Quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recuperou seus direitos políticos em março, após a anulação da condenação imposta pela Operação Lava Jato, a equação eleitoral para 2022 mudou. O presidente Jair Bolsonaro, que apostava em jogar parado, teve uma certeza: a confluência de fatores que levaram a sua eleição em 2018 estava longe de se repetir. Nesta semana, ele reuniu centenas de motoqueiros para passear pelas avenidas de Brasília. Quatro dias depois, na quinta-feira 13, reeditou cenas típicas de sua última campanha, sendo recebido por centenas de apoiadores no aeroporto de Maceió. Numa espécie de efeito dominó, os demais pré-candidatos, que tentavam antagonizar com o mandatário, mudaram de estratégia. Começaram a buscar similaridades entre eles na tentativa, até agora frustrada, de construir pontes para a formação de uma terceira via viável. Alguns, inclusive, como o ex-ministro da Justiça Sergio Moro e o apresentador Luciano Huck, deram sinais de abandonar a corrida antes mesmo da largada. A um ano do início da campanha presidencial, Bolsonaro passou a fazer novas concessões à base de apoio ao governo aumentando o número de viagens ao lado de parlamentares e, claro, turbinando a liberação de emendas na tentativa de ter uma aliança em 2022. O presidente teme que a volta de Lula, principalmente, entre a bancada do Nordeste, diminua suas chances de ter palanques fortes nos estados da região. Há ainda o temor de que o desgaste da CPI da Covid fragilize o governo, escrevem Jussara Soares, Sérgio Roxo e Dimitrius Dantas na revista Época desta semana.
Na quarta-feira 12, uma pesquisa do Datafolha deu números à preocupação. O ex-presidente Lula apareceu à frente na corrida para a Presidência com margem confortável no primeiro turno. No segundo, venceria sem dificuldades Bolsonaro. O petista alcança 41% das intenções de voto no primeiro turno, em comparação a 23% de Bolsonaro. Em um segundo pelotão, embolada, aparece a terceira via. Moro, com 7%; o ex-ministro da Integração Ciro Gomes (PDT), com 6%; Huck (sem partido), com 4%; o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), com 3%; e, empatados com 2%, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM) e o empresário João Amoêdo (Novo).
O levantamento mostra que Lula retomou sua tradicional rede de apoio, com índices superiores de intenção de voto em segmentos de menor renda e escolaridade. E, mais uma vez, no Nordeste, onde ele atinge 56%. A interlocutores, Bolsonaro já tem dito que teme ser traído por aliados. Em conversas reservadas, líderes do centrão reafirmam que seguem com o governo, mas sem “contrato fechado”. Nas palavras de um parlamentar do PL, “ninguém vai morrer abraçado” ao presidente.
Bolsonaro ainda não definiu a legenda pela qual vai disputar a eleição. Recentemente, em conversa com apoiadores no Palácio da Alvorada, voltou a dizer que tem “dois partidos em vista” e confessou que já queria ter escolhido a sigla. Parte da dificuldade é que Bolsonaro exige dar as ordens no futuro partido. Segundo um importante interlocutor da família, caso não consiga ter o controle de uma legenda pequena, a tendência é que ele se filie a um partido grande como o Progressistas, presidido pelo senador Ciro Nogueira (PI). A legenda também abriga o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o líder do governo na Casa, deputado Ricardo Barros (PP-PR). Assim amarraria um partido com “corpo” para 2022.
Para acelerar as negociações, Bolsonaro começou a escalar o que deve ser seu núcleo duro da campanha. A coordenação nacional deverá ser entregue ao ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, um dos articuladores da candidatura de Bolsonaro em 2018. Também pesa a favor do ministro o fato de que, mesmo quando esteve em baixa no governo, se manteve leal a Bolsonaro e próximo dos filhos.
Filho mais velho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) deverá atuar como o número dois da campanha. Já o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) deverá ficar à frente do projeto em São Paulo. Por sua vez, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) mais uma vez comandará a estratégia digital de Bolsonaro, embora uma empresa profissional deva atuar também, cuidando, por exemplo, da propaganda para a televisão.
Nas últimas semanas, o presidente tem investido em compromissos que adotam ares de campanha e, sobretudo, funcionam como demonstração de força política em um momento em que se vê acuado pela CPI da Covid no Senado. Foi assim no Dia das Mães. Acompanhado de centenas de motociclistas, deixou a residência oficial e percorreu um trajeto por algumas das principais avenidas da capital federal. O ato foi impulsionado por apoiadores e influenciadores simpáticos ao presidente. Um de seus filhos, Eduardo Bolsonaro, deixou um recado claro do objetivo da manifestação: “A realidade é implacável. Quando antes vimos isso no Brasil, ainda mais fora de época de eleição? Um recado claro aos abutres que sonham com impeachment…”, escreveu em suas redes sociais.
