apenas 3%, sim, é isto mesmo, três porcento de avaliação negativa (ruim e péssima), o restante qualificando a performance do atual governo como regular. A estratégia de Alckmin poderia ser considerada apenas uma maluquice de candidato em queda livre se fosse um ato isolado, mas não é o que se vê Brasil afora na campanha deste ano, conforme a nota da Folha também informa.

O jornal, aliás, nem cita casos ainda mais intrigantes, como o da candidatura do DEM à prefeitura de Palmas, patrocinada pela senadora Kátia Abreu, uma das mais críticas vozes contra o governo federal. Lá, a candidata democrata Nilmar Ruiz jura ter o apoio do presidente. Sim, está na página oficial da candidata: "Nilmar Ruiz tem livre acesso a todos os órgãos federais e uma relação de aliança com o presidente Lula, de quem tem o apoio neste pleito à Prefeitura de Palmas." Detalhe: o prefeito da capital do Tocantins e candidato à reeleição é do Partido dos Trabalhadores e obviamente conta com o apoio de Lula... Até agora, pelo que este blog está informado, ninguém foi perguntar ao deputado Rodrigo Maia, presidente do DEM, se não cabe exame deste caso pelo Conselho de Ética do partido, ou mesmo expulsão sumária da demo-lulista que concorre não à prefeitura de uma cidadezinha do interior de Pernambuco, mas de uma capital de Estado.

Um cínico poderia logo dizer: ora, como falar mal de um presidente com 64% de aprovação popular no país, taxa ainda mais elevada nas regiões Norte e Nordeste? Como vencer uma eleição criticando um mito chamado Luiz Inácio Lula da Silva. Bem, é verdade que os tempos estão difíceis para a oposição, mas tucanos e democratas hão de convir que em um regime democrático a oposição existe para... fazer oposição! É quase inexplicável que praticamente nenhum candidato do PSDB ou DEM esteja usando o caso dos grampos, que está na ordem do dia, para bater no governo. Ou mesmo os escândalos mais antigos – gastos com cartões corporativos, dossiê FHC, dossiê Vedoin, mensalão, enfim, qualquer dos casos de corrupção que supostamente envolveram gente do primeiro ou segundo escalão do governo.

Marqueteiros e politólogos de plantão certamente contra-argumentariam: esta eleição é municipal e a agenda deve ser propositiva, bater no governo não dá voto nem ajuda a ganhar o pleito. Este argumento é em parte verdadeiro: é claro que os candidatos à prefeitura e vereança devem apresentar seus projetos e ninguém está aqui dizendo que a campanha deve se resumir à pancadaria nos adversários. A campanha eleitoral, porém, é também o momento que existe na arena pública para os partidos e políticos marcarem posição, delimitarem seus espaços e dizerem a que vieram.

Neste ano, apenas os partidos nanicos de ultra-esquerda estão aproveitando para marcar posição e criticar o governo. Mesmo assim, timidamente. DEM e PSDB parecem ter abdicado de fazer oposição. Em Salvador, ACM Neto está vendo sua campanha naufragar depois que o PT botou no ar a famosa frase em que ele prometia bater no presidente Lula. Ao invés de reforçar a postura oposicionista, o herdeiro do carlismo só faz se desculpar pelo "mau momento"...

No fundo, além da altíssima popularidade de Lula, que em grande parte se deve ao excelente momento da economia nacional, mas não só a isto, como querem fazer crer os críticos do governo – não há político com tamanho carisma e empatia com o povo brasileiro na história do país –, é preciso considerar um outro fator para explicar a falta de brios da oposição neste momento. A verdade é que o presidente Lula vem realizando um governo de perfil social-democrata, bastante diferente do que o PT propunha quando estava na oposição. Com isto, o presidente ocupou o espaço dos tucanos, livrando-se ao mesmo tempo da esquerda mais radical de seu partido, que acabou no PSOL e até agora não mostrou grande capacidade de mobilização popular. Tudo somado, do espectro ideológico que vai da esquerda ao centro, chegando até a um pedacinho da direita, Lula consegue transitar e se apresenta como a solução dos problemas nacionais pela via de um consenso negociado politicamente. Acabaram as tensões, o andar de baixo vive feliz e muito melhor do que nos tempos do bicudo Fernando Henrique Cardoso, o andar de cima também não tem muito do que reclamar.

Para o PSDB e o DEM, sobrou um mico enorme, porque nenhum dos dois aceita o papel de
partido de direita autêntico, com viés liberal-privatizante e/ou conservador e, o que é mais importante, com um projeto alternativo de governo. O DEM até que ensaiou este passo com a renovação das lideranças e a chegada de Rodrigo Maia à presidência nacional da legenda, mas o fato é que a "base" democrata não tem condições de suportar a distância do poder e acaba abrindo negociações, inclusive com o PT. Quanto ao PSDB, aparentemente o partido decidiu disputar o mesmo espaço do lulismo, seja com José Serra ou Aécio Neves. Ambos, cada qual com seu estilo, não fariam governos muito diferentes do atual. Em tese, Serra larga na frente porque tem maior recall e governa um estado rico e poderoso, mas uma candidatura vitaminada pelo presidente em 2010 pode perfeitamente manter o espaço que Lula já ocupou e até ampliar um pouco, caso o PMDB entre formalmente na aliança. Isto tudo, é claro, se não for o próprio Lula o candidato, mas neste caso este blog aposta que nem Serra nem Aécio entrariam na disputa (quem sabe Alckmin...).

