No dia 26 de março, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), reunia em sua residência um pequeno grupo de aliados e o então ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos. Tratavam de assuntos banais quando uma notícia mudou o rumo da prosa. Como se anunciasse uma hecatombe, Ramos se dirigiu aos presentes naquela sexta-feira para relatar uma informação que chegara pelo telefone. O general havia se afastado para ouvir a novidade e voltara pasmo. O ministro da Defesa, Fernando Azevedo, seria substituído pelo presidente Jair Bolsonaro. A troca provocaria mudanças em cascata no governo, inclusive com a promoção do próprio Ramos à Casa Civil. Recuperado do susto, o general ouviu um gracejo: já poderia abandonar a reunião, pois não era mais o responsável pela articulação com o Congresso. Após algumas risadas, começaram ali mesmo a levantar nomes para a Secretaria de Governo. O primeiro da lista, elencado por Lira, era o senador Eduardo Gomes (MDB-TO), líder do governo no Congresso. Foi logo rejeitado, porque Bolsonaro estava insatisfeito com seu trabalho. Passaram, então, a analisar o perfil de outros parlamentares. Entre os citados, Ramos reconheceu que Flávia Arruda (PL-DF) seria uma boa ideia. Atenderia ao partido do centrão sem cargos no primeiro escalão, o PL, e acalmaria o chefe da legenda, Valdemar Costa Neto. O nome da deputada agradava ao presidente da Câmara, de quem é próxima, escreve Bruno Góes na edição da revista Época desta semana. Continua abaixo.
No gabinete da Secretaria do Governo, aos poucos, Flávia Arruda virou a responsável por cumprir os acordos assumidos na discussão do Orçamento por ela, pelo governo e, também, por Lira. Antes de assumir o ministério, ela, também indicada pelo presidente da Câmara, presidiu a comissão mista que discutiu a alocação dos recursos federais. Hoje, seu principal trabalho é desatar o nó do documento que virou ficção por prever o corte de despesas obrigatórias. Para isso, mantém agenda frequente com o presidente da República e parlamentares. Os deputados pressionam para que se recomponham verbas para garantir o envio de recursos a suas bases. O governo tenta, a pedido do Ministério da Economia, manter o mínimo de austeridade.
De forma gradual, Flávia Arruda vai mudando a maneira de negociar com os deputados. Na terça-feira 26, por exemplo, recebeu José Nelto (PODE-GO). Conversaram sobre alocação de recursos do Orçamento. O assunto que virou tema espinhoso para o governo era tratado com naturalidade. “Com todo o respeito, a primeira diferença é política. Ela foi eleita pelo voto e sabe o que se passa com a classe política. Ela não é militar. Nada contra o ministro anterior, mas o bate- papo é carinhoso, sabe como tratar, fala com clareza das questões orçamentárias, extraorçamentárias, o momento que estamos vivendo”, relatou Nelto. O gabinete localizado no quarto andar do Palácio do Planalto também passou a atender adversários declarados do governo. Desde que assumiu, por exemplo, fez questão de receber a deputada Tabata Amaral (PDT-SP), frequentemente atacada pelos apoiadores de Bolsonaro.
O foco da ministra, num primeiro momento, é escutar os parlamentares. Aos poucos, ela ainda está montando a equipe que vai ajudá-la no ministério. Segundo o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), ainda é preciso tempo para se adaptar à cadeira. “Ela está ainda montando a equipe, que vai ajudá-la e contribuir para o estilo de trabalho. Ela transita muito bem, mas pegou de cara uma crise muito grande logo no começo, com o Orçamento e a CPI da Covid. Não tem sossego, é um trabalho permanente”, avaliou o deputado.
A CPI virou um problema para o governo, que errou na condução política no Senado. Nas últimas semanas, Flávia Arruda disse a aliados que não teve tempo de se aprofundar na organização da defesa do governo. Publicamente, diferentemente do clã Bolsonaro, assumiu uma postura moderada para não dinamitar pontes, como fez o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), na primeira reunião do colegiado. Ela tem dito que a investigação pode contribuir para que se encontrem soluções para a crise, com foco no “futuro”. Apenas na última terça-feira recebeu um dos principais integrantes da tropa de choque do governo, senador Jorginho Mello (PL-SC). Um assessor do parlamentar, que esteve na reunião, no entanto, afirmou a ÉPOCA que foram oito minutos de conversa protocolar, sem tocar no assunto.
Mulher do ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, condenado por falsidade ideológica e protagonista do mensalão do DEM, Flávia Arruda foi alçada na política no vácuo do marido. Arruda chegou a ser preso no âmbito da Caixa de Pandora, operação que desvendou um dos mais engendrados esquemas de corrupção envolvendo políticos, gestores e empresários da capital do país em 2009. O ex-governador se tornou inelegível, e Flávia virou a opção para manter o patrimônio político da família. Sua estreia foi em 2014, quando assumiu o lugar do marido para ser vice na chapa Jofran Frejat (PL) ao governo do Distrito Federal. A candidatura dele havia sido indeferida pela Justiça Eleitoral. Ficaram em segundo lugar, sendo derrotados por Rodrigo Rollemberg (PSB).