De volta ao tabuleiro, o ex-presidente Lula usou as reuniões que teve ao longo do início do mês em Brasília para medir o grau de aceitação a seu nome entre as legendas de centro e para tentar mostrar que seu projeto de voltar ao poder será amparado por palanques fortes nos estados. Nos encontros, o petista ainda lavou a roupa suja que havia ficado do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, deixando claro que o episódio está superado e não haverá problema em estar ao lado de quem, na época, votou pelo afastamento de sua sucessora. Apesar de publicamente evitar se colocar como candidato, nas conversas reservadas Lula não escondeu que estará na disputa. Ele avalia que seu embate será mesmo com Bolsonaro e desdenhou das chances de seu antigo aliado Ciro Gomes.
O PT se esforçou para propagar a narrativa de que Lula viajou para Brasília para articular a defesa da compra de vacinas e da elevação do auxílio emergencial para R$ 600, mas os assuntos nas conversas foram muito além disso. Ao todo, Lula se encontrou com 16 políticos, de 11 partidos. Até nomes de legendas que apoiam abertamente o governo, como o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), e a senadora Kátia Abreu (PP-TO), conversaram com o ex-presidente na sala de reunião de um hotel do centro de Brasília transformado em QG político.
Um dos principais encontros do ex-presidente foi com Gilberto Kassab, presidente do PSD. Kassab foi ministro de Dilma até dois dias antes da votação do impeachment e depois virou ministro de Michel Temer. O ministro das Comunicações do governo Bolsonaro, Fábio Faria, é filiado ao PSD, mas o partido não garante apoio à reeleição do atual presidente. “Ele (Lula) está muito bem-disposto. É candidatíssimo. Está encontrando todas as lideranças e partidos para estabelecer diálogo. Mas deixamos claro que o PSD terá candidato próprio em 2022”, contou Kassab, numa clara estratégia de se cacifar para ter maior poder de barganha na hora de definir um eventual palanque.
Com o objetivo de mostrar que tem diálogo amplo, Lula fez questão de pedir aos políticos que encontrou para registrar o momento com uma foto. Rapidamente, as imagens eram divulgadas pelas redes sociais ou pela assessoria de imprensa de Lula. Mesmo que as conversas não evoluam para alianças eleitorais, o petista tenta reforçar o discurso de que, caso eleito, poderia unir o país porque conversa com representantes de diferentes correntes ideológicas.
Lula também esteve com quatro emedebistas: o ex-senador Eunício Oliveira (CE), o senador Jader Barbalho (PA), o ex-presidente José Sarney (AP) e o líder do partido na Câmara, Isnaldo Bulhões (AL). Nesses encontros, o ex-presidente quis saber quais eram os planos políticos dos interlocutores e mostrou grande interesse no posicionamento do partido em cada estado em relação à eleição de 2022. Prometeu manter diálogo e ouviu que há, sim, chance de uma união na chapa presidencial. “Encontrei o Lulinha paz e amor da eleição de 2002. Sem demonstrar nenhum tipo de ressentimento. Foi um reencontro de velhos amigos da política e, como políticos, não deixaríamos de falar de política”, afirmou Eunício Oliveira.
As movimentações de Lula e Bolsonaro espremem o espaço para o surgimento de uma terceira via. A manifestação conjunta de março de seis postulantes a esse posto — os governadores tucanos Doria e Eduardo Leite (RS), Ciro Gomes, Mandetta, Huck e Amoêdo — não foi capaz de abrir uma frente efetiva de diálogo do grupo.
Ciro adotou uma estratégia independente, com o PDT contratando o marqueteiro João Santana — que se notabilizou por campanhas milionárias pelo PT e admitiu em delação premiada ter recebido recursos por caixa dois. Doria e Leite estão envoltos na briga interna do PSDB, partido no qual o presidente da sigla, o pernambucano Bruno Araújo, já jogou outro nome como possibilidade, o do senador Tasso Jereissati (CE).
Mandetta tem dificuldades de viabilizar um projeto no DEM e, apesar do destaque de sua participação na CPI da Covid, poucos na política acreditam que sua candidatura seja para valer. Amoêdo tem dificuldade de atrair políticos tradicionais para seu projeto. A esperança de todos no centro é que, até a eleição no ano que vem, uma terceira via se viabilize.
Comentários
Postar um comentário
O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.