O Brasil sob Jair Bolsonaro tem sempre algo de bom, diz uma piada sarcástica que corre nas redes sociais: a situação desta semana é sempre melhor do que a da semana que vem. O gracejo faz pensar na atitude da esquerda e da oposição. Em geral, esperam que Bolsonaro vá cair de podre ou assim vá chegar à eleição. A mera sugestão de que pode não ser assim provoca acusações de delírio otimista a respeito da economia e da Covid. Mas pode haver condições objetivas para que o governo esteja em melhor situação daqui a seis meses ou um ano –se vai estar, depende também do confronto político. O pessimismo exagerado é uma espécie de otimismo negligente que pode custar caro a quem queira derrotar Bolsonaro em 2022. Tentar fazê-lo antes disso já parece fora de questão. O plano é aquele clichê: “deixa sangrar”. Vai sangrar? Pode ser até pior, dadas as incertezas. Há riscos imponderáveis, do tamanho de um vírus mutante que talvez venha a matar ainda mais e reiniciar a epidemia do zero, driblando as vacinas e as imunidades dos já infectados. Nossa burrice selvagem nos habilita até a essa catástrofe. Uma seca pior do que a prevista pode causar um apagão. Etc, escreve Vinicius Torres Freire em sua coluna na Folha, publicada domingo, 30/5. Continua a seguir, vale a leitura.
Afora desastres, porém, a perspectiva destes dias é de despiora mais rápida da economia e lento recuo da epidemia depois da metade do ano.
Quanto à epidemia, a atitude é de “já acabou”, visível em ruas, conversas e políticas estaduais de restrição, cada vez mais relaxadas e rendidas. Bolsonaro venceu. Não há tentativa de controlar a Covid, apenas a lotação de UTIs, se tanto. Encara-se a morte, por necessidade ou futilidade, como este jornalista via na sexta-feira em São Paulo, de aglomerações desmascaradas em padarias, botecos e bares, em pleno repique.
Talvez o fato de mais de um terço da população adulta já ter ficado doente ou tomado ao menos uma dose de vacina colabore para a “nonchalance” suicida ou, melhor, homicida. Difícil imaginar que a preocupação crítica aumente quando houver mais vacinados e menos mortes.
Isso vai acontecer, afora naquela hipótese de criarmos o coronapet, o vírus vira-lata nacional assassino. Quase 100% da população adulta deve ter tomado a primeira dose de vacina em novembro; 80%, as duas doses. Um país acostumado a 2 mil mortes por dia pode ficar ainda mais indiferente com meros 300 cadáveres diários. Pode ser que brote uma memória raivosa do horror passado? Até pode, o que depende também de política de oposição, que não há.
Despiora econômica significa PIB crescendo entre 4% e 5% em 2021, com o que o nível de produção e renda voltaria ao que era em 2019. Decerto “PIB” é uma abstração. Na prática, pode não encher barriga, necessariamente. Ainda que o faça, pode não satisfazer o eleitorado (a revolta de 2013 ocorreu quando o país vivia com a renda mais alta desde sempre).
A fase viral da crise brasileira de quase oito anos terá efeitos duradouros. A inflação alta, da comida em particular, vai reduzir a renda dos mais pobres por mais de um par de anos. O desemprego duradouro vai incapacitar muitos para o trabalho; permanecerá alto no mínimo porque a economia deve operar abaixo da capacidade ao menos até 2023. A adaptação técnica à recessão da Covid deve acelerar a crise estrutural do trabalho. Isto posto, são consideráveis as chances de despiora do PIB em 2021: isso quer dizer apenas alívio, não melhora “estrutural”.
Além do mais, o governo “vai para o ataque”, como diz Paulo Guedes. Haverá pacotezinho social e favores para falanges bolsonaristas, como a dos caminhoneiros. Haverá grande perdão de impostos, para pequenas empresas em particular. Guedes articula agrados à indústria. Há jabutis de favores até privatização (a da Eletrobras). Há um esquema azeitado para adquirir apoio de parlamentares.
A oposição vaporosa que existe está inebriada pela ideia de “crise social e econômica” terminal para Bolsonaro. Além de não pensar no passado que nos conduziu a este desastre, não olha seis meses adiante. A “despiora” é profecia? Não. É um alerta.
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