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Quem é que clica em anúncios?

“Metade do meu gasto com propaganda é desperdiçada; o problema é que não sei qual metade.” Já atribuído a diversas figuras no mundo dos negócios e da publicidade, o adágio encontrou um novo proponente. Tim Hwang, ex-executivo do Google, alerta que o altamente automatizado mercado de publicidade on-line se baseia em premissas falsas e caminha para o colapso. Hwang publicou em outubro o livro “Subprime Attention Crisis: Advertising and the Time Bomb at the Heart of the Internet” (A Crise de Atenção Subprime: Publicidade e a Bomba-Relógio no Coração da Internet). Nele, argumenta que a mídia programática, como é conhecido o sistema de anúncios orientados por algoritmos e negociados em leilões virtuais, esconde ineficiências graves. Essa dinâmica opaca, mas supervalorizada, seria parecida com a das hipotecas “subprime” que geraram a crise de 2008, escreve Por Patrick Brock, de Oslo, Noruega, para o Valor. Continua a seguir.


Em entrevista ao Valor via Zoom de Nova York, Hwang diz que sua esperança é gerar debate suficiente para evitar um colapso catastrófico. “O livro desencadeou discussão em lugares inesperados. Tenho visto muito interesse de pessoas que trabalham com políticas e regulamentação em Bruxelas e Washington”, conta. De fala concisa e eloquente, Hwang já foi diretor mundial do Google para políticas públicas sobre inteligência artificial e também diretor da Iniciativa para Ética e Governança da IA das universidades Harvard e MIT. Atualmente é pesquisador da Universidade Georgetown.

O sistema desenvolvido desde meados dos anos 1990 criou gigantes bilionários como Facebook e Google. Aparenta solidez: quantidades assombrosas de dados sobre as pessoas permitiriam publicidade precisa e efetiva. Mas Hwang afirma que a tecnologia é muito menos eficiente do que se acredita. Estimativas reveladas pelo Google em 2014 apontam que 60% da propaganda na internet nunca é vista. Em 2017, a Procter & Gamble, um dos maiores anunciantes do mundo, cortou quase US$ 200 milhões de seu orçamento de propaganda e descobriu que não teve nenhum efeito nas vendas.

O simples ato de ignorar a propaganda, inclusive por aplicativos como AdBlock, amplifica o problema. Hwang cita também o cansaço com a propaganda na internet. No início, anúncios “banner” rendiam cliques de até 50% das pessoas que os viam. Mas, hoje em dia, 25 anos depois, essa taxa chega a no máximo 0,2%. Ainda assim, propaganda ligada a resultados de busca ainda parece ser mais bem-sucedida que outros tipos de anúncios on-line, diz Hwang.

Augustine Fou comanda uma consultoria nos EUA que investiga fraudes no setor e corrobora os argumentos de Hwang. Depois de 25 anos liderando a área digital de diversas agências, Fou afirma que o mercado sabe da existência de muitas fraudes, mas acha que “o problema é dos outros” porque suas próprias associações mentiram para ele, alegando que resolveram o problema com esforços de autocertificação.

As fraudes geralmente envolvem falsificações de audiência, como a que usou um aplicativo de namoro para exibir cópias de janelas de vídeo do aplicativo de TV on-line Roku e vender propaganda nelas. Outra fraude envolvendo o Roku vendia anúncios políticos em aplicativos com baixa visibilidade, como protetores de tela ou para animais domésticos que ficam sozinhos em casa. Muitas vezes os criminosos vendem espaço em páginas que não existem - o volume gigantesco de ofertas nos leilões automatizados garante algum lucro mesmo que poucas sejam aceitas.

Um desses golpes falsificou uma audiência de 2 milhões de pessoas em abril, gerando 1,9 bilhão de impressões no Google TV, Smart TVs e aparelhos equipados com o sistema operacional Android. Houve um caso em junho apelidado de “DrainerBot”, contaminando milhões de smartphones para que rodassem continuamente anúncios em vídeo sem o conhecimento do dono do aparelho, gerando impressões depois cobradas de anunciantes.

Fernand Alphen, co-CEO da F.biz, empresa do grupo WPP que é uma das maiores agências de marketing digital no Brasil, nega que haja fraudes nas grandes plataformas do setor, mas diz que num mundo tão amplo como a internet é previsível que em alguma parte elas aconteçam, já que “bandido é bandido” independentemente da área. “Infelizmente, nossa capacidade de legislar sobre este ambiente é muito mais lenta do que a capacidade que este ambiente tem de inventar, de criar.” Ele ressalta que há muito ainda a descobrir no mundo da publicidade on-line e alertas como o de Hwang são úteis na evolução do setor, mas também que há muita coisa que funciona.

Hwang calcula que um em cada três dólares gastos com publicidade on-line provavelmente vai para fontes fraudulentas. “O verdadeiro problema não é se as propagandas funcionam ou não, mas que esses anúncios são exibidos para pessoas que não estão nem aí, ou para bots”, diz ele sobre os programas criados para simular ofertas em leilões ou audiência na internet. No Google, Hwang lembra que os próprios engenheiros pareciam não entender direito como o sistema funcionava, em mais um exemplo do perigo de sua complexidade e opacidade, como foi nas hipotecas.

