Pular para o conteúdo principal

Wagner Iglecias: qual PSDB?

O que vai abaixo é mais uma colaboração do professor Wagner Iglecias para o blog. Trata-se de uma análise da disputa interna tucana, na qual os governadores José Serra e Aécio Neves já começam a colocar as suas peças no xadrez pré-eleitoral de 2010. A única ressalva a fazer ao texto sempre lúcido de Wagner é sobre a possibilidade de Aécio migrar para o PMDB, hipótese que ele não considera e que este blog não apenas não descarta como começa a achar bastante plausível.

As urnas 2008 mal se fecharam e o prefeito eleito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, alfinetou o governador paulista José Serra dizendo que a aliança formada em torno de sua eleição, que uniu tucanos e petistas em Minas Gerais, aponta para uma conjunção de forças de centro-esquerda, ao passo que o arco de partidos que se uniu, sob a batuta de Serra, para reeleger Gilberto Kassab em São Paulo, é de centro-direita. Muito provavelmente este foi o primeiro lance do novo round, pós-eleições municipais, que José Serra e Aécio Neves, patrocinador da candidatura de Lacerda, deverão travar até a definição do candidato tucano à presidência da república.

Independentemente do fato, há que se lembrar que se Aécio fez um movimento à esquerda, juntando ao tucanato mineiro partidos como PT e PSB, em São Paulo Serra, de fato, fez caminho contrário, afinal apostou todas as suas fichas, à revelia de Alckmin, candidato oficial do PSDB, no demista Kassab, cuja origem para a vida pública encontra-se no malufismo. Mais que isso, aliou-se a Orestes Quércia, que controla a seção local do PMDB, num movimento bastante ousado, digamos assim, posto que o mote da criação do PSDB, no final da década de 1980, foi afastar a ala que se via como a mais ética do partido de figuras como, exatamente, Orestes Quércia. De fato, em torno de Kassab no embate final contra Marta Suplicy juntaram-se forças políticas e sociais bastante conservadoras.

Para além dos sentidos claramente opostos que Aécio e Serra percorreram neste processo eleitoral de 2008 em termos de aglutinação de forças políticas, há que se ressaltar que Lacerda tem uma certa razão quando chama a atenção para a necessidade de que os candidatos à sucessão de Lula busquem formar amplas alianças não apenas eleitorais, mas sobretudo políticas. E chamou atenção para o fato de Minas Gerais ser, historicamente, um estado que gera políticos habilidosos, bons negociadores, voltados ao entendimento, e não ao confronto.

Sim, isso faz parte da “mitologia” política brasileira. Mas, no caso de Aécio, parece ir além do mito. O governador mineiro foi um hábil presidente da Câmara dos Deputados, transita bastante bem em quase todo o espectro partidário brasileiro e parece representar uma fatia da oposição que saberá valorizar o que de positivo ficará do legado do governo Lula, ao passo que no entorno de Serra, a partir de São Paulo, vão se aglutinando forças políticas e sociais bastante refratárias aos pilares do atual governo.

A impressão, grosso modo, é que dentro do PSDB podem estar se consolidando, desde já, um pólo voltado ao futuro, pautado numa espécie de era pós-Lula, e outro nem tanto. Daqui até a eleição presidencial há muito por acontecer, mas é inegável que boa parte do que se verá na disputa de 2010 passa pela luta que se trava dentro do PSDB.

Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And...

Dica da semana: Nine Perfect Strangers, série

Joia no Prime traz drama perturbador que consagra Nicole Kidman  Dizer que o tempo não passou para Nicole Kidman seria tão leviano quanto irresponsável. E isso é bom. No charme (ainda fatal) de seus 54 anos, a australiana mostra que tem muita lenha para queimar e escancara o quanto as décadas de experiência lhe fizeram bem, principalmente para composição de personagens mais complexas e maduras. Nada de gatinhas vulneráveis. Ancorando a nova série Nine Perfect Strangers, disponível na Amazon Prime Video, a eterna suicide blonde de Hollywood – ok, vamos dividir o posto com Sharon Stone – empresta toda sua aura de diva para dar vida à mística Masha, uma espécie de guru dos novos tempos que desenvolveu uma técnica terapêutica polêmica, pouco acessível e para lá de exclusiva. Em um lúdico e misterioso retiro, a “Tranquillum House”, a exotérica propõe uma nova abordagem de tratamento para condições mentais e psicossociais manifestadas de diferentes formas em cada um dos nove estranhos, “...

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda...