Quando Dominique Strauss-Kahn assumiu a direção geral do FMI, em 2007, o mundo estava em vias de atravessar a pior crise financeira desde a Grande Depressão. Foi um batismo de fogo para o francês, que, sendo um hábil negociador, logo provou-se uma figura decisiva no esforço de conter um colapso econômico ainda maior. Moderno, progressista e carismático, Strauss-Kahn tornava-se então o novo queridinho da esquerda. Em 2011, já disparava como favorito às eleições presidenciais na França, com ampla vantagem sobre Nicolas Sarkozy. Isso até maio daquele ano, quando um escândalo veio abalar sua reputação, escreve Luciano Buarque de Holanda no Valor, em resenha publicada em 15/1. Continua a seguir.
Entra em cena a camareira de origem guineense Nafissatou Diallo, contando em sórdidos detalhes como foi violentamente molestada por Strauss-Kahn na suíte presidencial do Hotel Sofitel, em Manhattan, Nova York. “Ele veio pelado em minha direção (...), parecia um macaco, um animal”, relembra a vítima.
Em choque após o incidente, ela hesita em prestar queixa, mas é convencida pela equipe de segurança local. Poucas horas depois, prestes a embarcar a Paris, Strauss-Kahn é detido no aeroporto sob acusação de estupro.
A notícia rapidamente vaza na imprensa, e o circo midiático é instaurado. Passados quatro dias, Strauss-Kahn renuncia ao cargo no FMI. Na França, apoiadores falam em complô, enquanto a oposição sentencia sua morte política.
Minissérie documental dividida em quatro episódios, “Quarto 2806: A Acusação” não fica necessariamente em cima do muro: embora ambos os lados sejam ouvidos, sobrepõe-se a voz das vítimas, não apenas de Nafissatou, mas também da jornalista Tristane Banon, que narra uma experiência muito semelhante, ocorrida anos antes.
No entanto, a despeito do tema sensível, os realizadores tendem às fórmulas-padrão do gênero “crime verdadeiro”, jogando com a dúvida dos espectadores para criar tensão entre os episódios. Muitas vezes, os fatos não poupam a integridade de Nafissatou, uma mulher negra, analfabeta, muito perseguida e caluniada durante o processo contra Strauss-Kahn. À época, o movimento Me Too ainda estava distante - e os poderosos normalmente saíam impunes.
Vale ponderar que as circunstâncias do caso são mesmo muito obscuras. O que teria levado os seguranças do Sofitel à infame “dancinha da vitória”, flagrada por uma câmera de segurança instantes depois de Nafissatou concordar em prestar queixa? Seriam as conexões entre a gerência do hotel e o staff de Sarkozy apenas mera coincidência? Ao mesmo tempo, a camareira tem de explicar um misterioso depósito em sua conta bancária. Uma série de inconsistências minam a credibilidade de seus depoimentos.
Um tanto mais longa que o necessário, a minissérie é dirigida por Jalil Lespert, da cinebiografia “Yves Saint Laurent” (2014). O elenco de entrevistados inclui Raphaëlle Bacqué, correspondente do “Le Monde”; os ex-ministros Jack Lang e Élisabeth Guigou, ambos do Partido Socialista francês; e Delrene Boyd, ex-assistente pessoal de Strauss-Kahn.
“Quarto 2806: A Acusação” (minissérie).
França - 2020. Dir.: Jalil Lespert. Onde: Netflix / BBB
AAA Excepcional / AA+ Alta qualidade / BBB Acima da média / BB+ Moderado / CCC Baixa qualidade / C Alto risco
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