Steve Tadelis, economista da Universidade da Califórnia em Berkeley, foi uma das pessoas a provar empiricamente os problemas do sistema. Tadelis liderou um projeto no Ebay para avaliar a eficiência dos gastos com publicidade on-line. Primeiro, a empresa cortou gastos com propaganda da própria marca e descobriu que não afetou a receita, desafiando a lógica de que era preciso se expor para evitar que possíveis clientes trocassem seu mercado virtual pelo da Amazon.

Mas o Ebay também comprava anúncios para produtos específicos. A empresa acreditava que eles geravam 5% da receita, de modo que cada dólar gasto gerava US$ 1,50. Tadelis mostrou que só respondiam por 0,5% da receita, ou seja, cada dólar gasto na verdade representava um prejuízo de US$ 0,60. A empresa diminuiu o gasto com propaganda on-line em US$ 100 milhões.

Tadelis publicou o estudo em 2014 e desde então o mundo continuou aumentando os gastos com tecnologia de publicidade on-line, algo que ele credita aos incentivos do mercado para corroborar a suposta eficiência do próprio produto. “Muita gente no setor prefere fingir que não vê nada. Os incentivos para fazer a coisa certa simplesmente não existem. Pelo menos ainda não”, diz . O mercado que monetiza a atenção das pessoas tem métricas pouco confiáveis sobre sua verdadeira eficiência, deixando o valor real da “atenção” das pessoas na internet supervalorizado.

Hwang teme que o estouro dessa bolha possa derrubar o modelo ao qual estamos acostumados na internet - ver propaganda ou ceder nossos dados em troca de e-mail gratuito, buscas na internet, mapas e outros serviços que se tornaram essenciais. Já enfraquecidos pela perda da receita com publicidade tradicional, os jornais também sofreriam com a derrocada da propaganda on-line.

“Por isso eu acho que devemos ser cuidadosos e pensar numa transição, em vez de simplesmente deixar esse modelo implodir”, diz Hwang. Já Tadelis não vê risco de catástrofe: “As bolsas mundiais valem por volta de US$ 100 trilhões; a indústria mundial de publicidade on-line talvez valha uns US$ 5 trilhões e não está entrelaçada a outros ativos financeiros, diferentemente dos derivativos garantidos por hipotecas. Não há risco de contágio, como houve nos mercados financeiros.”

Hwang não acredita que o mercado vai se autorreformar. “Eles seguem a todo vapor, dizem que está tudo normal e meu livro não faz sentido, e vão continuar trabalhando normalmente.” Para ele, a nova lei da União Europeia obrigando o compartilhamento das métricas de publicidade on-line e esforços da Comissão Federal de Comércio dos EUA (FTC) são um sinal da onda regulatória que se avizinha - e que talvez possa derrubar o mercado.

Hwang acha que um esforço regulatório mais forte dos governos pode ser o estopim que derruba o mercado. A lei europeia de proteção de dados (GDPR) pode cortar o acesso das empresas aos dados pessoais coletados na internet, levando os anunciantes a constatar que eles não fazem diferença na efetividade dos comerciais on-line, por exemplo. Para ele, um colapso desordenado pode levar a sociedade a simplesmente reconstruir o mesmo sistema problemático de antes. Em vez disso, ele sugere um esforço concentrado para desmontar esse mercado e criar oportunidade para que novos modelos de negócio possam surgir. Seu plano é criar um centro de pesquisas independente e sem fins lucrativos que ajude anunciantes a corrigir suas expectativas sobre os benefícios dos anúncios digitais.

Tadelis apoia a ideia. “O pessoal do setor vai insistir que sem gastos consideráveis anunciando a marca e propaganda digital, a marca se deteriora. Mas diga isso à Costco, uma empresa que gasta praticamente nada com anúncios”, ressalta Tadelis sobre a lucrativa gigante americana do atacarejo.

O setor argumenta que a automação é necessária para conseguir gerar receita num mercado gigantesco como o seu. O Interactive Advertising Bureau, associação que representa principalmente empresas nos EUA e na Europa, criou o IAB Tech Lab em 2014 para desenvolver tecnologias e padrões que combatam fraudes no setor. Dennis Buchheim, seu presidente, defende a indústria com o argumento de que ela envolve vários participantes ajudando a distribuir e medir o efeito de propagandas “cada vez mais relevantes” para um número enorme de conteúdos e públicos. “Contudo, a natureza aberta do ecossistema digital introduz elementos mal-intencionados que vão atrás do dinheiro e tentam roubar uma parte dele com práticas fraudulentas, incluindo conteúdo ou fontes de conteúdo falsas, ou criando tráfego [on-line] fraudulento ou públicos falsos”, admite.

O IAB Tech Lab colabora com a indústria para identificar essas práticas e encontrar soluções em escala suficiente para aumentar a transparência e o grau de controle das duas pontas do mercado de publicidade, acrescenta Buchheim. Ele cita iniciativas como ads.txt, que busca certificar os vendedores de propaganda digital; sellers.json, para aumentar a transparência do relacionamento entre as partes envolvidas numa transação; e SupplyChain Object, para monitorar as partes de transações e garantir que a propaganda é comprada de fontes autorizadas e idôneas.



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