Durante muitos anos, em suas crônicas e entrevistas, com alguma persistência Nelson Rodrigues falava - e zombava - do “poder jovem”. Quando pediam seu conselho aos mais novos, lançava: “Jovens, envelheçam”. O aforismo do dramaturgo pode ser contestado, mas representa quase um espectro de um tempo; hoje, ultrapassar a barreira dos 50 anos é para os fortes. Preconceito, falta de oportunidade de trabalho, desvalorização e infantilização são apenas algumas “novidades” com as quais quem envelhece se depara. Mas há uma reação contra isso. O publicitário Gui Bamberg, 69, sempre se incomodou com as abordagens dos anúncios em que pessoas mais velhas eram tratadas de forma certeira: “ou infantiloide ou velhinhos”. “Essa geração foi encoberta pela geração teen de forma violenta”, avalia. Quem lembra do “tio da Sukita”, um comercial que fez enorme sucesso nos anos 1990, recorda que era fácil rir do tiozinho sem graça, deslocado e envergonhado. Bamberg idealizou o projeto Venha Viver a Vida - uma plataforma lançada no fim de 2020 voltada ao público acima de 50 anos, com conteúdos, experiências e benefícios, escreve Flávia Fontes Oliveira no Valor, em reportagem publicada dia 28/5. Continua a seguir.
“A indústria da propaganda ainda é muito viciada na juventude. Sinto que é generalizada a crença de que funcionários mais jovens são mais criativos e que consumidores mais novos são mais valiosos”, reflete a diretora de criação Renata Leão, 47, profissional com passagens por agências como F/Nazca Saatchi&Saatchi, AlmapBBDO, Havas, Ogilvy&Mather, Wunderman Thompson, WMcCann.
A publicidade é só a ponta aparente de uma realidade. Maurício Turra, 58, sócio-fundador da Nextt 49+, observa que um profissional mais velho leva o dobro do tempo para se recolocar no mercado. Ele e outros dois sócios - como ele, ex-professores da ESPM - criaram a empresa em meados de 2019, com a ideia de prestar serviços de negócios para empresários(as) seniores e empresas, incluindo mentoria, aceleração, consultorias em diversas áreas e educação.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) também entrou na questão. Em março, iniciou uma discussão on-line para a criação de um relatório sobre o preconceito contra a idade, ageismo ou etarismo, nomes adotados frequentemente. Afinal, como tratar um assunto que vem sendo chamado de “Revolução da Longevidade”?
No Brasil, iniciativas como as de Bamberg, Turra e outros abordam o assunto em diversas frentes: projetos, produtos, pesquisas, consultorias e perfis em redes sociais trazem informação, serviços e mostram que encarar o envelhecimento é bom para as pessoas, para as sociedades e é bom para o mercado. Segundo levantamento feito pela “Harvard Business Review” e o instituto de pesquisa Locomotiva, só no Brasil, em 2020, a previsão era de esse público movimentar R$ 1,8 trilhão.
Outro dado do IBGE indica que essa população é hoje de 55 milhões de pessoas, ou um quarto da população brasileira. Os números são potentes, e Bete Marin, 50, sócia da Hype 50+, empresa de marketing inclusivo, especializada no consumidor maduro, acrescenta ainda outro fato, a diversidade, que vai contra a imagem desse público como uma coisa única. Isso, na sua percepção, não é levado em conta por empresas e produtos. “Há diversidade de classe social, faixa etária, gênero, nível de autonomia”, diz. “E temos um oceano de oportunidades para conhecer, aprofundar, desenvolver e comunicar.”
A multiplicidade de interesses e a falta de informações fez a jornalista Tina Lopes, ao completar 50 anos, no início de 2021, reformular seu perfil no Instagram e criar o Fifitinah (uma brincadeira com seu nome e sua idade). Ali, além de depoimentos de mulheres (inspirado no perfil da ex-modelo e fotógrafa holandesa Denise Boomkens), coloca temas comuns a quem rompe a barreira dos 45. “Quando comecei a pesquisar perfis, não encontrei algo mais pé no chão e resolvi falar de assuntos que rondam as mulheres nessa idade: falta de oportunidade de emprego, reforma trabalhista, exercício físico, menopausa, invisibilidade”, conta.
A falta de referência não é um assunto isolado. Pesquisa divulgada recentemente pela FDC Longevidade, uma plataforma da Fundação Dom Cabral, em parceria técnica com a Hype 50+, trata do tema sociedade e completa as duas vertentes abordadas em levantamentos anteriores, pessoas e mercado.
“Quando falamos em fenômeno contemporâneo, não quer dizer que a longevidade nasceu ontem, mas vem transformando a carga da demografia mundial há alguns anos. Temas como previdência, trabalho, finanças, que geram impactos muito grandes, são desafios em nível mundial. A nossa percepção é que temos boas práticas acontecendo, e o estudo está recheado delas, mas não olhamos para um país e pensamos: este país resolveu o desafio da revolução da longevidade e conseguiu ser um modelo em todos esses campos”, analisa Michelle Queiroz, professora associada e coordenadora da FDC Longevidade.
Durante décadas, o mundo lutou pela longevidade num caminho que uniu ciência, saneamento básico e medicina. Agora, não sabe muito bem o que fazer com ela. Pesquisas indicam a importância de se tirar uma poeira grossa de preconceito, que vão da ideia de que pessoas maduras carecem de habilidade com a tecnologia à falta de produtos pensados para essa geração, até aposentadorias compulsórias em plena atividade.
Bamberg questiona o estereótipo de que os mais maduros não têm jeito para lidar com a tecnologia. “A tecnologia está inserida na vida dessas pessoas, elas compram, se informam e estão atualizadas”, diz. O Venha Viver a Vida é um projeto que começou on-line, com informações e parcerias para esse público.
Turra diz que, mesmo que não acompanhem todas as últimas tecnologias, “pessoas mais velhas têm outras capacidades, como de prever cenários múltiplos. São características necessárias e complementares”.
“Ao subestimar funcionários mais velhos, subestimamos a experiência. Ao ignorar públicos mais velhos, negligenciamos as oportunidades. Mudar nossas atitudes preconceituosas em relação à idade não é apenas uma decisão moral; é também um imperativo comercial”, diz Renata Leão.
No Fifitinah, a jornalista Tina Lopes também traz uma questão: é preciso tomar cuidado para não acabar se criando um padrão também para essa idade. “Não existe 50 anos ideal”, diz.
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