No fundo, a oposição brasileira está zanzando como barata tonta. Não há por aqui um Álvaro Uribe para demarcar o espaço da direita. Na América Latina toda, aliás, Uribe é a exceção, a regra são governos de centro-esquerda ou esquerda, uma tendência bastante compreensível depois da catástrofe das gestões neoliberais no continente (Collor, Menem, Cardoso, Fujimori, Salinas e tantos outros de triste memória). Se esta onda vai durar, depende muito da conjuntura política de cada país – está aí a crise boliviana que não deixa mentir. Até agora, a população da região está aprovando as gestões de seus presidentes e presidentas por várias razões, mas uma em especial: a economia está "bombando" e a vida das pessoas, melhorando bastante. É simples assim.

Comentários

  1. Sou estrangeiro, portanto não temho direito de torcer para esse ou aquilo, mais salta aos olhos que a oposição no Brasil apostou muito na lógica do escândalo midiático e o pânico moral, e que não deu certo.

    O próprio Alckmin é um homem que repetiu durante a sua candidatura à presidência, junto com Jorge Bornhausen, que haveria um conluio entre o PCC, as FARC e o PT para assassinar PMs durante aquele terrível maio de 2006 para prejudicar a candidatura dele. Deu na Folha. Fiquei pasmado. (Foi a mesmo historia contada ultimamente no Clube Militar do Rio.) Continua dizendo, que eu li recentemente: "Olha, o PCC não vota em mim." Que absurdo!

    Eis a problema. Sindrome do menino que gritou da chegada de lobos inexistentes uma vez a mais. Se foi a credibilidade. Que pena: não existe governo que não precisa de uma boa opposição para fiscalizá-lo.

    Com poucas exceções (Serra, quem eu admiro, por exemplo, não parece gastar tempo com tais besteiras), existe uma enorme preguiça intelectual lá, apoiada no velho discurso de sempre, moralizador, paranóico, dedo para cima, chamando as força patrióticas dos quartéis para purgarem a nação. Corrupção como palavra de quatro sílabos. Como se o ACM continuasse vivo. Até o FHC, um intectual público de peso, entra nesse jogo. Como explicar isso? Influência do jazz? Influência de Dick Morris?

    ResponderExcluir

Postar um comentário

O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.

Postagens mais visitadas deste blog

Um pai

Bruno Covas, prefeito de São Paulo, morreu vivendo. Morreu criando novas lembranças. Morreu não deixando o câncer levar a sua vontade de resistir.  Mesmo em estado grave, mesmo em tratamento oncológico, juntou todas as suas forças para assistir ao jogo do seu time Santos, na final da Libertadores, no Maracanã, ao lado do filho.  Foi aquela loucura por carinho a alguém, superando o desgaste da viagem e o suor frio dos remédios.  Na época, ele acabou criticado nas redes sociais por ter se exposto. Afinal, o que é o futebol perto da morte?  Nada, mas não era somente futebol, mas o amor ao seu adolescente Tomás, de 15 anos, cultivado pela torcida em comum. Não vibravam unicamente pelos jogadores, e sim pela amizade invencível entre eles, escreve Fabrício Carpinejar em texto publicado nas redes sociais. Linda homenagem, vale muito a leitura, continua a seguir.  Nos noventa minutos, Bruno Covas defendia o seu legado, a sua memória antes do adeus definitivo, para que s...

Dica da Semana: Tarso de Castro, 75k de músculos e fúria, livro

Tom Cardoso faz justiça a um grande jornalista  Se vivo estivesse, o gaúcho Tarso de Castro certamente estaria indignado com o que se passa no Brasil e no mundo. Irreverente, gênio, mulherengo, brizolista entusiasmado e sobretudo um libertário, Tarso não suportaria esses tempos de ascensão de valores conservadores. O colunista que assina esta dica decidiu ser jornalista muito cedo, aos 12 anos de idade, justamente pela admiração que nutria por Tarso, então colunista da Folha de S. Paulo. Lia diariamente tudo que ele escrevia, nem sempre entendia algumas tiradas e ironias, mas acompanhou a trajetória até sua morte precoce, em 1991, aos 49 anos, de cirrose hepática, decorrente, claro, do alcoolismo que nunca admitiu tratar. O livro de Tom Cardoso recupera este personagem fundamental na história do jornalismo brasileiro, senão pela obra completa, mas pelo fato de ter fundado, em 1969, o jornal Pasquim, que veio a se transformar no baluarte da resistência à ditadura militar no perío...

Dica da semana: Nine Perfect Strangers, série

Joia no Prime traz drama perturbador que consagra Nicole Kidman  Dizer que o tempo não passou para Nicole Kidman seria tão leviano quanto irresponsável. E isso é bom. No charme (ainda fatal) de seus 54 anos, a australiana mostra que tem muita lenha para queimar e escancara o quanto as décadas de experiência lhe fizeram bem, principalmente para composição de personagens mais complexas e maduras. Nada de gatinhas vulneráveis. Ancorando a nova série Nine Perfect Strangers, disponível na Amazon Prime Video, a eterna suicide blonde de Hollywood – ok, vamos dividir o posto com Sharon Stone – empresta toda sua aura de diva para dar vida à mística Masha, uma espécie de guru dos novos tempos que desenvolveu uma técnica terapêutica polêmica, pouco acessível e para lá de exclusiva. Em um lúdico e misterioso retiro, a “Tranquillum House”, a exotérica propõe uma nova abordagem de tratamento para condições mentais e psicossociais manifestadas de diferentes formas em cada um dos nove estranhos, “...