A ÉPOCA, uma pessoa que participou da campanha disse que ali já se sabia que ela poderia alçar voos mais altos. Ela frequentemente tomava a cena e era cercada por donas de casa em visitas a locais pobres do DF. Frejat, por sua vez, parecia ser o vice da chapa. Essa imagem começou a ser construída quando ainda era primeira-dama e foi responsável por programas sociais, como o Mãezinha Brasiliense, que dava suporte às mulheres que acabaram de ter filhos. Em 2018, foi eleita a deputada mais votada do Distrito Federal com 121 mil votos.
Até setembro do ano passado, Flávia Arruda teve uma atuação discreta na Câmara. Como parlamentar de primeiro mandato, ela era uma das mais próximas aliadas de Rodrigo Maia (DEM-RJ) enquanto ele estava à frente da Câmara. No plenário, não se importava em criticar o governo. Antes da pandemia, era comum vê-la sentada em uma cadeira no cafezinho da Câmara, onde, perplexa, fazia analogias do comportamento de apoio do presidente a protestos antidemocráticos, que miravam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF), com trechos do livro Como as democracias morrem, de Steven Levitsky. Sem receio, traçava um cenário pouco otimista sobre as consequências do populismo de Bolsonaro.
Durante a crise sanitária da Covid-19, fez duras críticas a atos do presidente Bolsonaro e seus apoiadores. No dia 16 de abril do ano passado, após a demissão do então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ela deixou clara sua opinião. Estava ao lado dele, e não de Bolsonaro, que exigia o fim de medidas de isolamento e restrições. “A (minha) primeira (fala) é em homenagem ao nosso ministro Mandetta. Muito sério, preparado, elegante, ele conduziu muito bem o Ministério da Saúde nesta enorme crise que estamos atravessando no Brasil e não cedeu a nenhum tipo de populismo. Ficou com a sua consciência e defendeu a vida dos brasileiros”, declarou Flávia Arruda. No mês seguinte, condenou as agressões feitas por bolsonaristas a enfermeiros que protestavam na Praça dos Três Poderes.
Aos poucos, a deputada deixou de criticar abertamente o governo e passou a seguir a orientação do partido. O PL tornou-se da base do governo e recebeu como recompensa postos-chaves. No ano passado, Valdemar Costa Nesto se aproximou de Bolsonaro e emplacou indicados na presidência do Banco do Nordeste e na diretoria do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Sempre cioso em relação aos compromissos assumidos, Costa Neto passou a pedir a parlamentares que deixassem de atacar o governo publicamente.
Nos corredores da Câmara, foi na disputa pela sucessão de Maia que ela começou a sobressair politicamente quando ajudou Lira a consolidar o apoio de parte da bancada feminina da Casa. No discurso de posse, em que estiveram a cúpula do Congresso e o padrinho Valdemar Costa Neto, ela fez questão de ressaltar seu papel institucional. Afirmou que a “democracia contemporânea exige uma engenharia política baseada numa coalizão parlamentar” e citou a necessidade de se construir um processo que permita a governabilidade.
Quem trabalha com a deputada diz que ela é objetiva e não aceita ser tutelada, embora na época de eleição faça questão de explorar a imagem de seu marido. Segundo integrantes do PL, o ex-governador ainda tem aceitação de pelo menos um terço da população do DF. Relator do Orçamento, o senador Márcio Bittar (MDB-AC) elogiou a atuação na comissão e disse ver com esperança o trabalho dela no governo. “Não tem escolha mais feliz para essa função. Não que o ministro (Luiz Eduardo) Ramos, que estava lá antes, não fosse competente. Mas, já que decidiram trocar, graças a Deus colocaram ela lá. Ela foi fundamental para que o Orçamento fosse aprovado de forma rápida, um recorde, sem confusões ou embates”, disse.
Com o impulso dado pelo governo federal, Flávia Arruda já é vista como potencial nome à sucessão de Ibaneis Rocha (MDB), atual governador do DF. Ele e Bolsonaro romperam há dois meses, em uma discussão tensa por telefone, por causa das medidas de restrição ao comércio durante a pandemia do coronavírus. O presidente vê com bons olhos o nome dela na sucessão no DF e a enxerga como uma pessoa de confiança. Ela nega, por enquanto, que vai se candidatar.
Em 2018, ÉPOCA presenciou um ato de campanha de Flávia Arruda com mulheres. Enquanto ela ouvia elogios à gestão de seu marido, santinhos foram distribuídos. No cartão, só havia o número da própria candidata e um espaço em branco para todos os outros campos. No DF, o PL tinha rifado Geraldo Alckmin (PSDB) e liberado seus candidatos a apoiar quem quisessem. Ao lhe perguntarem sobre isso, ela disse que apoiaria Alberto Fraga (DEM) para o governo do DF, mas que não tinha candidato ao Planalto. “Ainda não sei em quem vou votar para presidente, acredita? Está muito difícil. Vamos ver até o domingo.”
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