É consensual a avaliação de que o governo de Dilma Rousseff foi um fracasso do ponto de vista econômico. O PIB registrou desaceleração, a trajetória de queda dos juros não se sustentou, a arrecadação tributária minguou em troca de nada e a Nova Matriz Econômica se revelou uma sucessão de equívocos. O consenso termina quando se examinam as causas do malogro. Na análise liberal, a presidente se afastou da agenda ortodoxa e negligenciou o peso do mercado, contrário à sua orientação - daí o resultado negativo. Numa interpretação à esquerda, no entanto, os erros derivam do fato de o Partido dos Trabalhadores não ter ido mais fundo nas mudanças propostas. É isso o que se argumenta, com consistência, em “A Economia Brasileira: de Getúlio a Dilma - Novas Interpretações”, que reúne ensaios de 16 economistas mais alinhados com o desenvolvimentismo, escreve Oscar Pilagallo no Valor, em texto publicado dia 30/4. Vale a leitura e continua a seguir.
“O processo de desenvolvimento promovido e coordenado pelo Estado [sob Dilma] não se concretizava porque as estruturas básicas de acumulação de capital permaneciam as mesmas, isto é, voltadas, preponderantemente, aos interesses da acumulação rentista-patrimonial, e não da acumulação industrial”, escreve Miguel Bruno, especialista em economia das instituições.
O economista coloca no mesmo saco as gestões de Dilma e Lula, ao contrário do que sugeririam as estatísticas, muito mais favoráveis ao primeiro governo petista. Para o autor, ambos têm em comum a tentativa de conciliação de interesses conflitantes, ao implementar políticas sociais de redistribuição de renda sem mexer nas estruturas que privilegiam o mercado financeiro.
Na mesma linha, Victor Leonardo de Araujo, um dos coordenadores da obra, duvida que Lula, mesmo no segundo mandato, tenha optado por uma estratégia realmente desenvolvimentista. Teria sido antes uma “gestão ambígua”, em que de um lado tinha o Bolsa Família e a elevação real do salários mínimo e de outro as isenções fiscais sobre dividendos e a regressividade do sistema tributário, contra o que nada se fez.
O economista da Universidade Federal Fluminense considera que o bom resultado macroeconômico dos oito anos de Lula “surpreenderam”.
Afinal, o presidente apenas deu “continuidade ao modelo econômico vigente desde os anos 1990, que combina abertura comercial e financeira, e mantém o tripé da política macroeconômica inaugurada em 1999”, escreve Araujo, referindo-se às metas de inflação e de superávit primário e ao câmbio flutuante.
Nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, a receita liberal foi responsável por um crescimento anêmico, influenciado em parte por uma conjuntura internacional que não lhe foi favorável.
Nos primeiros quatro anos, houve crise cambiais no México, na Ásia e na Rússia, que expuseram a fragilidade do real sobrevalorizado, a âncora do plano anti-inflacionário. O período subsequente testemunhou a crise argentina e os atentados aos Estados Unidos. Lula, em contraste, governou com as commodities em alta e os juros internacionais em baixa.
A obra propõe uma divisão da história econômica recente do Brasil em dois momentos. O primeiro, de 1930 até os anos 1980, é o da criação e desenvolvimento das instituições do Estado, “tendo em vista a viabilização do processo de acumulação de capital, por meio da industrialização”.
O segundo, que chega até aos dias de hoje, “coincide com o gradativo desmonte dessas instituições”, como anotado na apresentação.
Com um recorte político, o livro dedica um capítulo a cada presidente. Vai até 2016, o ponto de inflexão da economia no século XXI, quando Dilma foi afastada pelo “golpe jurídico- parlamentar”, uma interpretação não elaborada, provavelmente por fugir do escopo da obra.
Michel Temer e Jair Bolsonaro ficam de fora, a não ser pelo breve comentário de que, nessa fase, “a captura do Estado pelos interesses privados atinge seu paroxismo”.
Embora seja fruto de trabalho coletivo, o livro tem unidade de foco. Sem surpresa, Keynes é citado, embora não como o principal responsável pela intervenção estatal que resgatou a economia americana na crise dos anos 1930. Menções a Raúl Prebisch, que nos anos 1950 liderou a Cepal, um celeiro do pensamento desenvolvimentista, e a Celso Furtado também ajudam a dar coesão às análises.
A obra aponta o que vê como desvios das políticas econômicas, mas não enxerga saídas a curto prazo. Como escrevem Carlos Pinkusfeld Bastos e Bruno Rodas Oliveira, “as limitações do modelo econômico dos anos 1990, com seu baixo crescimento, baixo dinamismo de comércio exterior, alto desemprego e desigualdade, apesar de acionarem uma reação política importante, não encontram uma alternativa coerente de política econômica”.
Para eles, o “novo desenvolvimentismo” dependerá de mudanças na conjuntura internacional, já que, historicamente, o Brasil sempre seguiu os consensos. No debate em geral dominado pelas teses liberais, “A Economia Brasileira” vale como contraponto.
Oscar Pilagallo é jornalista e autor de “A História do Brasil no Século XX” e “História da Imprensa Paulista”.
A Economia Brasileira: de Getúlio a Dilma Organizadores: Victor Leonardo de Araujo e Fernando Augusto Mansor de Mattos Hucitec, 542 págs. R$ 92,00 / AA+
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